domingo, 22 de novembro de 2009

Sobre a Homossexualidade



Fiquei um tempo sem atualizar o Blog porque tinha um assunto específico que queria abordar, mas não o desenvolvi de forma que me agradasse para colocá-lo aqui; então, não consegui comentar sobre outros assuntos. Surgiram, contudo, vários outros assuntos que suscitaram minha reflexão. Já faz um tempo que tenho pensado acerca da homossexualidade. Minhas meditações tiveram por ponto de partida um contexto teológico. Aviso, com antecedência, que meu texto tem por objetivo muito mais a reflexão aberta do que um fechamento sobre o assunto.

No ano de 2001, quando fiz a minha primeira leitura crítica da Bíblia — utilizando o método da dúvida cartesiano —, cheguei à conclusão de que ela não poderia ser a palavra literal de Deus; no máximo, o melhor guia que temos em mão. Quanto mais aprimoro meus estudos relacionados à Lingüística, mais vejo que se Deus quisesse criar algo como um manual, não teria escrito um livro como a Bíblia, mas isso é discussão para outra postagem.

A maior parte das informações que utilizarei faz parte de uma edição da revista “Mente e Cérebro”, Ano XV, nº 185, intitulada “As novas sexualidades”. Certa vez, discutindo sobre o assunto, algumas pessoas utilizavam o termo “homossexualidade” e outras “homossexualismo”. Indaguei-me, então, se haveria diferença no emprego dos dois termos. Descobri a solução na referida edição da “Mente e Cérebro”. O termo “homossexualismo” era utilizado até 1985 pela CID — Classificação Internacional de Doenças —, publicação da Organização Mundial da Saúde — OMS —, na qual aparecia na categoria de distúrbio mental. O sufixo “ismo”, gramaticalmente, não designa, necessariamente, doenças, como se vê em “Cubismo”, por exemplo; no entanto, grupos gays têm interpretado tal termo como pejorativo. O termo “homossexualidade” é tido como menos discriminatório portanto. Teóricos, juristas, entre outros estudiosos, sugerem o uso de outros termos, como relações homoafetivas ou homoeróticas, no intuito de utilizarem termos neutros. Utilizarei todos os termos sem conotações quaisquer.

Hoje, com o politicamente correto em voga, qualquer opinião torna-se preconceituosa. Se um cristão diz ser contrário ao homossexualismo, é tido por preconceituoso. Admito que a grande maioria nunca estudou o assunto e apenas parte da leitura bíblica para ter uma posição, mas as pessoas têm o direito de tomarem partido sobre qualquer assunto sem serem tidas por preconceituosas, desde que tenham informação e tenham refletido suficientemente sobre tal assunto.

Acredito que ninguém que já tenha lido a Bíblia dirá, em sã consciência, que ela não é contrária às relações homossexuais. Não me aprofundarei no assunto, mas citarei algumas passagens bem esclarecedoras:

“Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante”.
[ Levítico 18.22]

“Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte”
[ Levítico 20.13 ]

“Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão” [ Romanos 1.27 ]

“Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos”
[ 1 Coríntios 6.9 ]

A Bíblia foi escrita por homens — fazem questão de dizer “inspirados por Deus”, mas acredito que essa ênfase não passa de um jogo de linguagem, embora acredite que eles, de fato, foram inspirados por Deus — e não o foi de modo psicografado, como era feito pelo Chico Xavier, por exemplo. A escrita deles, portanto, tem influência da cultura em que eles estavam inseridos. A não ser que você acredite que os autores da Bíblia escreveram-na de modo psicografado, não creio que alguém possa questionar que ela possui influências culturais. Conversando com um pastor que admite isso, perguntei como eles podem saber que conselho ou que prática recomendada é divina ou um traço cultural e perguntei, especificamente, sobre o homossexualismo. Foi-me respondido que a homossexualidade é um assunto que tem a mesma abordagem em todo o texto bíblico; então, tem-se um pensamento definitivo sobre o assunto. A questão é: não existe a possibilidade de um preconceito perpetuar por um tempo maior do que o contemplado pela Bíblia? Vários preconceitos só começaram a ser eliminados no século XX com o advento de movimentos ou da própria tecnologia, no sentido do entendimento de doenças por exemplo.

Por meio do filme Kinsey — Vamos falar de sexo, conheci o trabalho do Alfred Kinsey. Tenho enorme vontade de ler os dois principais livros dele sobre sexualidade: “Sexual Behavior in the Human Male” e “Sexual Behavior in the Human Female”. São obras extensas: cada uma excede oitocentas páginas. Kinsey fez uma classificação da sexualidade humana e divulgou estatísticas sobre relacionamentos homossexuais, que até então não eram conhecidas. Kinsey era bissexual. Ele procurou não divulgar isso para não interpretarem sua pesquisa de maneira errada, mas após sua morte, sua esposa contou sobre a opção sexual de seu esposo e muitos interpretaram-no como farsante. Não vejo nenhum problema nisso; inclusive, praticamente todos os pesquisadores do assunto tem sexualidade, digamos, não convencional. Quem faz a apologia cristã é o cristão e não o ateu! A filósofa Judith Butler tem questionado a divisão entre macho e fêmea, masculino e feminino. Ela lançou um livro intitulado “Problemas de Gênero” que ainda não li, mas que quero ler para entender melhor o assunto. Para ela, gênero é um ato, uma ação pública, a encenação de significações já estabelecidas socialmente. Como explicar, por exemplo, o caso da ex-prefeita de Cambridge Jenny Bailey que após cirurgia de redefinição de sexo, tornando-se mulher, escolheu ter como objeto de amor alguém do mesmo sexo, ou seja, outra mulher?

A teoria da psicanálise freudiana pode ser tida como uma teoria sobre a aquisição do gênero masculino ou do feminino. Freud já abordava o desenvolvimento da sexualidade. Robert Stoller, na década de 60, estudou crianças do sexo masculino que tinham identificação com o feminino. Quando brincavam, agiam como se fossem meninas, assumindo papéis femininos. Stoller tratava tais casos como patológicos. É fato que existem casos de não-coerência entre sexo anatômico e gênero. A sociedade exige que haja coerência entre anatomia, identidade de gênero, desejo e prática sexual.

Para os detratores de plantão do Evolucionismo, a bióloga, professora e pesquisadora, de Stanford, Joan Roughgarden[1] contesta a Teoria da Seleção Sexual de Darwin. Ela diz que “se uma teoria diz que algo está errado com tantas pessoas em tantas culturas e épocas diferentes, então, talvez, o erro esteja na teoria — e não nas pessoas”. Os exemplos clássicos do pavão e do cervo, este com relação à sua galhada e aquele com relação à ornamentação de sua cauda, são contrapostos pela jaçanã, cujas fêmeas são fortemente ornamentadas e cujos machos são insípidos e sem graça, invertendo a lógica portanto.

Muitos animais, inclusive, nem sequer são nitidamente classificados em dois sexos. Nos recifes de corais, cerca de um terço dos peixes produzem óvulos e esperma, alguns ao mesmo tempo e outros em épocas diferentes ao longo da vida. Eles são chamados, respectivamente, de hermafroditas simultâneos ou seqüenciais e diz-se que eles “trocam de sexo”. O mais comum entre organismos multicelulares, inclusive plantas, é um mesmo indivíduo produzir tanto gametas masculinos quanto femininos em algum momento da vida. Portanto, a classificação, sem ambigüidade, como macho ou fêmea não deveria ser norma.

O escritor Bruce Bagemihl[2] catalogou mais de 300 espécies de vertebrados nas quais o contato genital entre indivíduos do mesmo sexo ocorre regularmente. Em algumas dessas espécies, a homossexualidade não é muito comum — de 1% a 10% de todos os casais. Em outros casos, como no dos chimpanzés bonobos, o acasalamento homossexual ocorre com a mesma freqüência que o heterossexual. Com relação ao tempo da duração, algumas espécies têm uniões esporádicas e outras duradouras.

Não tenho dúvidas de que o homossexualismo é resultado da genética, embora saiba que o meio contribui, e muito, para o desenvolvimento de comportamentos que têm predisposições genéticas. Não entrarei nesse mérito; contudo, não entendo o motivo dos homossexuais levantarem a bandeira da homossexualidade congênita: e se ele escolher ser homossexual? E daí? Acredito que eles deveriam defender sua causa a partir de um contexto da liberdade[3].

Agora, irei expor o meu questionamento em si. Se é fato que as relações homossexuais são comuns na natureza, por que Deus reprovaria tal ato nos homens se o comportamento animal foi criado pelo próprio Deus? Conversando com um primo meu sobre essa minha argumentação, ele disse que Deus não teria motivo para estabelecer o mesmo padrão moral entre os homens e os animais; contudo, utilizar-me-ei de um texto do livro de Gênesis para mostrar que existe tão padrão moral:

“A todo aquele que derramar sangue, tanto homem como animal, pedirei contas; a cada um pedirei contas da vida do seu próximo” [ Gênesis 9.5 ]

Ora, talvez, possam argumentar que o “tanto homem como animal” refere-se ao ato do homem matar outro homem ou outro animal e não a um homem matar alguém ou um animal matar alguém. Ainda não sei Hebraico de modo satisfatório para analisar o texto original; no entanto, utilizarei outra passagem que esclarecerá que a minha interpretação faz sentido:

“Se um boi chifrar um homem ou uma mulher, causando-lhe morte, o boi terá que ser apedrejado até a morte, e a sua carne não poderá ser comida. Mas o dono do boi será absolvido”
[ Êxodo 21.28 ]

Acredito que a passagem acima mostra que o texto de Gênesis prova que Deus mantém um paralelo entre o comportamento moral dos animais e o dos homens — na verdade, o texto de Êxodo bastaria. Se Deus incutiu nos organismos o homossexualismo, por que os repreenderia por isso? Sei que o meu questionamento abre margem para a discussão acerca da existência de volição de fato em outros seres além da espécie humana; no entanto, a partir da perspectiva bíblica de que apenas nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, acredito que a nossa capacidade de julgamento e de raciocínio é o que nos diferencia dos outros seres e aproxima-nos de Deus. Partindo-se desse pressuposto, qual seria a explicação para abominar um determinado ato se ele é tão comum na natureza? Poder-se-ia argumentar que a nossa capacidade de raciocínio serve para, justamente, afastar-nos de tal natureza corrompida; no entanto, acredito que, no que se refere ao comportamento dos organismos, não seria muito lógico Deus ordenar seres inocentes agirem de um modo extremamente "repugnante", segundo os trechos que citei. Podem também argumentar que a lógica divina não é a mesma que a nossa, mas adentrar nesse tipo de caminho, para mim, é preguiça intelectual. Seria como dizer: "já que Deus é infinitamente superior a nós e somos incapazes de entendê-lo completamente, vamos deixar pra lá.". Citarei um versículo para exterminar esse tipo de pensamento:

"As coisas encobertas pertencem ao Senhor, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei"
[ Deuteronômio 29.29 ]

Sei que podem utilizar o versículo acima para contestarem minha visão sobre a Bíblia, na medida em que se diz que devemos seguir todas as "palavras desta lei", mas quero enfatizar neste versículo que as coisas reveladas incluem a própria criação. É importante, outrossim, frisar que Deus revela-se na natureza — os teólogos denominam tal tipo de revelação como Geral. Essa é uma verdade bíblica. Posso citar algumas passagens:

“Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos.”
[ Salmos 19.1]

“Pois desde a criação do mundo, os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis” [ Romanos 1.20]

O texto acima de Romanos é bem contundente: compreendemos Deus por meio das coisas criadas. Observar a natureza e compreendê-la é compreender o próprio Deus. Não estou divulgando nenhuma forma de panteísmo. Deus está acima de sua criação. Mais do que julgar o comportamento homossexual como correto ou não, devemos amar e respeitar o homossexual como a qualquer ser humano.


[1] Evolução do gênero e da sexualidade. Joan Roughgarden. Ed. Planta, 2004
[2] Biological exuberance: animal homossexuality and natural diversity, Bruce Bagemihl. St. Martin's Press, 2000
[3] Não Pode @ HOMOSSEXUAL Ser LIVRE?
http://www.xr.pro.br/ENSAIOS/Homossexualismo.HTML

2 comentários:

  1. Querido, um bom dia!

    Lí o texto (muito bem redigido por sinal), e diante de tudo que foi colocado, gostaria de saber o que você acha do canibalismo.

    É imoral, eu, como ser humano, praticar o canibalismo, visto ser uma prática comum na natureza?

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  2. Obrigado, primeiramente, pelo comentário, pela visita ao blog e pelo elogio no que se refere à minha escrita. Preferiria que você se identificasse, mas respeito sua opção — por isso, abro espaço para qualquer pessoa comentar no meu blog, inclusive anonimamente.

    Não sei em que medida você afirma que o canibalismo é comum na natureza; embora os dicionários registrem a acepção relacionada ao reino animal, o termo costuma ser relacionado ao ser humano apenas, dado que o canibal era o selvagem antropófago das Antilhas.

    Você tocou num ponto importante. Já estava pensando em escrever um texto sobre isso aqui. Em que medida, algo que é natural, no sentido de ocorrer freqüentemente na natureza ou no sentido de originalmente ser de um determinado modo, é correto?

    Logicamente, é falacioso relacionar a naturalidade de uma ação à sua moralidade; inclusive, o objetivo da Ética é justamente refletir sobre como as coisas devem ser e não sobre como são; contudo, o texto bíblico — escrevi o meu texto tendo por base o contexto da Bíblia —, em diversos textos, apela para o fato de que se algo é natural, então, devemos tê-lo por correto.

    Se o objetivo do cristão é ser diferente do mundo, não se conformando a ele, sendo sal e luz nele, qual seria o propósito de argumentar sobre a correção de uma ação a partir do naturalismo? Enfim, aguarde a minha postagem sobre o assunto; provavelmente, será intitulada de "A falácia do argumento naturalista". Não estou tendo muito tempo neste mês para escrever aqui, mas tentarei não postergar muito. Abraço!

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