Neste último fim de semana, assisti a um conjunto de palestras proferidas por Adauto Lourenço. Antes de fazê-lo, procurei sobre ele na internet e fiquei desconfiado, já que o currículo dele parecia ter algumas incongruências — ele, por exemplo, diz-se pesquisador da FAPESP, mas não tem currículo Lattes. Os principais órgãos de pesquisa no Brasil, CNPQ e afins, exigem-no. Eu mesmo, antes de candidatar-me a bolsista do CNPQ, tive de criar um currículo na plataforma Lattes. Na palestra, ele disse que costumam perguntar onde estudar o Criacionismo, mas ele disse que as universidades não ensinam isso; contudo, quando você entra no site da universidade pela qual ele se formou¹, além de a universidade ser cristã, o curso de Biologia apresenta o Design Inteligente e o Criacionismo entre as suas disciplinas. Sei que é falacioso julgar um argumento pelo seu pronunciador e por isso resolvi assistir às palestras e comprei o livro dele intitulado "Como tudo começou". Já presenciei outras palestras sobre o Criacionismo, e a fórmula mantida por eles tem sido a mesma, embora tenha de admitir que o Adauto foi o melhor que já ouvi falar sobre o assunto. Até conversei com ele pra testar o conhecimento dele em Física e pareceu-me que ele, de fato, sabe Física, exceto a parte mais contemporânea depois do desenvolvimento da Mecânica Quântica. Não li o livro dele todo ainda, mas comentarei a parte inicial, além de comentar algumas partes da palestra na medida em que me lembrar dos assuntos.
Já no prefácio, Adauto comete erros. Ele insiste em dizer que o tema "criação/evolução" remonta à Grécia antiga. Acredito que essa afirmação é incorreta. Não existia a Teoria da Evolução e, além do mais, quando ele fala do debate entre os temas, ele trata a evolução como a crença de que não houve um criador por trás da natureza, o que é claramente falso. Ele mesmo, na palestra, cita o Francis Collins — autor do livro A Linguagem de Deus, que li, mas do qual não gostei muito — que é evolucionista. Não acredito que uma pessoa inteligente como ele, que dirigiu o Projeto Genoma, acreditaria numa teoria que vai de encontro à sua fé. Ele diz, por exemplo, que Tales afirmou que tudo "evoluiu da água". Desafio que me mostrem onde está escrito isso, além do próprio livro dele e dos seus colegas. O fato de dizer-se "tudo é água" nada tem a ver com dizer que as coisas surgiram ou "evoluíram" da água. O Adauto colocou a seguinte citação de Kepler: "O mundo da natureza, o mundo do homem, o mundo de Deus: todos eles se encaixam". Para aqueles que conhecem a biografia de Kepler — para aqueles que não conhecem, recomendo a edição especial da Scientific American Gênios da Ciência —, sabe-se que a crença dele nesse encaixe era literal. Ele insistiu muito tempo na idéia de que os planetas ressoavam como "a música das esferas", revivendo a teoria pitagórica, e construiu um modelo do sistema solar baseado nos sólidos de Platão por causa de suas crenças religiosas. Não ponho em dúvida a importância do trabalho de Kepler para a Ciência, mas, embora tenha abandonado a idéia de que o círculo era a trajetória perfeita e divina, adotando as elipses, ele se manteve fiel à boa parte de suas crenças de modo até obsessivo. Outra crítica que faço ao Adauto é pelo fato de ele dizer que homens como Newton, Platão etc. acreditavam num Criador sem considerar o momento histórico em que eles viviam e a cultura que os cercava. O ateísmo começa a ser construído, pelo menos como o conhecemos atualmente, a partir do século XVIII.
Ele mesmo diz, em seu prefácio, que, embora utilize uma linguagem coloquial, manterá a consistência técnica do assunto. Digo isso porque, ao conversar com algumas pessoas, disseram-me que ele poderia ter errado por querer tornar o assunto acessível ao grande público. Ele também diz-se ex-evolucionista, mas duvido de tal assertiva. Sempre desconfio de pessoas que iniciam seu discurso dizendo-se ex-atéias etc. . Se ele foi evolucionista algum dia, deve ter sido quando criança, já que estudou numa universidade claramente criacionista.
O Adauto faz uma verdadeira confusão de definições. Ele diz que a "Evolução não é um processo natural, pois é tratado por inferência e não por observação direta". Li recentemente, numa das edições da Scientific American — não consegui encontrar a referência exata —, que pesquisadores constataram numa ilha que a Evolução não precisa de milhares de anos para ser observada, pois pássaros mudavam o formato do seu bico de acordo com ciclos de escassez. Se isso não é observação direta, então não sei o que pode ser. Se vocês procurarem, verão que a Teoria da Evolução hoje já tem ramos como a Medicina Evolutiva ou a Psicologia Evolutiva e que várias características inclusive não são entendidas sem a perspectiva evolucionista, como, por exemplo, a hérnia, soluços, cor de pele. Essa observação que eu citei excluiu igualmente a definição dele de Evolução, pois não são necessários longos períodos de tempo para mudanças características numa população. Ele conceitua e define vários termos, como já disse, de forma equivocada. O termo naturalismo, primeiramente, é definido como uma cosmovisão que exclui a ação criadora. Se vocês procurem sobre o naturalismo, verão que não é bem assim. Na verdade, do jeito que ele a define, seria apenas uma visão filosófica de mundo. Isso não é ciência! Ele define Evolução a partir dessa cosmovisão de mundo! Deus não é objeto de estudo da ciência por definição, já que ele é imaterial — desconsiderando-se outras visões de Deus como, por exemplo, a de Espinosa.
Ele fala dos fósseis de transição, usando, inclusive, uma citação de Darwin. É importante dizer que Darwin não conhecia a Genética de Mendel. A Teoria da Evolução hoje é uma junção de Darwin com Mendel. Mesmo que não houvesse os fósseis transicionais — na verdade, existem centenas² deles — não haveria necessidade deles existirem por causa de algo chamado mutação.
A forma como ele define "Criacionismo" de maneira alguma é contrária à Teoria da Evolução: "cosmovisão que propõe que a complexidade encontrada na natureza é resultante de um ato criador intencional". Ele insiste nessa idéia o tempo todo, mas já citei o caso do Collins, que contradiz isso. Uma idéia que todo criacionista adora sustentar é a do relojoeiro. Parece que eles nunca leram Hume. Faço duas críticas a esse raciocínio. A primeira é a de que ele parte do princípio da causalidade de que todo efeito parte de uma causa e que toda causa tem um efeito. Pode parecer uma asserção óbvia, mas não é. A Física Contemporânea inclusive dá alguns indícios da quebra desse princípio, especificamente no que se refere à medida do spin de partículas subatômicas em certos pares. A segunda crítica é que o fato de um raciocínio ser mais provável no que se refere ao senso comum, refiro-me especificamente ao exemplo que ele deu na palestra sobre o bolo encontrado em cima de uma mesa, não o torna correto! Pode ser improvável que o relógio encontrado no meio de uma floresta tenha surgido do nada ou por meio de processos naturais e espontâneos, mas não se pode descartar a possibilidade de que algo improvável continue sendo possível.
Outro erro que o Adauto comete é o de dizer que a Teoria da Evolução nunca chegará a ser uma Lei e que deve ser chamada no máximo de Hipótese. Darei alguns exemplos para que vocês vejam a tolice dessa afirmação. A mecânica clássica newtoniana é baseada nas três leis de Newton e a segunda lei descreve a lei da gravitação universal. A Teoria Eletromagnética de Maxwell incluiu a lei de Faraday, de Coulomb etc. ; a Termodinâmica é baseada em 4 leis básicas. A Teoria da Evolução, da mesma forma, é baseada na lei da seleção natural. Em outras palavras, as teorias são modelos físicos, matemáticos etc. que descrevem as leis da natureza. A Teoria da Relatividade Geral de Einstein foi comprovada com a observação do desvio gravitacional da luz por meio da observação de um eclipse, mas não se tornou lei por isso. Outra distinção importante é que não se prova teoria científica, mas se fazem comprovações. Ela, geralmente, faz previsões e é comprovada por meio destas; contudo, nada impede que fatos novos no futuro tragam a necessidade de uma nova teoria, que, no entanto, deve englobar todas as previsões feitas pela teoria anterior. Teoremas matemáticos que são demonstrados e provados, uma vez que sejam demonstrados, nunca poderão ser derrogados por nada.
No primeiro capítulo do livro, o Adauto diz que Anaximandro de Mileto afirma que tudo o que existe no universo seria proveniente dos quatro elementos: ar, fogo, terra e água e que estas substâncias seriam provenientes de um elemento chamado "apeiron". Quando li isso, não acreditei! Como alguém escreve um absurdo desses num livro? Foi Empédocles que acreditava que os quatro elementos formavam tudo; além do mais, Anaximandro se destaca, justamente, por sugerir um elemento abstrato imaterial como origem de tudo!
Ele diz também que não parte da religião e que por isso o Criacionismo é Ciência, mas, quando fui questioná-lo sobre o Big Bang, ele disse que a Bíblia diz que o Sol foi criado no quarto dia! A insistência da maioria dos criacionistas com relação à interpretação literal do Gênesis — conheço criacionistas que não assumem tal pressuposto de literalidade — pode ser comparada à insistência dos antigos de que as órbitas dos planetas tinham de ser circulares.
A única idéia que o Adauto tratou na palestra que achei interessante, mas que, imediatamente, percebi que era falha, foi a de que a curvatura do espaço-tempo poderia reduzir a distância que observamos das estrelas. Na imagem acima, a Terra está no meio de um tecido espaço-temporal, deformando-o. O Adauto diz que a distância considerada das estrelas é num espaço-tempo euclidiano, sem curvatura, e que, no entanto, estamos medindo uma distância maior por causa da curvatura que não é considerada. Faço dois questionamentos! Em primeiro lugar, interpretando-se o tecido espaço-temporal como uma colcha que se distorce, a luz viajaria em cima deste tecido e, por definição, não existiria universo entre o tecido e o espaço distorcido; logo, não se poderia falar que estamos vendo algo e medindo em linha reta. Essa interpretação, no entanto, considera um tecido bidimensional, mas sabemos que ele é quadridimensional. Se fizermos medições por meio de espectroscopia, medindo, portanto, o brilho das estrelas, não haveria diferença entre a distância percorrida pela luz e a distância real, já que esta seria curva propriamente dita. Acho que teria de fazer desenhos para que vocês entendam melhor. Se tiverem dúvidas, escrevam-me.
Ele também falou na possibilidade de que a luz tenha tido valores diferentes no decorrer do tempo e que a constância da luz é um postulado na Relatividade. Tudo bem: de fato, é um postulado, mas baseado em experiências minuciosas. Mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico, nunca se observou mudança na velocidade da luz e Einstein baseou-se nos experimentos de Michelson-Morley. Li, há algum tempo, uma matéria intitulada "constantes inconstantes", de John D. Barrow e de John K. Webb, que diz que, nos últimos seis anos, alguns físicos colocaram em dúvida a suposição de que as constantes físicas têm o mesmo valor em qualquer ponto do espaço e do tempo. Com base na comparação entre a observação de quasares e medidas de controle feitas em laboratório, argumentam que, num passado remoto, os elementos químicos absorviam luz de maneira diferente do que fazem hoje. Se confirmadas essas suposições, as leis físicas observadas não seriam universais e seria um sinal de que o espaço tem dimensões adicionais. Acredita-se que uma teoria da gravitação quântica explicaria o porquê de as constantes físicas terem os valores que têm, mas acho que estamos longe de tal teoria, embora muitos confiem na Teoria de Cordas ou na Teoria de Loops. Não sei o que restaria da Física se concluíssem que um dos pontos fundamentais de que a leis sempre foram e serão as mesmas for mudado, embora sempre tenha questionado como se pode construir todo um campo científico baseado nessa suposição. Acontece que o Adauto parte de uma especulação pra querer dizer que não vemos as estrelas do jeito que acreditamos que vemos.
Quanto aos métodos de datação, prefiro não comentá-los, pois não estudei todos os métodos com profundidade; contudo, tenho uma objeção! O Adauto diz que as datações radiométricas partem do pressuposto de que as quantidades de elementos na atmosfera sempre foram constantes. Não sei se isso é verdade; contudo, caso seja verdade, como explicar então a datação de pedras lunares? Acredito que os criacionistas fazem uso de dois pesos e de duas medidas no que se refere ao ceticismo: para algumas coisas, eles são extremamente céticos, mas extremamente dogmáticos para outras.
É triste ver como as pessoas que não conhecem a Ciência deixam-se enganar facilmente, aplaudindo de pé idéias tempestuosas que confirmem sua fé. Certa vez, ouvi um comentário de uma professora estudiosa da Filosofia da Religião no Departamento de Filosofia da UnB que questionava o apego dos protestantes à Escritura. Ela disse que o próprio Novo Testamento é uma tradução, já que Cristo pregava em Aramaico, e que vários livros tidos por apócrifos deveriam ser mais considerados por terem sido escritos na língua em que a mensagem foi revelada. Ela também fez uma observação que me fez pensar bastante. Ela disse que os católicos talvez sejam mais fervorosos no que se refere à fé do que os protestantes, já que eles não enfocam a hermenêutica bíblica, com seus preciosismos, mas a experiência pessoal.
Sei que criarei polêmica com o último parágrafo. Concordo em parte com a professora. Algo que sempre achei interessante no Protestantismo é justamente o fato de que as Escrituras podem ser interpretadas "livremente" — claro que esse "livremente" inclui várias premissas próprias da hermenêutica bíblica — por qualquer pessoa; também admiro o fato de determo-nos às Escrituras para não sermos incoerentes, como, por exemplo, os católicos são com os santos; contudo, é interessante ver as coisas por outra perspectiva. Grosso modo, as pessoas costumam acreditar num "Deus das lacunas" em que tudo que não é explicado ainda tem lugar pra Deus; assim, Deus vai ocupando um espaço cada vez menor na vida das pessoas na medida em que o mundo é explicado pela Ciência. O Adauto disse que, no dia em que mostrarem a ele que a Bíblia tem erros científicos, ele vai jogar tudo pro alto porque, se a Bíblia não tem credibilidade no verificável, não terá no que não se verifica. Acho que ele nunca deve ter lido a Bíblia com atenção ou então ficou inventando roubalheira pra cada coisa que lia em desacordo com a Ciência. Se a fé dele está limitada a um texto escrito, eu lamento: a minha fundamenta-se em Cristo.
¹http://www.bju.edu/Já no prefácio, Adauto comete erros. Ele insiste em dizer que o tema "criação/evolução" remonta à Grécia antiga. Acredito que essa afirmação é incorreta. Não existia a Teoria da Evolução e, além do mais, quando ele fala do debate entre os temas, ele trata a evolução como a crença de que não houve um criador por trás da natureza, o que é claramente falso. Ele mesmo, na palestra, cita o Francis Collins — autor do livro A Linguagem de Deus, que li, mas do qual não gostei muito — que é evolucionista. Não acredito que uma pessoa inteligente como ele, que dirigiu o Projeto Genoma, acreditaria numa teoria que vai de encontro à sua fé. Ele diz, por exemplo, que Tales afirmou que tudo "evoluiu da água". Desafio que me mostrem onde está escrito isso, além do próprio livro dele e dos seus colegas. O fato de dizer-se "tudo é água" nada tem a ver com dizer que as coisas surgiram ou "evoluíram" da água. O Adauto colocou a seguinte citação de Kepler: "O mundo da natureza, o mundo do homem, o mundo de Deus: todos eles se encaixam". Para aqueles que conhecem a biografia de Kepler — para aqueles que não conhecem, recomendo a edição especial da Scientific American Gênios da Ciência —, sabe-se que a crença dele nesse encaixe era literal. Ele insistiu muito tempo na idéia de que os planetas ressoavam como "a música das esferas", revivendo a teoria pitagórica, e construiu um modelo do sistema solar baseado nos sólidos de Platão por causa de suas crenças religiosas. Não ponho em dúvida a importância do trabalho de Kepler para a Ciência, mas, embora tenha abandonado a idéia de que o círculo era a trajetória perfeita e divina, adotando as elipses, ele se manteve fiel à boa parte de suas crenças de modo até obsessivo. Outra crítica que faço ao Adauto é pelo fato de ele dizer que homens como Newton, Platão etc. acreditavam num Criador sem considerar o momento histórico em que eles viviam e a cultura que os cercava. O ateísmo começa a ser construído, pelo menos como o conhecemos atualmente, a partir do século XVIII.
Ele mesmo diz, em seu prefácio, que, embora utilize uma linguagem coloquial, manterá a consistência técnica do assunto. Digo isso porque, ao conversar com algumas pessoas, disseram-me que ele poderia ter errado por querer tornar o assunto acessível ao grande público. Ele também diz-se ex-evolucionista, mas duvido de tal assertiva. Sempre desconfio de pessoas que iniciam seu discurso dizendo-se ex-atéias etc. . Se ele foi evolucionista algum dia, deve ter sido quando criança, já que estudou numa universidade claramente criacionista.
O Adauto faz uma verdadeira confusão de definições. Ele diz que a "Evolução não é um processo natural, pois é tratado por inferência e não por observação direta". Li recentemente, numa das edições da Scientific American — não consegui encontrar a referência exata —, que pesquisadores constataram numa ilha que a Evolução não precisa de milhares de anos para ser observada, pois pássaros mudavam o formato do seu bico de acordo com ciclos de escassez. Se isso não é observação direta, então não sei o que pode ser. Se vocês procurarem, verão que a Teoria da Evolução hoje já tem ramos como a Medicina Evolutiva ou a Psicologia Evolutiva e que várias características inclusive não são entendidas sem a perspectiva evolucionista, como, por exemplo, a hérnia, soluços, cor de pele. Essa observação que eu citei excluiu igualmente a definição dele de Evolução, pois não são necessários longos períodos de tempo para mudanças características numa população. Ele conceitua e define vários termos, como já disse, de forma equivocada. O termo naturalismo, primeiramente, é definido como uma cosmovisão que exclui a ação criadora. Se vocês procurem sobre o naturalismo, verão que não é bem assim. Na verdade, do jeito que ele a define, seria apenas uma visão filosófica de mundo. Isso não é ciência! Ele define Evolução a partir dessa cosmovisão de mundo! Deus não é objeto de estudo da ciência por definição, já que ele é imaterial — desconsiderando-se outras visões de Deus como, por exemplo, a de Espinosa.
Ele fala dos fósseis de transição, usando, inclusive, uma citação de Darwin. É importante dizer que Darwin não conhecia a Genética de Mendel. A Teoria da Evolução hoje é uma junção de Darwin com Mendel. Mesmo que não houvesse os fósseis transicionais — na verdade, existem centenas² deles — não haveria necessidade deles existirem por causa de algo chamado mutação.
A forma como ele define "Criacionismo" de maneira alguma é contrária à Teoria da Evolução: "cosmovisão que propõe que a complexidade encontrada na natureza é resultante de um ato criador intencional". Ele insiste nessa idéia o tempo todo, mas já citei o caso do Collins, que contradiz isso. Uma idéia que todo criacionista adora sustentar é a do relojoeiro. Parece que eles nunca leram Hume. Faço duas críticas a esse raciocínio. A primeira é a de que ele parte do princípio da causalidade de que todo efeito parte de uma causa e que toda causa tem um efeito. Pode parecer uma asserção óbvia, mas não é. A Física Contemporânea inclusive dá alguns indícios da quebra desse princípio, especificamente no que se refere à medida do spin de partículas subatômicas em certos pares. A segunda crítica é que o fato de um raciocínio ser mais provável no que se refere ao senso comum, refiro-me especificamente ao exemplo que ele deu na palestra sobre o bolo encontrado em cima de uma mesa, não o torna correto! Pode ser improvável que o relógio encontrado no meio de uma floresta tenha surgido do nada ou por meio de processos naturais e espontâneos, mas não se pode descartar a possibilidade de que algo improvável continue sendo possível.
Outro erro que o Adauto comete é o de dizer que a Teoria da Evolução nunca chegará a ser uma Lei e que deve ser chamada no máximo de Hipótese. Darei alguns exemplos para que vocês vejam a tolice dessa afirmação. A mecânica clássica newtoniana é baseada nas três leis de Newton e a segunda lei descreve a lei da gravitação universal. A Teoria Eletromagnética de Maxwell incluiu a lei de Faraday, de Coulomb etc. ; a Termodinâmica é baseada em 4 leis básicas. A Teoria da Evolução, da mesma forma, é baseada na lei da seleção natural. Em outras palavras, as teorias são modelos físicos, matemáticos etc. que descrevem as leis da natureza. A Teoria da Relatividade Geral de Einstein foi comprovada com a observação do desvio gravitacional da luz por meio da observação de um eclipse, mas não se tornou lei por isso. Outra distinção importante é que não se prova teoria científica, mas se fazem comprovações. Ela, geralmente, faz previsões e é comprovada por meio destas; contudo, nada impede que fatos novos no futuro tragam a necessidade de uma nova teoria, que, no entanto, deve englobar todas as previsões feitas pela teoria anterior. Teoremas matemáticos que são demonstrados e provados, uma vez que sejam demonstrados, nunca poderão ser derrogados por nada.
No primeiro capítulo do livro, o Adauto diz que Anaximandro de Mileto afirma que tudo o que existe no universo seria proveniente dos quatro elementos: ar, fogo, terra e água e que estas substâncias seriam provenientes de um elemento chamado "apeiron". Quando li isso, não acreditei! Como alguém escreve um absurdo desses num livro? Foi Empédocles que acreditava que os quatro elementos formavam tudo; além do mais, Anaximandro se destaca, justamente, por sugerir um elemento abstrato imaterial como origem de tudo!
Ele diz também que não parte da religião e que por isso o Criacionismo é Ciência, mas, quando fui questioná-lo sobre o Big Bang, ele disse que a Bíblia diz que o Sol foi criado no quarto dia! A insistência da maioria dos criacionistas com relação à interpretação literal do Gênesis — conheço criacionistas que não assumem tal pressuposto de literalidade — pode ser comparada à insistência dos antigos de que as órbitas dos planetas tinham de ser circulares.
A única idéia que o Adauto tratou na palestra que achei interessante, mas que, imediatamente, percebi que era falha, foi a de que a curvatura do espaço-tempo poderia reduzir a distância que observamos das estrelas. Na imagem acima, a Terra está no meio de um tecido espaço-temporal, deformando-o. O Adauto diz que a distância considerada das estrelas é num espaço-tempo euclidiano, sem curvatura, e que, no entanto, estamos medindo uma distância maior por causa da curvatura que não é considerada. Faço dois questionamentos! Em primeiro lugar, interpretando-se o tecido espaço-temporal como uma colcha que se distorce, a luz viajaria em cima deste tecido e, por definição, não existiria universo entre o tecido e o espaço distorcido; logo, não se poderia falar que estamos vendo algo e medindo em linha reta. Essa interpretação, no entanto, considera um tecido bidimensional, mas sabemos que ele é quadridimensional. Se fizermos medições por meio de espectroscopia, medindo, portanto, o brilho das estrelas, não haveria diferença entre a distância percorrida pela luz e a distância real, já que esta seria curva propriamente dita. Acho que teria de fazer desenhos para que vocês entendam melhor. Se tiverem dúvidas, escrevam-me.
Ele também falou na possibilidade de que a luz tenha tido valores diferentes no decorrer do tempo e que a constância da luz é um postulado na Relatividade. Tudo bem: de fato, é um postulado, mas baseado em experiências minuciosas. Mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico, nunca se observou mudança na velocidade da luz e Einstein baseou-se nos experimentos de Michelson-Morley. Li, há algum tempo, uma matéria intitulada "constantes inconstantes", de John D. Barrow e de John K. Webb, que diz que, nos últimos seis anos, alguns físicos colocaram em dúvida a suposição de que as constantes físicas têm o mesmo valor em qualquer ponto do espaço e do tempo. Com base na comparação entre a observação de quasares e medidas de controle feitas em laboratório, argumentam que, num passado remoto, os elementos químicos absorviam luz de maneira diferente do que fazem hoje. Se confirmadas essas suposições, as leis físicas observadas não seriam universais e seria um sinal de que o espaço tem dimensões adicionais. Acredita-se que uma teoria da gravitação quântica explicaria o porquê de as constantes físicas terem os valores que têm, mas acho que estamos longe de tal teoria, embora muitos confiem na Teoria de Cordas ou na Teoria de Loops. Não sei o que restaria da Física se concluíssem que um dos pontos fundamentais de que a leis sempre foram e serão as mesmas for mudado, embora sempre tenha questionado como se pode construir todo um campo científico baseado nessa suposição. Acontece que o Adauto parte de uma especulação pra querer dizer que não vemos as estrelas do jeito que acreditamos que vemos.
Quanto aos métodos de datação, prefiro não comentá-los, pois não estudei todos os métodos com profundidade; contudo, tenho uma objeção! O Adauto diz que as datações radiométricas partem do pressuposto de que as quantidades de elementos na atmosfera sempre foram constantes. Não sei se isso é verdade; contudo, caso seja verdade, como explicar então a datação de pedras lunares? Acredito que os criacionistas fazem uso de dois pesos e de duas medidas no que se refere ao ceticismo: para algumas coisas, eles são extremamente céticos, mas extremamente dogmáticos para outras.
É triste ver como as pessoas que não conhecem a Ciência deixam-se enganar facilmente, aplaudindo de pé idéias tempestuosas que confirmem sua fé. Certa vez, ouvi um comentário de uma professora estudiosa da Filosofia da Religião no Departamento de Filosofia da UnB que questionava o apego dos protestantes à Escritura. Ela disse que o próprio Novo Testamento é uma tradução, já que Cristo pregava em Aramaico, e que vários livros tidos por apócrifos deveriam ser mais considerados por terem sido escritos na língua em que a mensagem foi revelada. Ela também fez uma observação que me fez pensar bastante. Ela disse que os católicos talvez sejam mais fervorosos no que se refere à fé do que os protestantes, já que eles não enfocam a hermenêutica bíblica, com seus preciosismos, mas a experiência pessoal.
Sei que criarei polêmica com o último parágrafo. Concordo em parte com a professora. Algo que sempre achei interessante no Protestantismo é justamente o fato de que as Escrituras podem ser interpretadas "livremente" — claro que esse "livremente" inclui várias premissas próprias da hermenêutica bíblica — por qualquer pessoa; também admiro o fato de determo-nos às Escrituras para não sermos incoerentes, como, por exemplo, os católicos são com os santos; contudo, é interessante ver as coisas por outra perspectiva. Grosso modo, as pessoas costumam acreditar num "Deus das lacunas" em que tudo que não é explicado ainda tem lugar pra Deus; assim, Deus vai ocupando um espaço cada vez menor na vida das pessoas na medida em que o mundo é explicado pela Ciência. O Adauto disse que, no dia em que mostrarem a ele que a Bíblia tem erros científicos, ele vai jogar tudo pro alto porque, se a Bíblia não tem credibilidade no verificável, não terá no que não se verifica. Acho que ele nunca deve ter lido a Bíblia com atenção ou então ficou inventando roubalheira pra cada coisa que lia em desacordo com a Ciência. Se a fé dele está limitada a um texto escrito, eu lamento: a minha fundamenta-se em Cristo.
²http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_transitional_fossils
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