segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Uma futura gravidez seria muito arriscada (Tadeusz Pacholczyk, PH.D.)

Várias condições médicas podem afetar a capacidade de uma mulher suportar uma gravidez, por vezes, com ameaças à sua vida e da criança.

Algumas dessas condições incluem a hipertensão pulmonar, a síndrome de Marfan e certos problemas congênitos com a aorta. Quando um médico informa uma mulher que ela não pode engravidar no futuro sem sérias conseqüências para si e para o seu bebê, ter as trompas ligadas pode parecer ser a solução mais adequada. Alguns, além disso, argumentariam que, uma vez que a esterilização seria por “razões médicas”, tratar-se-ia de uma “esterilização indireta” e, portanto, aceitável moralmente.

No entanto, na verdade, uma ligadura nas trompas a fim de evitar uma gravidez futura não seria uma esterilização indireta em absoluto. Uma esterilização indireta é um procedimento que, no tratamento de um problema médico existente, provoca uma perda não intencional da fertilidade no processo. Por exemplo, quando um paciente tem câncer, recebe radiação e quimioterapia, um efeito secundário e não intencional pode ser a esterilidade. Ou quando um homem está lutando contra um câncer testicular, ele pode ser submetido a uma remoção cirúrgica dos testículos a fim de combater a doença, com a conseqüência indesejada de que ele se tornará estéril. Esterilizações indiretas são moralmente permitidas sempre que exista uma séria patologia envolvida e quando os efeitos contraceptivos são involuntários.

Quando uma mulher que sofre de hipertensão pulmonar escolhe ligar suas trompas, entretanto, a laqueadura não se dirige à hipertensão ou à sua cura; ela está, portanto, optando por uma esterilização direta. Quando um homem escolhe uma vasectomia porque está preocupado com a transmissão de um gene defeituoso à sua prole, ele está, da mesma forma, optando por uma esterilização direta. Uma esterilização direta é moralmente inaceitável porque ela envolve a decisão de mutilar diretamente um sistema saudável do corpo, que está funcionando bem e normalmente, por conta de uma finalidade contraceptiva. Tais violações são lugares-comuns nos dias de hoje. Nos Estados Unidos, estima-se que 700.000 mulheres submetem-se a ligações cirúrgicas das trompas a cada ano e cerca de 600.000 homens submetem-se a vasectomias cirúrgicas.

As vasectomias e as laqueaduras não tratam qualquer doença ou patologia realmente existente. Quando uma mulher liga as suas trompas a fim de tornar qualquer ato sexual futuro infértil, ela está escolhendo mutilar uma faculdade fundamental do seu próprio corpo porque ela e/ou o seu esposo não desejam praticar a abstinência periódica para evitar uma gravidez potencialmente perigosa. Uma ligação de trompas sob estas circunstâncias não seria, de fato, por razões médicas, mas, em vez disso, por razões de conveniência marital. Temos o dever de respeitar a integridade e a totalidade dos nossos corpos e cortar trompas de Falópio saudáveis no corpo de uma mulher nunca é uma decisão médica moralmente defensável.

Um dos erros fundamentais no pensamento que está por trás da decisão pela esterilização cirúrgica é a crença de que não se deveria realmente esperar do homem e da mulher que eles tenham controle e domínio das suas energias e impulsos sexuais. Assim, muitos, hoje, parecem ter renunciado ao projeto da busca do domínio próprio no campo da sexualidade. Enquanto é claro que não se pode sobreviver sem comida ou água, é falso supor, como nossa cultura parece presumir, que não se pode sobreviver sem a gratificação sexual. O sexo não é necessário para a sobrevivência individual, nem indispensável para uma vida pessoal saudável e completa. Para alguém solteiro, de fato, uma vida pessoal saudável e completa dependerá do ordenamento adequado das faculdades sexuais por meio da autodisciplina da abstinência e por meio de um concomitante crescimento em virtudes. Isto é válido no casamento também, em que o relacionamento conjugal deve crescer e amadurecer. O casal pode ter de praticar tal disciplina em condições de recrutamento militar, de ausências concernentes ao trabalho e por conta de doenças crônicas ou agudas.

Sempre que possa haver razões legítimas para evitar-se uma gravidez, como no caso de uma séria ameaça à vida da mãe ou da criança, os casais serão chamados a uma prática similar de autodisciplina, recorrendo apenas àqueles meios de evitar a gravidez que respeitem genuinamente o dom da sua sexualidade e as suas respectivas masculinidade e feminilidade. Em termos práticos, isso implicará a escolha por uma abstinência periódica durante os períodos férteis conhecidos do ciclo da mulher como meio de evitar uma gravidez. Poucas décadas atrás, as técnicas de “planejamento familiar natural” tornaram-se bastante sofisticadas e precisas na sua capacidade de determinar quando uma mulher está fértil. Os casais podem usar essa informação para limitar as relações sexuais aos períodos inférteis, praticando a abstinência durante os períodos férteis, quando há sérias razões que justifiquem isto. Respeitar a sexualidade conjugal dessa forma e recusar-se a comprometer nossas faculdades sexuais por meio de vasectomias ou de ligaduras de trompas promovem virtudes pessoais importantes no casamento e respeitam devidamente os desígnios divinos e de doação da vida dos nossos corpos.




domingo, 25 de setembro de 2016

A interpretação católica da Bíblia: desfazendo os mitos (Dave Armstrong)


Contrariamente à alegação de alguns, os católicos realmente têm uma ampla liberdade para ler e interpretar a Bíblia (contanto, obviamente, que eles a leiam com a intenção de dar suporte às doutrinas da Igreja). 

Estamos, também, livres para ler diferentes versões das Sagradas Escrituras, embora, normalmente, dê-se maior prioridade às versões católicas. A minha própria tradução favorita é a "Revised Standard Version" (RSV), que foi aprovada em uma edição católica com apenas alguns esclarecimentos.

O Venerável Papa Pio XII, na sua encíclica papal de 1943, "Divino Afflante Spiritu", escreveu:

"Antes, o decreto Tridentino nem sequer proíbe que, para uso e proveito dos fiéis e para facilitar a inteligência da divina palavra, se façam traduções em línguas vulgares, e precisamente dos textos originais [...]. Bem preparado com o conhecimento das línguas antigas e com os recursos da crítica, aplique-se o exegeta católico àquele que é o principal de todos os seus deveres: indagar e expor o sentido genuíno dos Livros Sagrados. Neste trabalho tenham os intérpretes bem presente que o seu maior cuidado deve ser distinguir claramente e precisar qual seja o sentido literal das palavras bíblicas.". (final da parte 2 e início da 3).

A Constituição sobre a Revelação Divina do Segundo Concílio Vaticano ("Dei Verbum") concordou:

"É preciso que os fiéis tenham acesso patente à Sagrada Escritura. [...] visto que a palavra de Deus deve estar sempre acessível a todos, a Igreja procura com solicitude maternal que se façam traduções aptas e fiéis nas várias línguas, sobretudo a partir dos textos originais dos livros sagrados. Se porém [...] essas traduções se fizerem em colaboração com os irmãos separados, poderão ser usadas por todos os cristãos.". (capítulo 6, seção 22)

A "New American Bible" (a minha cópia tem o Novo Testamento revisado de 1986: Nelson, 1987) contém um artigo preliminar, "O propósito da Bíblia" (p. xii):

"Quando Pio XII emitiu a sua encíclica 'Divino Afflante Spiritu', em 1943, a porta foi aberta para novas traduções católicas que não dependiam da Vulgata Latina de São Jerônimo. Devido ao grande crescimento do conhecimento das línguas bíblicas antigas, traduções oficiais diretamente delas foram encorajadas [...]. A 'Revised Standard Version' é a menos interpretativa de todas [...]. A Bíblia de Jerusalém e a 'New English Bible' esforçam-se por uma linguagem ainda mais contemporânea [...]. A 'New American Bible' [...] é a primeira tradução católica americana que foi baseada nas línguas originais, ou na forma mais antiga do texto, em vez da Vulgata.".

Os católicos não são obrigados a interpretar cada versículo da Bíblia de acordo com alguma proclamação dogmática da Igreja. Este é outro mito comum que muitas vezes escutamos de nossos estimados amigos protestantes (e muitos católicos, também, não conhecem nada diferente disso). De fato, o católico fiel ortodoxo deve interpretar o que ele depreende das Escrituras em concordância com a Igreja e com a Tradição. Esta, entretanto, é uma noção radical e controversa?

De fato, os protestantes crêem, em grande medida, no mesmo. Cada protestante age da mesma maneira no que diz respeito à sua própria tradição denominacional. Nenhum calvinista de cinco pontos pode afirmar --- contra a sua própria tradição --- que um versículo da Bíblia prova a apostasia ou a queda ou o desejo de Deus pela salvação universal em detrimento da expiação limitada (embora, na verdade, existam muitas dessas passagens). Ele não pode negar a depravação total por meio do uso de qualquer texto ou a graça irresistível. Isto não está permitido. A tradição calvinista (reformada/presbiteriana) dita que essas doutrinas, e apenas elas, podem ser encontradas nas Escrituras.

Desse modo, com efeito, exige-se uma certa interpretação dos versículos da Bíblia que tenha sido historicamente usada para apoiar os ensinamentos calvinistas. Ironicamente, este é um dos ataques que os protestantes freqüentemente usam para acusar os seus irmãos católicos: é-lhes dito pela Igreja "como pensar" sobre a interpretação bíblica.

Praticamente todos os cristãos têm restrições ortodoxas e dogmáticas a que obedecem. O exegeta católico é limitado em muito pouco e tem praticamente tanta liberdade de investigação quanto um protestante. O artigo da "Catholic Encyclopedia" de 1913 sobre a "Exegese Bíblia" afirma:

"O comentador católico está obrigado a aderir à interpretação dos textos que a Igreja definiu de forma expressa ou implicitamente. O número destes textos é pequeno, de forma que o comentador pode, facilmente, evitar qualquer transgressão desse princípio.".

Aos católicos, é permitido traduzir do grego, de acordo com o conhecimento arqueológico e textual mais recente, fazer uso de diferentes traduções e até mesmo cooperar com projetos de tradução ecumênicos, como aquele do RSV ou da NEB. E você e eu estamos autorizados a interpretar livremente praticamente qualquer texto por conta própria, desde que não o façamos contra um dogma da Igreja (eu não poderia, por exemplo, alegar que João 1.1 não ensina a divindade de Jesus ou que Ele não seja o Filho de Deus).

Apenas poucos versículos bíblicos foram definidos de forma estrita pela Igreja e, mesmo assim, apenas em aplicações específicas (na maior parte, em um sentido negativo: i.e., a passagem não pode significar X no tocante à doutrina Y). Tais passagens incluem Mateus 18.18 (absolvição e perdão dos pecados pelos padres), Lucas 22.19 (Eucaristia), João 3.5 (Batismo), João 20.22-23 (absolvição e perdão dos pecados pelos padres), Romanos 5.12 (pecado original), 1 Coríntios 11.24 (Eucaristia), Tiago 6.14 (a instituição do Sacramento da Unção dos Enfermos).

Além disso, em várias casos, mas não em todos, a categoria de tais passagens diz respeito a Mateus 16.16 e a João 1.42, no tocante a São Pedro ser o líder da Igreja.

Infelizmente, muitas pessoas erroneamente afirmam que pelo fato de os católicos estarem obrigados a acreditar nos ensinamentos da sua Igreja eles "devem", portanto, ser não racionais e como leitores "robóticos" que não podem, simplesmente, ler a Bíblia pelo que ela é e pensar por si mesmos (um estereótipo equivocado conhecido como "sola ecclesia": "a Igreja somente"). Isto pode ser descartado como sendo um exemplo da falácia da falsa dicotomia.

Nenhum católico é obrigado a seguir "cegamente" a uma autoridade. A nós é permitido pensar e exercitar a razão como qualquer outro cristão e devemos ser resistentes e refutar essas caricaturas cartunistas da Igreja.



Rezar o Rosário é "vã repetição"? (Dave Armstrong)


Um novo converso católico que estava digladiando-se com alguns pontos da fé perguntou-me sobre o Rosário anos atrás:

"Maria é citada, na maior parte das vezes, na sua totalidade. Acho difícil meditar sobre Cristo quando Maria é tão predominante. Por que Maria preenche a oração de maneira tão excessiva?".

Em primeiro lugar, é preciso compreender a natureza do Rosário e o propósito da repetição. A maior parte das palavras da "Ave Maria" é, dever-se-ia notar, diretamente extraída da Bíblia. Seria incorreto dizer que, pelo fato de a palavra "Maria" ser repetida mais que qualquer outra no Rosário, portanto, ela é considerada mais importante que Jesus, que é o ponto de enfoque na meditação do Rosário.

A intenção das repetições na oração "Ave Maria" é formar uma espécie de "música de fundo", por assim dizer, para as meditações sobre (principalmente) a vida de Jesus.

Isso me lembra um pouco de uma analogia proveniente do meu passado como trombonista na banda e orquestra no meu ensino médio. Todo ano, nas formaturas, tínhamos de tocar (para o meu desgosto) o famoso "Pomp and Circumstance", do Edward Elgar. Agora, o propósito da cerimônia de abertura era que escutássemos o "Pomp and Circumstance" 71 vezes? Não. Claro que não. O propósito era o de honrar os formandos pela sua realização em obter um diploma de ensino médio. A música era o pano de fundo, assim como a trilha sonora de um filme.

Não é uma analogia perfeita (poucas o são), mas as "Ave Maria" no Rosário são, pelo menos em parte, uma espécie de pano de fundo rítmico para as meditações. É uma maneira (um tanto engenhosa, quando completamente compreendida) de avançar-se na oração e de evitar-se a distração, algo com que todos estamos muito familiarizados quando tentamos orar.

Alguns dizem que é difícil meditar sobre Cristo enquanto se repetem as "Ave Maria". Isto se dá, arriscar-me-ia a conjecturar, provavelmente, principalmente em função de uma falta de familiaridade com o Rosário. É muito diferente de grande parte da piedade protestante, uma vez que coisas como a penitência, o Purgatório e a intercessão pelos mortos ou pedir aos Santos para rezarem por nós são bastante estranhas, à primeira vista, para uma típica mente protestante. É uma "arte a ser aprendida" em grande medida. Esta experiência é comum a muitos conversos.

Encontramos na Bíblia um tipo semelhante de repetições na forma desse canto de fundo. Tomem, por exemplo, o Salmo 136, no qual a mesma frase "o seu amor dura para sempre" (RSV) é repetida por 26 versículos! Os "Ave Maria" do Rosário são algo semelhante a isso. Eles não são, entretanto, "vãs repetições" (Mt. 6.7 na KJV; cf. "não useis de vãs repetições" na RSV; também, Eclesiástico 7.15: "não multipliques as palavras em tua oração".)

Protestantes que argumentam que todas as orações formais que repetem frases são "vazias" ou "vãs" ignoram completamente a interpretação mais profunda dessa narrativa bíblica no seu contexto. Jesus está recomendando e exortando os Seus ouvintes a uma genuína e humilde piedade de coração em oposição a uma vazia e superficial piedade meramente externa que visa a ser vista por homens de um modo espiritualmente orgulhoso.

Esse tema da piedade autêntica versus a fingida é predominante no Sermão da Montanha (veja Mt. 6.1-6, 16; cf. 7.20-23; 15.9). A mesma idéia geral é também observada em Marcos (12.38-40) e Lucas (20.46-47). Não é que todas as orações extensas estão condenadas, mais que orações repetitivas estão-no, mas que orações feitas com um espírito fingido e orgulhoso (para mostrar-se aos homens, fazendo os outros pensarem que você é alguém "superpiedoso") estão condenadas.

Em Mateus 6.7, também, Jesus qualifica o que Ele está opondo à oração com a expressão "como fazem os pagãos". Ele não está falando sobre a tradição hebréia da oração (que de maneira bastante óbvia inclui muita repetição, como a dos Salmos ou dos cânticos e orações sacerdotais). Tampouco, Ele está falando dos (Seu alvo freqüente) fariseus, mas sim dos "pagãos" ou dos "gentios" (de acordo com várias traduções) romanos e gregos, pessoas que seguiam uma religião diferente e, em última análise, falsa. Esse elemento e aspecto da piedade interior indicam que a passagem é muito mais do que meramente uma discussão sobre a repetição no sentido de ordenar que devemos apenas abandonar toda repetição, como se Deus condenasse isto.

O próprio Jesus fez uso de repetições ao orar: "Então, deixou-os novamente e orou pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras" (Mt. 26.44; cf. Mc. 14.39). A adoração no Céu é extremamente repetitiva:

Apocalipse 4.8: "... dia e noite repetem sem cessar: 'Santo, santo, santo é o Senhor Deus todo-poderoso, que era, que é e que há de vir".

Deveríamos recordar-nos de todas essas coisas na próxima vez em que escutarmos que orações formais ou repetitivas são, em si mesmas, condenadas como "vãs repetições" ou como ímpias.
Por último, alguns alegam que o Rosário é mais centrado em Maria do que em Jesus Cristo, ele, entretanto, é uma meditação sobre a vida de Cristo. Dos 20 mistérios, apenas dois são, principalmente, sobre Maria (sua Assunção e Coroação).

O Credo Apostólico meramente menciona o Nascimento Virginal (que diz mais a respeito sobre Cristo do que sobre Maria). O "Pai Nosso" [ou Oração do Senhor], o "Glória" e a "Oração de Fátima" nunca mencionam Maria. Três quartos do "Ave Maria" são explicitamente bíblicos (citação direta):

"Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco" [Lucas 1.28, dito pelo anjo Gabriel]. Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus [Lucas 1.42, dito por Isabel, mãe de João Batista]'.

"Cheia de graça" é a tradução possível para o termo grego "kecharitomene".

O "Salve Rainha" é dirigido a Maria (que ora por nós a Deus), mas mesmo ele termina (i.e. , na oração usual feita no Rosário) em tom cristocêntrico:

"Deus, cujo filho Unigênito, por Sua vida, morte e ressurreição, nos obteve o prêmio da salvação eterna, concedei-nos, nós Vó-lo pedimos que, meditando estes mistérios do Sacratíssimo Rosário da Bem-aventurada Virgem Maria, imitemos o que contêm, e consigamos o que prometem. Pelo mesmo Cristo Senhor Nosso. Amém.".

O Rosário, então, é completamente cristocêntrico, bem como todas as devoções e doutrinas marianas quando compreendidas de maneira correta.".

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original:

domingo, 18 de setembro de 2016

Igreja Católica: superior à Bíblia? ou A Igreja Católica reivindica estar "acima" da Bíblia e ser a sua "criadora"? (Dave Armstrong)


A Igreja Católica, asseguradamente, não reivindica tal coisa, mas apenas que uma Tradição cristã autoritativa e uma Igreja institucional foram necessárias para o estabelecimento e proclamação de um cânon da Escritura. 

Em muitos lugares, tanto de forma direta quanto indiretamente, a Sagrada Escritura ensina que é inspirada e infalível. O que ela não nos fornece, entretanto, é o seu próprio cânon (lista de livros). Posto de forma simples: a Escritura é aquilo que ela é. 1 Timóteo 3.16 e outras passagens claramente ensinam essa inspiração. A Igreja Católica, meramente, reconhece o que já é (pela sua própria natureza) Escritura ou revelação inspirada por Deus, mas tal reconhecimento não produz isso. 

Por vezes, alega-se que isso era algo "novo" no Vaticano II. O Concílio, entretanto, ecoou um proferimento anterior do Vaticano I, que, por sua vez, não estava tão longe de expressões similares no Concílio de Trento (1545-1563).

A exata relação entre a Escritura, a Igreja e a Tradição no pensamento católico é comumente mal compreendida; ela é, por vezes, referida como sendo o "tripé" da autoridade católica. Nós cremos, por fé, que as três não entram e não entrarão em conflito. Elas são vistas como sendo peças de um todo. A Bíblia é central e primária no Catolicismo também, mas não é exclusivamente autoritativa. Ela não está isolada, e nem mesmo poderia estar logicamente, porque a Bíblia, por si mesma, aponta para a Tradição e para a Igreja como autoritativas (veja, por exemplo, o Concílio de Jerusalém em Atos 15); ela nunca ensina que a Bíblia sozinha é a única autoridade final do cristão. 

Por quê, então, algumas pessoas perguntam, os católicos, muitas vezes, agem como se não existisse Bíblia alguma sem a Igreja Católica? Elas alegam que isso implica que nós, católicos, pensamos que a nossa Igreja está acima da Bíblia e que lhe é superior. A posição protestante (dizem-nos eles então) faz mais sentido porque ela coloca igrejas e tradições abaixo da Escritura. Isto parece óbvio porque a Bíblia é inspirada e infalível e homens e tradições (que compõem as igrejas) são falíveis e bastante propensos ao erro. Assim, como poderia ser diferente? 

Não se segue, de forma alguma, entretanto, que os católicos estejam colocando a Igreja acima da Escritura ao, simplesmente, ressaltarem que uma autoridade humana era necessária para que se determinasse o cânon. Podemos fazer uma analogia ou comparação para explicarmos isto melhor. 

Todos concordam que a Bíblia deve ser interpretada apropriadamente. O protestantes, para o seu crédito, dão grande ênfase ao aprendizado e estudo da Bíblia de maneira sábia e inteligente (as ciências da exegese e da hermenêutica). Apenas porque esse aprendizado e estudo são necessários para que se leia a Bíblia corretamente a fim de que se atinja a verdade na teologia não significa que, portanto, a Bíblia não contivesse a verdade ou que as interpretações humanas estejam "acima" da inspiração bíblica "inspirada por Deus". 

Da mesma forma, foi necessário aos homens que concílios da Igreja decidissem-se sobre quais seriam os livros específicos que estariam inclusos no cânon bíblico. Isto não implica nem que esses concílios (a Igreja sozinha) estivessem "acima" da Escritura e muito menos que uma comunidade cristã que declarasse autoritativamente em seu credo que Jesus é Deus feito carne torná-los-ia com isto "maiores" do que Ele é ou superiores. 

A proclamação de uma realidade existente não tem nada a ver com uma suposta "superioridade" de categoria. Tanto a Bíblia como a verdade teológica permanecem sendo o que são em todos os momentos.  Deus, no entanto, está apto (e, de fato, age assim) a proteger os seres humanos do erro na medida em que fazem reivindicações permanentes sobre o cânon bíblico. Os católicos crêem que Deus (o Espírito Santo, conforme João 14-16) quis proteger a Igreja Católica do erro e que Ele é certamente capaz de fazer isto porque ele pode fazer qualquer coisa. 

Para concluir, aqui estão os documentos magisteriais católicos que estão relacionados com a questão:

Primeiro Concílio Vaticano (1870)
Estes livros a Igreja assegura como sendo sagrados e canônicos, não porque, tendo sido cuidadosamente compostos por empreendimentos humanos, tenham sido posteriormente aprovados pela sua autoridade, nem porque eles contenham revelação sem qualquer mistura de erro, mas porque, tendo sido escritos sob inspiração do Espírito Santo, eles têm Deus por seu autor e foram entregues como tais à mesma Igreja.  
(Constituição Dogmática Sobre a Fé Católica, capítulo II; ênfases acrescidas)

Segundo Concílio Vaticano (1962-1965) 
As coisas reveladas por Deus, contidas e manifestadas na Sagrada Escritura, foram escritas por inspiração do Espírito Santo. Com efeito, a santa mãe Igreja, segundo a fé apostólica, considera como santos e canônicos os livros inteiros do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes, porque, escritos por inspiração do Espírito Santo (cfr. Jo. 20,31; 2 Tim. 3,16; 2 Ped. 1, 19-21; 3, 15-16), têm Deus por autor, e como tais foram confiados à própria Igreja.
(Constituição Dogmática Sobre a Revelação Divina [Dei Verbum], Capítulo III, 11; ênfases adicionadas).

[Tradução de Fábio Salgado de Carvalho; original:

Você escutou alguém dizendo que católicos adoram estátuas? (Patrick Madrid)

A seguinte explicação é um excerto do meu livro “Does the Bible really say that? Discovering catholic teaching in Scripture” (A Bíblia realmente diz isso? Descobrindo o ensinamento católico na Escritura):

As repreensões contra a idolatria aparecem em toda a Escritura (e.g. , Números 33:52; Deuteronômio 7:5,25; 9:12; 12:3; 2 Reis 17:9-18, 23:24; 2 Crônicas 23:17, 28:1-3, 22:18-25,34:1-7). Em 1 Coríntios 10:14, São Paulo escreve: “bem-amados, deveis fugir da idolatria” (Romanos 1:18-23).

Deus condena o pecado da idolatria, seja na forma de adoração de estátuas, ou de bolsa de valores, de sexo, de poder, ou de um novo carro, qualquer coisa que seja como um ídolo. Entretanto, Ele não proíbe imagens religiosas contanto que sejam usadas apropriadamente. Por exemplo, em Êxodo capítulo 25, Deus ordena a Moisés que esculpa estátuas de anjos.

“Iaweh falou a Moisés, dizendo... farás dois querubins de ouro, de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório; faze-me um dos querubins numa extremidade e o outro na outra: farás os querubins formando um só corpo com o propiciatório, nas duas extremidades. Os querubins terão as asas estendidas para cima e protegerão o propiciatório com suas asas, um voltado para o outro. As faces dos querubins estarão voltadas para o propiciatório... Ali virei a ti, e, de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do Testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar para os israelitas.” (Êxodo 25:1, 18-20, 22; cf. 26:1).

Isso mostra, claramente, que existem circunstâncias nas quais imagens religiosas não são meramente permitidas, mas, realmente, agradam a Deus. Outro exemplo é o incidente bastante engraçado descrito em 1 Samuel 6:1-18. Em Êxodo 28:31-34, o Senhor ordenou que as vestimentas sacerdotais de Arão fossem adornadas com imagens de romãs. Em Números 21:8-9, Ele ordenou a Moisés que confeccionasse uma imagem de escultura de uma cobra que iria, miraculosamente, curar mordidas de cobras venenosas (um misterioso prenúncio da cruz de Cristo [cf. João 3.14; 8:28]). E em 2 Reis 18:4, quando o povo começou a adorar a serpente de bronze, o rei imediatamente a destruiu. O que, outrora, foi uma legítima imagem sagrada tinha se tornado um objeto de idolatria. (Uma narrativa de advertência para qualquer um tentado pela superstição ou pela idolatria).

E note o que Deus disse a Salomão no que concerne à construção do Templo: “Quanto a esta casa que estás construindo, se procederes segundo os meus estatutos, se observares as minhas normas e seguires fielmente os meus mandamentos, eu cumprirei em teu favor a minha palavra, que dei a teu pai Davi, e habitarei no meio dos israelitas e não abandonarei meu povo, Israel. Salomão edificou o Templo e o concluiu.” (1 Reis 6:12-14).

Essa declaração é importante porque o Templo continha um vasto número de estátuas e de imagens, incluindo de anjos, de árvores, de flores, de bois e de leões (cf. 1 Reis 6:23-35, 7:25,36). A decisão de Salomão de incluir essas imagens religiosas veio do presente de sabedoria com que Deus abençoou-o (cf. 1 Reis 3:1-28). E longe de estar descontente com essas imagens,“Iaweh lhe disse: ‘Ouvi a oração e a súplica que me dirigiste. Consagrei esta casa que construíste, nela colocando meu Nome para sempre; meus olhos e meu coração aí estarão para sempre.” (1 Reis 9:3).

Obviamente, Deus não iria abençoar a Salomão e “consagrado” seu templo cheio dessas estátuas e imagens se Ele não as aprovasse — mais uma prova de que as imagens podem ser boas quando usadas para pôr em ordem as nossas mentes em direção a Deus e às realidades celestiais.

Lembre-se, também, de que São Paulo chamou Cristo de “a imagem expressa” do Deus invisível (Colossenses 1.15). A palavra grega aqui para “imagem” é eikonos, da qual deriva a palavra "ícone”.

Assim como guardamos fotos de nossos familiares e amigos para lembrarmo-nos deles, nós também guardamos estátuas e imagens nas nossas casas e igrejas para lembrarmo-nos do Nosso Senhor, de Nossa Senhora e dos Santos.

[Tradução de Fábio Salgado de Carvalho; original: http://patrickmadrid.com/did-you-hear-the-one-about-catholics-worshiping-statues/]