Participei de um concurso literário promovido pela excelente revista piauí — com letra minúscula para diferenciá-la do Estado — no qual o desafio era escrever um conto baseado na ilustração de Al Parker acima. Conheci a revista piauí em sua segunda edição — hoje, ela está na sua trigésima quarta edição — no programa do Jô. Um dos redatores, João Moreira Salles, falou sobre a revista e achei-a interessante. Não me decepcionei e sou assinante hoje em dia. Gosto muito do projeto da revista, inclusive o estético. O prêmio seria a publicação do conto na edição especial da revista que seria distribuída gratuitamente entre os dias 1 a 5 de julho na Flip — Festa Literária Internacional de Paraty —, evento badalado com direito a participação de nomes famosos da literatura brasileira e internacional, como, por exemplo, Chico Buarque, Cristovão Tezza — quero muito ler o elogiadíssimo e premiado "O Filho Eterno" —, Catherine Millet, Gay Talese, Richard Dawkins, Zuenir Ventura etc. . O vencedor seria avisado por e-mail. Como não recebi nada, supus que não tinha ganhado o concurso, mas ainda tinha esperanças, já que acreditava que meu conto tinha nível suficiente para ganhar; no entanto, hoje, li o texto do vencedor, que colocarei aqui, no site da revista*. Admito que sou arrogante, até por ideologia por causa das minhas leituras de Nietzsche, mas sei reconhecer quando um texto ou qualquer coisa é melhor do que algo que eu produzo. O conto do João Gabriel da Silva Ascenso é muito bom, mas acredito que o meu seja melhor. Os responsáveis pela escolha do texto admitem que não sabem o porquê de sua escolha e a introdução escrita para anunciar o vencedor foi escrita antes da escolha deste, por questões de prazo. Não quero duvidar da capacidade de julgamento da revista, mas, talvez não tenham tido tempo de ler os textos candidatos com atenção.
Eu tenho mania de tentar justificar racionalmente os meus fracassos. É bem provável que o texto escolhido seja melhor do que o meu e pronto. O único conto do qual me lembro de ter escrito é do ano de 2005. Sou muito hábil em escrever textos dissertativos, mas sou iniciante nas outras modalidades. Mesmo na poesia, escrevi muito pouco. Estou tentando voltar a treinar minha escrita literária neste ano. Já tenho muita coisa em mente. Fui pesquisar sobre o tal João Gabriel e descobri seu blog, seu currículo Lattes, entre outras coisas. Ele é estudante de História e já fez iniciação científica em Literatura e História na UFRJ. Fiquei pensando... Bem, ele cursa Humanas, e eu, Exatas. Ele já trabalhou com pesquisa em Literatura, eu fiz pesquisa em Números Hipercomplexos e Teoria da Computação. O problema é que sei que esses títulos acadêmicos representam nada. Alguém pode ter mais talento literário que outra pessoa, independentemente da área em que atue.
,onde os coeficientes 1, 3, 3, 1 são os números da linha 3 do triângulo**. Percebam que a soma dos expoentes das parcelas nunca excede o expoente ao qual a soma (a + b) foi elevada. Existe uma lógica na expansão. Eu ficava questionando-me se não existiria uma lógica para expandir uma soma de n termos a um expoente qualquer. Eu comecei a pensar nisto e acabei chegando numa fórmula. Eu fui conversar com um professor meu do Sigma, mas ele falou que Leibniz descobriu isso no século XVII e que essas séries chamavam-se multinomiais***. Eu fiquei muito decepcionado. Depois disso, tudo que eu achava que tinha descoberto, falavam-me que alguém já tinha feito algo. Eu resolvi que deixaria de lado as descobertas e estudaria primeiro o que os outros descobriram. Foi nessa época que eu li um livro chamado "Os problemas do milênio — Os sete maiores enigmas da matemática contemporânea" — do Keith Devlin. O instituto Clay daria um milhão de dólares a quem resolvesse um dos problemas; inclusive, o russo Grigori Perelman resolveu um dos problemas intitulado "Conjectura de Poincaré", mas recusou o prêmio. Quando li o livro, eu trabalhava para encontrar um padrão ou uma fórmula para os números primos. Cheguei a listar os dez mil primeiros. Encontrei algumas coisas, mas não sei se alguém já tinha descoberto. Usava apenas aritmética simples e lógica. Se fosse trabalhar com esse problema hoje em dia, usaria muitas ferramentas, utilizando mais Cálculo do que Aritmética. Fiquei desiludido com o problema quanto mais li sobre ele.
Voltando... Fiz toda essa digressão pra dizer que talvez eu pense em abandonar a minha produção literária para, antes, ler e estudar mais. Admito que li poucos contos, crônicas e poemas na vida. Vi, de novo no programa do Jô, uma entrevista do Ferreira Gullar na qual ele disse que passou uns dois anos estudando a gramática para escrever. Acho que preciso de coisa semelhante. Já pensei em fazer coisa parecida com minhas composições musicais, mas a vontade de compor é maior. Enfim, eis os poemas — o meu e o do referido ganhador do concurso respectivamente.
--> Eu tenho mania de tentar justificar racionalmente os meus fracassos. É bem provável que o texto escolhido seja melhor do que o meu e pronto. O único conto do qual me lembro de ter escrito é do ano de 2005. Sou muito hábil em escrever textos dissertativos, mas sou iniciante nas outras modalidades. Mesmo na poesia, escrevi muito pouco. Estou tentando voltar a treinar minha escrita literária neste ano. Já tenho muita coisa em mente. Fui pesquisar sobre o tal João Gabriel e descobri seu blog, seu currículo Lattes, entre outras coisas. Ele é estudante de História e já fez iniciação científica em Literatura e História na UFRJ. Fiquei pensando... Bem, ele cursa Humanas, e eu, Exatas. Ele já trabalhou com pesquisa em Literatura, eu fiz pesquisa em Números Hipercomplexos e Teoria da Computação. O problema é que sei que esses títulos acadêmicos representam nada. Alguém pode ter mais talento literário que outra pessoa, independentemente da área em que atue.
Vou, agora, utilizar-me de uma digressão, mas logo voltarei ao tema. No meu Ensino Médio, gastei muito tempo tentando descobrir alguma coisa; contudo, sempre me dava conta de que o que achava ser uma descoberta já o tinha sido há muito tempo. Aprende-se na escola que (a + b)² é o quadrado do primeiro mais duas vezes o primeiro vezes o segundo mais o quadrado do segundo. Aprende-se o famoso Triângulo de Pascal, em que os números das colunas são os coeficientes dos produtos nas potências da soma de dois termos; por exemplo,
(a + b)³ = 1.(a³) + 3.(a.b²) + 3.(a².b) + 1.(b³)
,onde os coeficientes 1, 3, 3, 1 são os números da linha 3 do triângulo**. Percebam que a soma dos expoentes das parcelas nunca excede o expoente ao qual a soma (a + b) foi elevada. Existe uma lógica na expansão. Eu ficava questionando-me se não existiria uma lógica para expandir uma soma de n termos a um expoente qualquer. Eu comecei a pensar nisto e acabei chegando numa fórmula. Eu fui conversar com um professor meu do Sigma, mas ele falou que Leibniz descobriu isso no século XVII e que essas séries chamavam-se multinomiais***. Eu fiquei muito decepcionado. Depois disso, tudo que eu achava que tinha descoberto, falavam-me que alguém já tinha feito algo. Eu resolvi que deixaria de lado as descobertas e estudaria primeiro o que os outros descobriram. Foi nessa época que eu li um livro chamado "Os problemas do milênio — Os sete maiores enigmas da matemática contemporânea" — do Keith Devlin. O instituto Clay daria um milhão de dólares a quem resolvesse um dos problemas; inclusive, o russo Grigori Perelman resolveu um dos problemas intitulado "Conjectura de Poincaré", mas recusou o prêmio. Quando li o livro, eu trabalhava para encontrar um padrão ou uma fórmula para os números primos. Cheguei a listar os dez mil primeiros. Encontrei algumas coisas, mas não sei se alguém já tinha descoberto. Usava apenas aritmética simples e lógica. Se fosse trabalhar com esse problema hoje em dia, usaria muitas ferramentas, utilizando mais Cálculo do que Aritmética. Fiquei desiludido com o problema quanto mais li sobre ele.
Voltando... Fiz toda essa digressão pra dizer que talvez eu pense em abandonar a minha produção literária para, antes, ler e estudar mais. Admito que li poucos contos, crônicas e poemas na vida. Vi, de novo no programa do Jô, uma entrevista do Ferreira Gullar na qual ele disse que passou uns dois anos estudando a gramática para escrever. Acho que preciso de coisa semelhante. Já pensei em fazer coisa parecida com minhas composições musicais, mas a vontade de compor é maior. Enfim, eis os poemas — o meu e o do referido ganhador do concurso respectivamente.
Cinco Cigarros
(Fábio Salgado)
Primeiro cigarro — Abertura/Fastio
Estou cansada desta festa: falsos sorrisos, falsos vestidos, falsas jóias, bijuterias baratas. Falsos estímulos que demandam respostas fingidas e dissimuladas. Ainda não consigo arcar com o peso de relacionar-me com pessoas da alta sociedade, fardo que me inclina ainda mais à nicotina: minha salvadora, minha confidente; esta, sim, comprometida com a verdade. Mesmo a caixa contendo o maço não faz uso de meandros pra dizer-me que terei câncer provavelmente. O prazer compensa. O cansaço abate-me.
Segundo cigarro — Solilóquio
Um trago, uma bebida, meu quarto, minha ânsia por espaço, minha ansiedade pelo que passou e minha nostalgia, meu saudosismo ressentido, pelo o que ainda não aconteceu. A fumaça espalhando-se pelo quarto, exaurindo-se pela janela e as vozes e gargalhadas são as únicas que me acompanham, mas que são incapazes de ouvir-me, além da minha própria voz narradora de uma narrativa sem nexo e sem causa.
Terceiro cigarro — Desdobramentos em preto e branco
O teto confunde-se com o ventilador. O ventilador confunde-se com o seu movimento. O movimento confunde-se com as vozes. As vozes confundem-se com o emaranhado dos meus cabelos, que se confundem com meus olhos. Meus olhos confundem-se com meus pensamentos. Meus pensamentos confundem-se com meu vestido, que se confunde com o chão.
Quarto cigarro — Subjuntivos subjetivos
Se tivesse vindo com outro vestido;
Se esta festa não tivesse acontecido;
Se eu não tivesse bebido;
Se o passado não tivesse sido remoído;
Se eu pudesse perder a compostura,
Se ficasse nua,
Testemunha minha seria a Lua
Da minha vã loucura
Exigiriam-me que me confessasse,
Dos meus pecados me desvencilhasse,
Não deixariam que eu ultrapassasse
Os limites do pudor e que, então, me retratasse.
Falta apenas um cigarro!
Se pudesse livrar-me deste maldito pigarro!
Os sintomas são inevitáveis: neles sempre me esbarro!
O vício é maior: dele nunca me desgarro.
Quinto cigarro — Derradeiro ato em cinco sentidos
Não sei por quê, mas não me canso de ver o ventilador que se confunde com seu movimento emaranhado. Cheiro de bebida destilada, de pessoas engomadas, perfumes franceses, Chanéis vencidos. Sinto o gosto de intrigas, de murmurinhos, do meu batom. Sinto minha pele fria, meus ombros desnudos e descobertos. Ouço vozes, ouço passos...
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CLARICE NÃO QUERIA
(João Gabriel da Silva Ascenso)
Clarice não queria ser famosa. Clarice não queria carros, brilhantes ou vestidos de alta-costura. Clarice não queria cachorros de raça tomando conta do jardim com fonte e esculturas de estilo neoclássico e, sobretudo, Clarice não queria Ricardo.
Ricardo era uma espécie de homem à moda antiga, gentil e discreto. Trabalhava geralmente de tarde, jantava por volta das 20 horas, não fumava mais de meio maço por dia e não dormia sem um cálice de licor. Ricardo não bebia nada alcoólico além de licor. Ricardo não gostava de charutos. Ricardo não ria, a não ser em raras ocasiões, e não falava além do necessário. Ricardo não amava Clarice.
Clarice vivia de sua imagem. Vivia dos vestidos e brilhantes que ostentava sem orgulho. Vivia das colunas sociais e dos sorrisos marcados pelo batom carmim. Vivia do delicado lápis preto em torno do olho. Vivia por viver. Clarice não vivia.
Ricardo oferecia jantares em que Clarice sempre estava: carmim, lápis, vestido e brilhantes. Nos jantares, Clarice ria elegantemente - nem alto demais, o que seria indelicado, nem baixo demais, o que demonstraria timidez -; comia pouco, bebia não mais que alguns goles. Nos jantares, Clarice não fumava.
Clarice não queria viajar com Ricardo. Clarice não queria andar de avião, fazer malas, comprar roupas. Clarice não queria ter que voltar e jantar e sorrir, e viajar de novo, fazer malas, pegar táxis. Ricardo corria as cidades em busca das melhores oportunidades e quase não olhava os lugares por onde passava. Clarice nem lembrava que passava por aqueles lugares.
Clarice sabia que Ricardo sabia. Ricardo nunca disse que sabia. Clarice sentou-se no chão do quarto, apagou o cigarro. Deitou-se, enfim. Queria chorar, mas não chorou. Ricardo entrou. Clarice olhou Ricardo. Ricardo queria passar, Clarice deu passagem. No dia seguinte haveria festa, mais licor e mais brilhantes. Seria o dia mais importante do ano, o dia mais aguardado por todos. Ricardo queria que tudo fosse perfeito. Clarice levantou-se do chão, tirou o lápis preto, o vestido, o batom.
Clarice não queria.
Ricardo era uma espécie de homem à moda antiga, gentil e discreto. Trabalhava geralmente de tarde, jantava por volta das 20 horas, não fumava mais de meio maço por dia e não dormia sem um cálice de licor. Ricardo não bebia nada alcoólico além de licor. Ricardo não gostava de charutos. Ricardo não ria, a não ser em raras ocasiões, e não falava além do necessário. Ricardo não amava Clarice.
Clarice vivia de sua imagem. Vivia dos vestidos e brilhantes que ostentava sem orgulho. Vivia das colunas sociais e dos sorrisos marcados pelo batom carmim. Vivia do delicado lápis preto em torno do olho. Vivia por viver. Clarice não vivia.
Ricardo oferecia jantares em que Clarice sempre estava: carmim, lápis, vestido e brilhantes. Nos jantares, Clarice ria elegantemente - nem alto demais, o que seria indelicado, nem baixo demais, o que demonstraria timidez -; comia pouco, bebia não mais que alguns goles. Nos jantares, Clarice não fumava.
Clarice não queria viajar com Ricardo. Clarice não queria andar de avião, fazer malas, comprar roupas. Clarice não queria ter que voltar e jantar e sorrir, e viajar de novo, fazer malas, pegar táxis. Ricardo corria as cidades em busca das melhores oportunidades e quase não olhava os lugares por onde passava. Clarice nem lembrava que passava por aqueles lugares.
Clarice sabia que Ricardo sabia. Ricardo nunca disse que sabia. Clarice sentou-se no chão do quarto, apagou o cigarro. Deitou-se, enfim. Queria chorar, mas não chorou. Ricardo entrou. Clarice olhou Ricardo. Ricardo queria passar, Clarice deu passagem. No dia seguinte haveria festa, mais licor e mais brilhantes. Seria o dia mais importante do ano, o dia mais aguardado por todos. Ricardo queria que tudo fosse perfeito. Clarice levantou-se do chão, tirou o lápis preto, o vestido, o batom.
Clarice não queria.
** Para os desmemoriados ou que não tiveram um bom Ensino Médio, dêem uma olhada no Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tri%C3%A2ngulo_de_pascal
De preferência, para quem sabe Inglês, vejam:
http://en.wikipedia.org/wiki/Pascal%27s_triangle
*** http://pt.wikipedia.org/wiki/Teorema_multinomial
http://en.wikipedia.org/wiki/Multinomial_series (De novo, para quem sabe Inglês)