domingo, 1 de setembro de 2013

A arte de ser mal entendido e a inescrutabilidade das comunicações humanas

   Desde a mais tenra idade, padeço do mal, que julgo ser universal, de ser mal interpretado. Quando estava no Jardim II, com cinco anos de idade, brincava com uma colega minha. No recreio, ela comia uma peta quando resolveu mexer comigo colocando uma que comia nos meus olhos, como se fossem óculos. Querendo revidar, peguei uma peta e corri atrás dela para fazer a mesma coisa. Minha colega subiu em uma cadeira. Quando fui subir também, desastrosamente, dei uma joelhada no estômago dela. Ela desmaiou. Em questão de segundos, apareceram pessoas desesperadas. Retiraram-na dali e eu fui parar da diretoria. Ninguém permitiu que eu desse a minha explicação do que ocorrera. Anos mais tarde, já adolescente, meus pais estavam comentando a minha atitude infantil absurda de agredir uma menina gratuitamente quando meu pai perguntou-me o que tinha acontecido para eu ter feito aquilo. Dei a explicação que dei aqui e completamente surpreso o meu pai questionou-me sobre por que não tinha dito aquilo para todo mundo antes. A minha resposta foi a de que nunca me tinham deixado dar explicações.

   Na mesma época, estava brincando com uma outra colega na classe de crianças da minha igreja. Brincávamos de empurrar-nos um ao outro. Em um dado momento, um colega nosso que não estava acompanhando a brincadeira virou-se e viu-me empurrando a menina. Em tom solene, ele disse-me: "não se bate em uma mulher nem com uma rosa". A nossa professora da época acompanhou a cena de modo semelhante ao nosso colega e guardou aquele momento. Anos mais tarde, a professora de outrora, hoje uma senhora de idade avançada, fazia questão de comentar com todas as pessoas que o seu aluno mal educado que agredia as colegas recebeu uma advertência de seu colega. Já desisti de tentar explicar à senhora que ela não sabe o que realmente aconteceu.

   Quando estava na primeira série do Ensino Fundamental, ganhei um dicionário. Adorava descobrir novas palavras nele e o meu hábito predileto na época era encontrar xingamentos polidos que ninguém conhecia. Em qualquer discussão, logo chamava os meus colegas de "pávidos", "energúmenos", "mentecaptos" e afins. Como eles não entendiam absolutamente nada do que eu falava, davam de ombros como se nada tivesse acontecido. Quando eu estava na terceira série, minha irmã mais nova ingressou no primeiro ano e ganhou, também, o seu dicionário. No ano seguinte, quando estava na quarta série, com 10 anos de idade, minha irmã veio pedir o meu dicionário emprestado. Diante da minha recusa, ela foi reclamar com os meus pais. Eles chegaram furiosos chamando-me de egoísta e não sei mais o quê. Diante de tantos impropérios, disse a eles que a minha irmã tinha ganhado o mesmo dicionário que o meu, com a diferença de que eu já usava o meu há muito mais tempo. Encontrei o dicionário destruído da minha irmã e mostrei o meu, novo em folha obviamente, e disse que seria injusto que eu fosse obrigado a emprestar o meu dicionário e que ele teria o mesmo destino tenebroso do exemplar da minha irmã. Constrangidos e ruborizados, meus pais pediram-me desculpas e disseram que eu tinha razão. Recentemente, meu pai perguntou se eu lembrava-me desse episódio e ele relatou-me que aprendeu com ele a sempre buscar ouvir todos os lados antes de tecer juízos. 

   Em 2008, em uma conversa com algumas pessoas, falávamos sobre inteligência. Na época, ainda acompanhava as edições da excelente revista "Mente & Cérebro". De posse dos dados que tinha lido há pouco tempo, disse aos colegas presentes que havia estudos estatísticos que mostravam que as pessoas que cursavam Exatas tinham, em média, um Q.I. maior que aquele das pessoas que cursavam Humanas. Para o meu azar, eu era a única pessoa do grupo que cursava Exatas — cursava Física naquele tempo. Imediatamente, ouvi protestos e disseram-me que se recusavam a acreditar que alguém, simplesmente porque tinha escolhido um curso na faculdade em detrimento de outro, era menos inteligente que outra pessoa que tomou outra decisão. Comecei a perceber naquela época o que o professor Olavo de Carvalho costuma dizer sobre os debates. No Brasil, freqüentemente, restam duas alternativas: ou você tem de infundir inteligência na cabeça do sujeito, o que é impossível, ou tem de ensinar todos os rudimentos básicos acerca de tudo para a pessoa; assim, o debate torna-se um esforço pedagógico e não uma discussão. Digo isso porque um dado estatístico apresenta uma plausibilidade e não uma relação de nexo causal necessário; em outras palavras, se estudos mostram que, em média, pessoas que cursam Exatas têm mais inteligência que pessoas de Humanas, isso mostra que, naquele círculo de pessoas no qual eu era o único representante das Exatas, seria mais provável que eu tivesse um Q.I. maior, mas seria absolutamente possível que eu tivesse o menor Q.I. do grupo. Não obstante as explicações que eu tentei dar para eliminar os desentendimentos e insinuações de que eu queria dizer que todo mundo ali era burro, as pessoas interpretaram o que ouviram como quiseram. Anos mais tarde, em 2012, uma pessoa que estava naquele grupo chamou-me de orgulhoso e arrogante em uma discussão. Quando eu perguntei a razão daquelas adjetivações, uma vez que a pessoa não tinha nenhum tipo de convívio freqüente comigo, ela disse-me que em 2008 ela teve a prova do que dizia. Poderia comentar a absurdidade disso a partir de diversas frentes. Em primeiro lugar, como uma pessoa pode julgar outra a partir de uma frase proferida quatro anos antes? As pessoas não conseguem conceber que se possa mudar de idéia ou que se possa dizer proferimentos dos quais você possa arrepender-se depois? Por vezes, creio que o critério de julgamento das pessoas é o seu próprio modo de agir: como elas são incapazes de serem autocríticas, de reverem suas ações e corrigirem-se, elas não esperam isso das outras pessoas. Como dizia Josemaria Escrivá, "Quando não há retidão naquele que lê, torna-se difícil que descubra a retidão daquele que escreve". Perdi a conta de quantas vezes eu disse "você está certo e eu estou errado" e recebi olhos arregalados de surpresa em troca. As pessoas, definitivamente, não estão acostumadas à honestidade e à sinceridade. Vejam bem: em 2008, nem converso ao Cristianismo eu era! Como já mencionei, era estudante de Física ainda. Depois disso, mudei-me para o curso de Matemática e acabei formando-me em Filosofia! Como alguém pode julgar o caráter e a personalidade de outra pessoa por conta de um proferimento de quatro anos? O pior é que, ainda por cima, o tal proferimento foi entendido de maneira completamente equivocada: não chamei ninguém ali de burro, embora o desconhecimento deles de noções extremamente básicas de Estatística fosse evidente.

   Na época, não conhecia Xavier Zubiri. Hoje, acredito que a inteligência é a capacidade de apreender a realidade e que todos nascemos com essa habilidade. O que se diz sobre "inteligências múltiplas" é uma bobagem para mim, embora eu mesmo tivesse falado sobre o assunto naquela discussão de 2008. Meu holismo reflete-se nessa capacidade de apreender a realidade: esta não é meramente econômica, biológica, física, política ou matemática. Uma ciência qualquer empreende recortes da realidade a fim de empreender a sua investigação. O mundo, entretanto, apresenta-se em sua totalidade. Quando vemos um objeto caindo, percebemos aquele fenômeno em todas as suas dimensões e não apenas de uma perspectiva gravitacional por exemplo; portanto, apenas o desenvolvimento conjunto dos vários tipos de maneiras de raciocinar-se acerca do mundo pode ser tido como realmente inteligente — o trocadilho aqui a partir da concepção de Zubiri é proposital. É muito comum você encontrar pessoas que têm um raciocínio surpreendente em Matemática, mas que são completas bestas quadradas em todo o resto. Mesmo antes de conhecer a epistemologia e a metafísica de Zubiri, já cria, por influência de Descartes, nessa necessidade de desenvolver todas as habilidades possíveis; por isso, enquanto buscava resolver o problema da Hipótese de Riemann na adolescência, também, compunha canções, escrevia contos e lia livros de Literatura e Filosofia. 

   O mesmo Zubiri fala do processo de "substantividade", por meio do qual buscamos fixar essências que se movem e são dinâmicas. A fenomenologia existencialista de Heidegger e de Sartre já tratava dessa necessidade que temos de criar categorias a fim de coisificar pessoas a partir delas: afinal, o Dasein heideggeriano é aquele tem o projeto de ser sem nunca poder sê-lo e aprisioná-lo a um projeto específico é ignorar essa incapacidade e ambigüidade. Terminologia existencialista à parte, há alguns anos, descobri o que é conhecido por "Princípio da Caridade", que, embora não tenha sido criado por eles, foi desenvolvido por autores como Willard Quine e Donald Davidson. O princípio, grosso modo, afirma que diante de várias interpretações possíveis de um falante você deve optar aquele que melhor o favoreça. Desde a minha infância, a experiência que tenho tido é a de que as pessoas parecem usar a versão inversa desse princípio, que chamarei de "Princípio de Descaridade". Falei sobre como me tornei católico na minha última postagem. Praticamente toda — tinha escrito apenas "Toda" aqui, mas me lembrei de que as pessoas não sabem mais o que é uma hipérbole — a literatura protestante crítica ao Catolicismo que encontrei parece fazer uso deste último princípio. O livro do Carlos Collette, por exemplo, chamado "Inovações do Romanismo", começa falando sobre o problema do sacramento da Ordem, dizendo que a ordenação sacerdotal católica depende das intenções, de acordo com a definição católica, mas que é impossível saber se alguém possui uma intenção de fazer algo de fato ou não. O Collette não cogita em nenhum momento em perguntar-se o que a Igreja Católica quer dizer com "intenção". Ele, simplesmente, pega os textos e entende-os como quer. O mesmo processo acontece com praticamente todas as doutrinas católicas. A Igreja Católica fala em "infalibilidade papal" e as pessoas não querem saber se os Papas escrevem bulas papais, encíclicas papais, cartas papais, exortações apostólicas, constituições apostólicas, cartas apostólicas, "motus proprius", sermões etc. e que, dentre esses documentos, apenas as bulas abarcam ensinamentos "ex cathedra" que são previstos pela infalibilidade. Ainda assim, a coisa é mais complexa porque há um conjunto de critérios definidos que devem ser satisfeitos  —  é só ler os documentos do primeiro concílio Vaticano. Assim como há diferenças entre os documentos, há diferenças nos ensinamentos: a Igreja possui depósitos de fé, dogmas, doutrinas, disciplinas e devoções, como classifica David Currie. Nessa lista, apenas os dois primeiros são infalíveis. Qual crítico da infalibilidade papal que busca ter um entendimento disso? Praticamente nenhum. A maioria sai vociferando dizendo que é absurdo dizer que o Papa não peca e que os os documentos da Igreja são prova inequívoca de que a infalibilidade não pode ser verdadeira porque houve muitas contradições entre os Papas. A Igreja afirma que "não há salvação fora da Igreja" e as pessoas saem protestando sem ter a menor idéia do que os católicos querem dizer com isso. Ninguém quer saber que a Igreja diz que qualquer pessoa batizada é incorporada à Igreja por Cristo e que, portanto, um presbiteriano, um batista, um luterano ou anglicano que tenha sido batizado já é católico mesmo que não seja um católico nominal e esteja desligado da plena comunhão com a Igreja Católica. Os exemplos são intermináveis. A mídia costumeiramente faz o mesmo procedimento ao comentar os pronunciamentos dos Papas, sem procurar entender o que ele quer dizer de fato. 

   Confesso, para terminar, que estou cada vez mais desanimado com debates e com discussões. No ambiente brasileiro, pesa o fato de que as pessoas não costumam ter o preparo adequado para ler e entender um texto. Constantemente, você não precisa apenas explicar o que disse, mas explicar ao outro o que ele mesmo falou e o que se pode depreender da sua fala. Quando o debate dá-se no âmbito da oralidade, a falta de preparo é patente. O que há de mais básico e elementar em Teoria da Argumentação é ignorado, de modo que recursos claramente falaciosos — digo "claramente" porque sabemos hoje do caráter contextual das falácias — são trazidos à tona e seus argumentos são completamente ignorados porque as pessoas perderam a sensibilidade de percepção de quando a sua fala é neutralizada por um argumento. A despeito da incompetência técnica, parece-me que impera uma malícia generalizada, uma má-fé entranhada na alma. As pessoas não estão interessadas no conhecimento. Elas não debatem porque querem conhecer o que é correto, mas porque querem mostrar que o outro está errado e  —  mais importante  —  que elas mesmas estão absolutamente certas. Alguém pode perguntar-me: "Ora, se você acredita mesmo que as comunicações humanas são inescrutáveis, por que continua escrevendo?". As razões são várias e deixá-las-ei para uma postagem futura; talvez, intitulada "Por que continuo a escrever (a despeito da descaridade reinante) ?". Como dica de uma das minhas linhas argumentativas, deixo uma citação de Nietzsche: "Há homens que já nascem póstumos".

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Minha Segunda Conversão — Como um ex-protestante abraçou o Catolicismo


Obs. : disponibilizei no Scribd uma nova versão do meu testemunho baseada neste texto com vários acréscimos. Vejam aqui:
 http://documents.scribd.com.s3.amazonaws.com/docs/6yosunehhc3mn07f.pdf .

   Quando me converti ao Cristianismo no dia 25 de janeiro de 2009, prometi a algumas pessoas que descreveria neste blogue aquilo que eu costumo chamar de "o meu caminho de Damasco". Aqueles que conhecem a experiência de conversão de Paulo, que ainda se chamava Saulo — vejam o capítulo 9 de Atos —, sabem que a sua conversão deu-se quando ele estava a caminho de Damasco para prender cristãos — a imagem acima de Caravaggio chama-se "A conversão de São Paulo". Paulo teve uma experiência singular pessoal e intransferível. Creio que todo cristão genuíno, mesmo aqueles que nasceram e foram criados em um lar cristão, tem de ter o seu caminho de Damasco em algum momento. Tive o meu na referida data. Apesar da promessa, sempre adiei o projeto de escrever sobre a minha experiência porque acredito que deveria fazê-lo em um livro e que o espaço deste blog seria inadequado para relatar o ocorrido. A minha pretensão, entretanto, não é a de cumprir a minha antiga promessa, mas a de relatar o que chamei no título desta postagem como sendo a minha segunda conversão. Muitos já devem saber, e se não o sabiam sabem agora, que me converti ao Catolicismo. Antes, era um batista, evangélico, protestante; agora, sou um católico apostólico romano.

   Antes, devo ressaltar que não tenho pretensões de converter ninguém. O meu objetivo aqui é o de registrar uma explicação da minha conversão a fim de não ter de repeti-la sempre, poupando-me de esforços desnecessários, embora tenha de confessar que ela ainda não está organizada suficientemente para que eu possa descrevê-la de maneira concisa — por isso, peço perdão, de antemão, se esta postagem apelar a digressões de modo excessivo ou se eu acabar estendendo-me em demasia. Não é a minha intenção aqui fazer uma apologética de todas as doutrinas católicas, até porque o espaço seria totalmente inadequado para tanto: precisaria escrever um livro para isso — de fato, há uma vasta literatura que já faz isso e procurarei indicar algumas leituras no decorrer deste texto não apenas para fundamentar o que digo, mas para oferecer um apoio de leitura a quem tiver o interesse sincero de conhecer a verdade. 

   Minha jornada ao Catolicismo, creio eu, iniciou-se em 2011. Como praticamente todos os protestantes que conheço — fui dar-me conta das proporções do anticatolicismo dos protestantes apenas muito recentemente —, conhecia o Catolicismo apenas por meio de chavões, caricaturas e espantalhos. Nunca tinha lido nada católico e só conhecia a Igreja Católica de segunda mão, a partir das críticas dos protestantes. Minha mãe, tomando conhecimento do meu catolicismo neste ano, perguntou-me certa feita: "Ué, você não dizia que tinha de ser muito burro pra ser católico?". Sim! Eu já disse isso antigamente, quando não tinha a menor idéia de como os católicos continuavam adorando as imagens depois de um texto tão claro como o de Êxodo 20.4: "Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra" [Nova Versão Internacional (NVI) — uma tradução protestante!]. De maneira semelhante, cheguei a dizer quando era agnóstico, antes da minha conversão ao Cristianismo em 2009, que poderiam internar-me em um hospício se algum dia eu tornasse-me um cristão.

   Acompanho o programa TrueOutspeak (http://www.blogtalkradio.com/olavo) do filósofo Olavo de Carvalho desde 2010. Mesmo tendo começado apenas em 2010, ouvi todos os programas desde 2006, o que são mais de 300 programas, com média de 50min de duração. O programa, que antes era semanal, passou a ser mensal neste ano. O professor Olavo chegou a anunciar o fim do programa em dezembro do ano passado, mas resolveu retomá-lo mensalmente por conta da enorme quantidade de protestos. O professor Olavo, por quem tenho imensa consideração, respeito e admiração, sempre iniciava os seus programas dizendo o seguinte: "Começamos mais uma vez invocando a santíssima Virgem Maria e o Santo Padre Pio de Pietrelcina para que roguem a Deus que nenhuma injustiça se cometa nesse programa". Quando percebi a erudição do professor Olavo e vi que ele era católico, logo pensei: "é... ninguém é perfeito.". Aquilo, entretanto, intrigava-me porque sabia que a última pessoa do mundo que eu diria que não estudou um assunto seria o professor Olavo. Será que ele, simplesmente, não sabia de passagens como a de Êxodo 20? Em 2011, ouvi um de seus programas citando o padre Paulo Ricardo (http://padrepauloricardo.org/). Procurei o seu site em outubro de 2011 e deixei uma pergunta que reproduzo aqui:

"Padre Paulo Ricardo, em primeiro lugar, parabéns pelo seu trabalho. Deus, com certeza, reserva o seu galardão no céu pela edificação que o senhor traz-nos com os seus vídeos e textos. Cresci na tradição protestante tradicional, para ser específico, a tradição Batista, e sempre tive uma visão bastante distorcida sobre o Catolicismo, baseada naquele catolicismo denunciado por Lutero no medievo.  
Tenho tentado despojar-me do preconceito para tentar compreender melhor a tradição católica e tenho me impressionado e me surpreendido quanto mais aprendo. Tenho quatro dúvidas que gostaria que me fossem respondidas se possível. 
— A primeira pergunta refere-se à reza e às repetições. Jesus, antes de ensinar como se deve orar, disse o seguinte: 
"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes." [Mateus 6:7-8]  
Se logo antes de ensinar o Pai Nosso Cristo pede que não façamos uso de vãs repetições, por que se reza com repetições? 
— A segunda pergunta refere-se às imagens. O segundo mandamento diz:
"Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra." [Êxodo 20:4]  
Por que, então, faz-se imagens?  
— A terceira refere-se às intercessões feitas aos santos ou mesmo à virgem Maria. Paulo, diz o seguinte:  
"Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem." [1 Timóteo 2:5]  
Ora, se apenas Cristo é o mediador entre Deus e os homens, por que os católicos apelam a outros mediadores, além de Cristo?  
— A última refere-se à salvação. Uma das cinco solas da tradição reformada defende que o homem é justificado somente pela sua fé. Eu discordo disso, crendo que a salvação é obtida pela fé, numa conjunção com as obras. Se não fosse desse modo, o texto de Hebreus 12.14 não diria que sem a santificação ninguém verá o Senhor ou não se falaria de pecados que têm por conseqüência que não se verá a Deus. Costuma-se utilizar o argumento de que o converso, certamente, seguirá o caminho da santificação, mas acho tal argumento controverso e sem justificação. Qual a visão da Igreja Católica a respeito do assunto? Sempre ouvi dizer que ela prega que a salvação vem pelas obras.
Espero que as minhas perguntas sejam respondidas assim que possível e agradeço, desde já, a atenção dispensada.  
Paz de Cristo!
Fábio Salgado"

   Fiz algumas modificações na última pergunta porque na época fui impreciso, falando de "graça" em vez de fé. Não conhecia naquela época o documento assinado no dia 31 de outubro de 1999 intitulado "Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação".
No ponto 15 dessa declaração, luteranos e católicos afirmam: "Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para as boas obras". Esse documento é muito claro. Recentemente, um pastor disse para mim que a Igreja Católica não crê que somos salvos somente pela graça. Quando eu disse que ele estava errado, ele simplesmente disse que isso era óbvio. Quando eu mencionei esse documento, ele, simplesmente, disse que não iria ler nada. Nesse momento, tenho de deixar algo claro aqui. O professor Olavo de Carvalho, no seu já mencionado programa TrueOutspeak, certa feita, disse o seguinte:
"Se o cara não estudou, não sabe, tem é que calar a boca. Eu acho que o direito de ter opinião é proporcional ao interesse sincero que você tem pelo assunto. Se você não tem interesse pelo assunto pra você sequer ler alguma coisa, por que nós devemos ter interesse em ouvir a sua opinião?"
   Aqueles que conhecem o tom do professor nesse programa — o tom dele nas suas aulas é completamente diferente — devem saber que o professor não foi tão educado e polido como procuro ser — infelizmente ou felizmente (não saberia dizer ao certo). Aqui está a sua fala completa: http://www.youtube.com/watch?v=pzZNeBam6ZQ . Concordo com ele: as pessoas não estudam e simplesmente querem opinar sobre aquilo que não entendem. 

Voltando à minha pergunta de 2011, recebi a seguinte resposta no mesmo dia:
"Salve Maria!
Caro Fábio,
Muito obrigado pela sua mensagem.
Sua pergunta já foi encaminhada e na medida do possível, será respondida pelo Pe. Paulo Ricardo durante o podcast "A Resposta Católica". 
Aconselho que assista os vídeos dos links abaixo:
          http://padrepauloricardo.org/episodios/intercessao-dos-santos 
http://padrepauloricardo.org/episodios/culto-aos-santos-e-suas-imagens
Gostaria de aproveitar a oportunidade e convidá-lo a participar dos cursos online do site padrepauloricardo.org e ajudá-lo nesse projeto de formação e incentivar outros a fazê-lo. Nele encontrará um vasto conteúdo para defender e ensinar a fé católica com mais firmeza e solidez.
Ajude-nos a manter este trabalho de apostolado na internet, pela formação dos católicos, por amor a Santa Igreja e sua Sagrada Tradição.
Contamos com as suas orações.
Deus o abençoe sempre. 
Ad maiorem Dei gloriam
Equipe Christo Nihil Praeponere - padrepauloricardo.org "

   Os dois vídeos indicados foram o estopim para que eu percebesse que eu sabia absolutamente nada sobre o Catolicismo e que deveria dar-me ao trabalho de estudar seriamente o assunto. Infelizmente, na época, era um mero bolsista de iniciação científica da UnB e não tinha dinheiro para pagar o acesso ao site do padre Paulo Ricardo e sabia que meus pais nunca aceitariam ajudar-me a pagar cursos sobre o Catolicismo. No dia seguinte, mandei outra mensagem, angustiado com o pouco conhecimento que percebi ter:
"Padre Paulo Ricardo, o senhor poderia indicar uma bibliografia para quem quer entender o Catolicismo? Além dos documentos da igreja, do ponto de vista da Teologia Católica, quais textos o senhor recomendaria?  
Abraço e paz de Cristo!"
   Recebi a resposta, novamente, no mesmo dia:
"Salve Maria!
Caro Fábio,
Muito obrigado pela sua mensagem.
Recomendo que comece por estudar a História da Igreja.
Segue abaixo algumas indicações: 
DUÉ, Andrea.  Atlas histórico do cristianismo. Aparecida-SP: Santuário; Petrópolis: Vozes, 1999.
FRÖLICH, Roland. Curso básico de história da Igreja. 4ª ed. São Paulo: Paulus, 2005.
RATZINGER, Joseph. Compreender a Igreja hoje: vocação para a comunhão. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
BIHLMEYER; TUECHLE, Hermann.  História da Igreja: antiguidade cristã. São Paulo: Paulinas, 1964.
DANIÉLOU, Jean; MARROU, Henri. Nova história da Igreja: dos primórdios a São Gregório Magno, v. 1. Petrópolis: Vozes, 1965.
PIERINI, Franco. A idade antiga: curso de história da Igreja, vol. 1. São Paulo: Paulus, 1998.
ROMAG, Dagoberto.  Compêndio de história da Igreja: a antiguidade cristã, v.1, 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1949.
SESBOÜÉ, Bernard; WOLINSKI, Joseph.  O Deus da Salvação. Col.: SESBOÜÉ, B. (dir.) História dos Dogmas, vol. 1. São Paulo: Loyola, 2002.
VERDETE, Carlos.  História da Igreja Católica: das origens até o cisma do Oriente (1054), v. 1. São Paulo: Paulus, 2006.
DANIEL-ROPS, Henri. História da Igreja de Cristo. Tradução de Henrique Ruas; revisão de Emérico da Gama - São Paulo: Quadrante, (10 vols.), 2006.
LLORCA, Bernardino; GARCÍA-VILLOSLADA, Ricardo e LABOA, Juan María. Historia de la Iglesia Católica. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (5 vols.), 2005.  
Contamos com as suas orações.
Deus o abençoe sempre.  
Ad maiorem Dei gloriam
Equipe Christo Nihil Praeponere"
   Resolvi levar a sério a recomendação e comecei a estudar seriamente a história do Cristianismo e da Igreja Católica. Faço questão de ressaltar que fui respondido no mesmo dia porque já procurei corresponder-me com muitos pastores do meio cristão brasileiro, mas fui ignorado na maior parte das vezes. Creio que o estrelato deve ter subido às suas cabeças, pois consigo corresponder-me mais facilmente com filósofos estrangeiros extremamente produtivos de maneira muito mais fácil. Conto nos dedos das mãos os filósofos do exterior que deixaram de dar-me respostas. Não posso deixar de citar uma das poucas exceções, que foi o pastor Luiz Sayão, que respondeu inúmeros questionamentos meus por meio do seu programa "Conversando com Luiz Sayão" (http://rtm.radio.br/novo/interna/radio/conversando-com-luiz-sayao). Até hoje estou estudando a bibliografia acima que me foi indicada. Os cinco volumes de Llorca, García-Villoslada e Laboa, por exemplo, eu só comprei recentemente. Antes de ler e estudar essa bibliografia, já tinha estudado a história do Cristianismo da perspectiva de alguns protestantes como, por exemplo, a "História Ilustrada do Cristianismo" de Justo L González, quando ainda não tinha sido editada em apenas dois volumes, e "Uma História do Cristianismo", de Kenneth Scott Latourette. Lembro-me de que algo que me impressionou ao ler González foi que ele já apontava que, na verdade, a Contrarreforma começou antes da Reforma, por mais paradoxal que seja a partir dos nomes. Já na Espanha, a Igreja Católica já tinha começado várias reformas antes de Lutero. É importante dizer aqui que Lutero, de fato, estava certo em muita coisa. Havia, realmente, muitos abusos por parte do Clero. Lutero estava vivo quando o famoso Papa Alexandre VI, o Bórgia, foi eleito. Para ter a imaginação estimulada, recomendo a série "The Borgias".

   Por falar em Lutero, resolvi começar a lê-lo por conta própria (procurem os vários volumes de "Obras Selecionadas" lançadas pela Editora Sinodal). Fiquei horrorizado com Lutero. Descobri que, por exemplo, Lutero acrescentou o termo "alleyn", em Romanos 3.28, para reforçar sua doutrina. Procurem os debates desse sujeito com Erasmo de Roterdã, por exemplo, e vejam como ele era grosseiro. As pessoas não têm o trabalho de, por exemplo, ler as 95 teses de Lutero e mal sabem que ele mesmo não era avesso às indulgências, mas apenas ao comércio de indulgências como se vê claramente na sua septuagésima segunda tese: "Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.". Quem nunca se deu ao trabalho de ler todas as teses, pode fazê-lo aqui:

Cresci ouvindo as pessoas dizerem que a Igreja desestimulava a leitura da Bíblia, assim como a sua tradução. Se vocês consultarem o "The Cambridge History of the Bible", especificamente o volume 2, "The West from the Fathers to the Reformation", editado por G. W. H. Lampe, vocês verão, por exemplo, que muito antes de Lutero, 58 anos antes, já havia a primeira Bíblia impressa no Alemão e que durante esses 58 anos os católicos imprimiram 30 diferentes edições alemãs da Bíblia — procurem, também, o livro "As diferenças entre a Igreja Católica e Igrejas Evangélicas", de autoria do ex-protestante Jaime Francisco de Moura. Isso não foi exclusividade da Língua Alemã, mas ocorre, por exemplo, com o Espanhol, o Holandês, o Francês, em Inglês, entre outros idiomas.

   Percebi que o desconhecimento era generalizado: até mesmo aqueles que se diziam ex-católicos sabiam de absolutamente nada da Doutrina Católica. O sociólogo Alberto Carlos Almeida — vejam as entrevistas dele ao Roda Viva e à Marília Gabriela — costuma apontar que os protestantes sempre foram bons na educação do povo em geral e que os católicos sempre foram bons na educação da elite — prova disso são as diferenças entre os índices educacionais de países majoritariamente protestantes e majoritariamente católicos, além do nível acadêmico das universidades católicas e das universidades protestantes. Como os protestantes baseiam-se no "Sola Scriptura", eles estavam extremamente interessados em alfabetizar as pessoas. Foi-se, entretanto, o tempo em que os protestantes eram conhecidos pelo seu domínio das Escrituras, uma vez que há protestantes de todo tipo hoje, inclusive denominações que, incrivelmente, desaconselham a leitura da Bíblia. Ouvi recentemente um batista tradicional beirando os sessenta anos dizendo-me que nunca tinha ouvido falar do "Sola Scriptura". Da mesma maneira, pegue uma igreja presbiteriana tradicional ou uma batista tradicional que defenda ferrenhamente que o cristão deve apenas basear-se nas Escrituras. Serão raros aqueles que terão lido a Bíblia toda durante anos de conversão. Digo isso porque os católicos são conhecidos por seu desconhecimento das Escrituras, mas creio que se levarmos em conta o conhecimento que um católico médio tem da Tradição, considerando-se que o católico não aceita a "Sola Scriptura", e formos comparar com o conhecimento de um protestante médio acerca das Escrituras, a diferença não será tanta. 

   Voltando à fala de algumas pessoas que falam sobre o desestímulo da leitura da Bíblia, reproduzo aqui um trecho do livro do Jaime de Moura que já mencionei:
"João Crisóstomo (354-407 dC), doutor da Igreja, escreveu: 'É isto que tem destruído todas as coisas: vocês pensarem que a leitura da Escritura é tarefa apenas para os monges, quando na verdade vocês precisam dela muito mais do que eles. Aqueles que se põem no mundo e diariamente são feridos têm mais necessidade da medicina. Assim, age bem pior aquele que não lê as Escrituras, supondo que são supérfluas. Tais coisas são invenção do diabo' (Homilia sobre Mat. 2,5). 
Papa S. Gregório I (+604 dC), escreveu: 'O Imperador dos Céus, o Senhor dos homens e dos anjos, enviou suas epístolas para vós, para que aproveiteis a vossa vida, mas vós negligenciais a lê-las devidamente. Estudai e meditai diariamente sobre as palavras do vosso Criador - eu vos imploro. Aprendei o coração de Deus nas palavras de Deus, para que possais aspirar as coisas eternas, para que vossas almas possam ser despertadas pelo desejo da alegria celestial" (Epístola V,46). 
S. Bernardo de Clairvaux (1090-1153 dC), doutor e padre da Igreja, escreveu: 'A pessoa que deseja muito a Deus estuda e medita sobre a Palavra inspirada, para conhecer o que ela diz. É assim que essa pessoa certamente encontra aquele a quem deseja' (Comentário ao Cântico dos Cânticos, Sermão 23,3). 
Papa S. Pio X (1903-1914 dC), escreveu: 'Nada poderia nos alegrar mais do que ver nossos queridos filhos criarem o hábito de ler os Evangelhos, não apenas de tempos em tempos, mas diariamente'. 
Finalmente, o Catecismo da Igreja Católica declara: 'A Igreja 'exorta com veemência e de modo peculiar todos os fiéis cristãos... a que, pela freqüente leitura das divinas Escrituras, aprendam «a eminente ciência de Jesus Cristo» [Fil. 3,8]. «Porquanto ignorar as Escrituras é ignorar Cristo»' [S. Jerônimo]" (CIC 133).  
A proibição de que falam os protestantes, é que o Concílio de Tolosa (França) proibiu traduções da Bíblia para o vernáculo para evitar erros, proibição retirada pelo Concílio da Tarragona (Espanha) em 1233.
O Sínodo de Oxford (1408) proibiu a publicação e a leitura de textos vernáculos da Bíblia não autorizados. O mesmo se deu no Sínodo dos Bispos alemães em Mogúncia (1485), devido a confusão doutrinária criada por John Wiclef (1320-84). O Concílio de Trento (1545-1563) declarou autêntica a Vulgata latina, tradução devida a S. Jerônimo (+420) e decretou que as traduções da Bíblia deveriam conter o visto do Bispo diocesano, para se evitar abusos de tradução.
Isso aconteceu porque a Igreja exerce seu papel de zelar pela fidelidade da doutrina conf. (2 Timóteo 4, 2); (Tito 1, 13). É o que aconteceu ao contrário com os protestantes. Lutero divulgou a Bíblia para que cada um pudesse interpretar a sua maneira.".
   Estou mencionando alguns pontos de equívoco aqui porque a confusão dos protestantes acerca do Catolicismo é enorme! Nesta semana, um pastor perguntou-me se eu cria na Infalibilidade Papal. Após a minha resposta afirmativa, ele perguntou se eu achava que o Papa não pecava. Quando eu falei que era óbvio que não e que, inclusive, o Papa confessava-se toda semana, ele achou que eu estava contradizendo-me. O referido pastor disse-me que as encíclicas papais contradizem-se. Uma pessoa que não compreende nem ao menos a doutrina da Infalibilidade Papal e que não sabe que ela refere-se apenas a definições "ex cathedra" e que encíclicas não são declarações desse tipo, simplesmente, não entende em absoluto a Doutrina Católica. O que tenho visto em todos os textos com críticas ao Catolicismo que procurei, de Boettner a Aníbal Pereira dos Reis, são falsificações grosseiras. Pessoas que, definitivamente, não entenderam nada da doutrina católica, que, simplesmente, não estudaram. Assim diz o Catecismo da Igreja Católica, que estudo todos os dias desde março deste ano:
"891 " 'Goza desta infalibilidade o Pontífice Romano, chefe do colégio dos Bispos, por força de seu cargo quando, na qualidade de pastor e doutor supremo de todos os fiéis e encarregado de confirmar seus irmãos na fé, proclama, por um ato definitivo, um ponto de doutrina que concerne à fé ou aos costumes... A infalibilidade prometida à Igreja reside também no corpo episcopal quanto este exerce seu magistério supremo em união com o sucessor de Pedro', sobretudo em um Concílio Ecumênico[1611]. Quando, por seu Magistério supremo, a Igreja propõe alguma coisa 'a crer como sendo revelada por Deus'[1612] e como ensinamento de Cristo, 'é preciso aderir na obediência da fé a tais definições'[1613]. Esta infalibilidade tem a mesma extensão que o próprio depósito da Revelação divina[1614]." 
[1611] LG 25; Vaticano I: DS 3074.
[1612] DV 10
[1613] LG 25
[1614] Cf. LG 25"
   Vejam que o texto acima é muito restrito com relação à Infalibilidade Papal — percebam, também, que ele cita documentos da Igreja e dos Concílios. Para uma visão introdutória destes, recomendo o livro "História dos concílios ecumênicos" organizado pelo Giuseppe Alberigo. Para vocês terem uma idéia, as duas únicas declarações "ex-cathedra" em 2000 anos foram os dogmas da Imaculada Conceição (1854) e da Assunção (1950). Um bom livro para quem nunca estudou nada ter uma noção bem introdutória dessas doutrinas é o livro "Catolicismo para leigos", de John Trigilio Jr. e Kenneth Brighenti.

   São muitas as barbaridades que ouço de protestantes que, comprovadamente, não estudaram. Ouvi, também nesta semana, alguém dizendo que a Teologia Católica é feita apenas do aristotelismo. Essa pessoa, simplesmente, desconhece tanto a história da Filosofia quanto do Cristianismo, pois qualquer estudante de Filosofia Medieval e Antiga sabe que Aristóteles era muito mal visto pela cristandade, que o conhecia pouco, uma vez que o movimento de tradução das suas obras deu-se no fim do século XII. Tomás de Aquino foi o grande responsável pela incorporação de Aristóteles à teologia cristã.

   Um pastor afirmou para mim que as heresias da Igreja Católica começaram com Constantino, repetindo o que todo protestante fala. Quando o acusei de desconhecimento, fui acusado de ter o costume de diminuir as pessoas. Creio que ele não fazia idéia do que eu estava falando porque apostaria todos os meus livros que ele não estudou nem 1% da literatura referente à patrologia greco-latina e siríaco-oriental. Para vocês terem uma idéia do que eu estou falando, dêem uma olhada nos 221 volumes da patrologia latina (http://www.logos.com/product/28902/patrologiae-cursus-completus-series-latina), nos 167 volumes da patrologia grega (http://www.logos.com/product/28903/patrologiae-cursus-completus-series-graeca) e nos 18 volumes da siríaco-oriental que ainda não está completa
(http://www.logos.com/product/28982/patrologia-syriaca). Se alguma alma caridosa quiser comprar esse material para mim, ficaria muito grato.

   Vamos voltar à minha história. No ano passado, uma colega minha perguntou-me, sabendo que gosto muito de ler, se eu já tinha lido Chesterton e o que achava dele. Vergonhosamente, disse que nada conhecia dele. Resolvi, então, comprar tudo o que havia sido lançado dele em Português, apenas por uma questão de facilidade de acesso, e não por eu ser monoglota, uma vez que ainda não tinha as condições que tenho hoje de importar livros, graças à minha bolsa de mestrado. O Chesterton, simplesmente, tornou-se um dos meus autores favoritos. Ele é um escritor realmente muito talentoso. Quando estava no meu terceiro ou quarto livro dele, descobri que ele era um ex-anglicano converso ao Catolicismo. Fiquei muito impressionado com aquilo e fui procurar livros dele tratando o assunto. Cheguei ao livro "Todos os caminhos levam a Roma". Pesquisando sobre esse livro, cheguei ao livro "Todos os caminhos vão dar a Roma" do casal Hahn, que na edição mais nova foi traduzido com precisamente o mesmo título do livro de Chesterton. Por curiosidade, comprei os dois livros. O interessante é que o título original "Rome sweet home" é um trocadilho intraduzível com "Lar, doce lar". Ninguém me recomendou o livro do casal Hahn, mas cheguei a ele por essa feliz "coincidência".

   Se você, leitor, quer entender um pouco sobre como se deu a minha conversão, leia o livro do casal Hahn, Scott e Kimberly. É um livro maravilhoso! Ele fez toda a diferença na minha vida. Ele conta a história de um casal que era presbiteriano e calvinista e que se converteu ao Catolicismo durante os seus anos de estudo de Teologia. É uma bela história. Virei um fã do Scott Hahn e saí comprando tudo o que havia dele em Português para depois comprar os ebooks dele que ainda não tinham sido traduzidos.

   Depois que terminei a leitura desse livro, uma série de "coincidências" começou a ocorrer. Estava estudando Existencialismo em um curso ministrado pelo meu atual orientador, Julio Cabrera, e vimos uma série de autores católicos: Gabriel Marcel, Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima. é bom dizer que o professor Cabrera não é religioso. Só não digo que ele é ateu porque creio que ele não gostaria de ser classificado assim por crer que não precisa posicionar-se acerca de uma questão que ele não aceita. Na mesma semana, minha namorada enviou-me um vídeo da Gabriela Rocha cantando a canção "Restless" (http://www.youtube.com/watch?v=ooQhH3AIu2A). Quando fui procurar quem era a cantora original, descobri a Audrey Assad, uma ex-protestante que se converteu ao Catolicismo. Por meio dela, cheguei ao Matt Maher, outro músico ex-protestante converso! Sem que eu fizesse esforço, encontrava uma série de conversos ex-protestantes. Durante a minha vida toda, nunca tinha ouvido falar dessas conversões, mas apenas de ex-católicos. O meu próprio pai é um ex-católico. Agora, desafio o leitor a procurar na rede livros e depoimentos de ex-católicos que se converteram ao Protestantismo e de ex-protestantes que se converteram ao Catolicismo. Em primeiro lugar, os últimos são inúmeros. Você encontrará muitos depoimentos. Infelizmente, o material em Português não é tão vasto como aquele de Língua Inglesa. O Jaime Francisco de Moura, que já citei, tem um livro chamado "Por que estes ex-protestantes se tornaram Católicos! Testemunhos de ex-pastores e leigos que voltaram à Igreja Mãe". Há, também, o livro "Homens que regressaram à Igreja" do Severin Lamping. Para quem lê na Língua Inglesa, há uma série de três livros editados pelo Patrick Madrid: "Surprised by truth: 11 converts give the biblical an historical reasons for becoming catholic"; "Surprised by truth 2: 15 men and women give the biblical and historical reasons for becoming catholic"; "Surprised by truth 3: 10 more converts explain the biblical and historical reasons for becoming catholic". Compare o nível dos argumentos dos dois lados. Para ser sincero, nunca encontrei um protestante anticatólico que demonstrasse conhecer a doutrina católica. Ainda estou à procura desse livro porque, por enquanto, só encontro argumentos falaciosos que fazem uso de espantalhos. O padre Paulo Ricardo fala num vídeo que os protestantes, em sua grande maioria, rejeitam uma completa caricatura da fé católica (http://www.youtube.com/watch?v=1Pu0AP4VvwU). Os católicos baseiam-se, também, na Tradição. Os textos da patrologia que coloquei aqui são apenas o começo dessa Tradição. Pergunto-me quantos protestantes já leram pelo menos o Catecismo da Igreja Católica. A resposta é óbvia a partir das acusações infundadas que já demonstram ignorância apenas pelo questionamento.

   Discutirei agora o que um apologista católico, também ex-protestante, chamado Dave Armstrong, chama de "o calcanhar de Aquiles do Protestantismo", que é o "Sola Scriptura". Essa doutrina afirma que as Escrituras são tomadas como a única regra de fé e conduta. Se existe algo que aprendi com a Filosofia Analítica, especificamente, com o Paradoxo de Russell, foi que sempre temos de considerar o critério da autorreferência. Se a Escritura é a única base de fé e conduta, pergunto-me onde está isso na Bíblia. A resposta é: não está! Mostrem-me um versículo sequer que afirme isso; pelo contrário, vocês encontrarão inúmeros textos contra a "Sola Scriptura". O próprio Dave Armstrong, que já citei, tem um livro chamado "100 biblical arguments against Sola Sciptura". Eu concordo plenamente com o Armstrong e creio que se a "Sola Scriptura" for derrubada todo o Protestantismo desaba junto. Apenas isso já é suficiente para abandonar o Protestantismo a meu ver. Por isso, estou estudando um vasto material para eu mesmo escrever um livro chamado "O calcanhar de Aquiles do Protestantismo". Para citar apenas alguns textos sobre o assunto, há o livro "Not by Scripture Alone: A Catholic Critique of the Protestant Doctrine of Sola Scriptura", do Robert A. Sungenis, e a trilogia "Holy Scripture: The Ground and Pillar of Our Faith" — "Volume I: A Biblical Defense of the Reformation Principle of Sola Scriptura" (David T. King); "Volume II: An Historical Defense of the Reformation Principle of Sola Scriptura" (William Webster); "Volume III: The Writings of the Church Fathers Affirming the Reformation Principle of Sola Scriptura" (David T. King; William Webster). Como vocês podem ver, esta trilogia defende o "Sola Scriptura". Eu vou ler e estudar essas 1107 páginas de defesa do "Sola Scriptura", fora os outros livros que estou organizando como bibliografia. Isso não é nada mais do que a minha obrigação porque isso é ter honestidade intelectual, o que está difícil de encontrar no Brasil.

   Outro ponto com relação à "Sola Scriptura" é que foi a Igreja quem compilou as Escrituras. Por que os protestantes aceitam a Bíblia como ela está? Que arbitrariedade é essa? Simplesmente, não tem lógica crer que Deus inspirou quem escreveu, mas não inspirou quem ouviria a mensagem e identificá-la-ia como inspirada, como costuma dizer o padre Paulo Ricardo. Por que os protestantes aceitam a autoridade da Igreja Católica para escolher o Novo Testamento, mas não aceitam a autoridade da Igreja para escolher o cânone do Antigo Testamento? Se você quer jogar fora a autoridade da Igreja, jogue fora junto as Escrituras que a própria Igreja escolheu. Tenhamos em mente, agora, a seguinte situação: suponha que alguém me deu uma série de jornais antigos e que eu estou fazendo uma seleção apenas dos noticiários sobre assassinatos, jogando fora todo o resto. Digamos que eu tenha compilado um livro com esse material. Você não encontraria nele, pelo menos em princípio, nada que falasse de eventos que nada tivessem a ver com um assassinato. Da mesma maneira, a Igreja Católica compilou as Escrituras de acordo com a Tradição, com aquilo que ela tinha na oralidade — os métodos foram muitos, mas nos detenhamos apenas nesse quesito a título de argumentação. Vocês acreditam mesmo que haveria algo nas Escrituras que seria contraditório à Tradição e à Doutrina Católica? É muita ingenuidade pensar isso. Alguém pode questionar-me, dizendo que a Igreja Católica perverteu-se com o tempo; no entanto, sinto informá-lo de que o reconhecimento de dogmas no decorrer da história da Igreja, como a Imaculada Conceição ou a Assunção, já mencionadas neste texto, foram apenas reconhecimentos de algo que já estava presente na Igreja. Os diversos textos dos padres apostólicos, por exemplo, comprovam todas as doutrinas católicas. Depois que me convenci de que a "Sola Scriptura" estava, realmente, equivocada, fui procurar os argumentos católicos para as suas doutrinas e fui vendo que todas têm base bíblica. Um outro apologeta ex-protestante que posso recomendar é o filósofo Peter Kreeft. Que princípio é esse que não existiu durante mais de duzentos anos enquanto os cristãos não tinham uma Bíblia compilada e que seria impossível de ser aplicado na Idade Média quando não havia imprensa, as Bíblias eram copiadas à mão e a maior parte das pessoas nem sabia ler? Teria Cristo abandonado a sua Igreja, em vez de estar com ela "todos os dias" como prometeu em Mateus 28.20, resolvendo reaparecer apenas com Lutero e os reformadores depois no século XVI?

   Sempre gostei de interpretação de texto. Uma das áreas que mais estudei em Teologia foi Hermenêutica. Estudando autores como Grant R. Osborne, Kevin Vanhoozer, Uwe Wegner, Gordon Fee, Douglas Stuart, entre outros, você dá-se conta de que a metodologia para interpretar-se a Bíblia, simplesmente, não está na Bíblia. Isso é externo a ela. Envolvi-me durante muito tempo com discussões com calvinistas, uma vez que era arminiano. Percebi, em um dado momento, que, simplesmente, o embate nunca seria resolvido por meio das Escrituras: os dois lados faziam uso delas, mas tinham pressupostos de leitura distintos. Quando li pela primeira vez a Bíblia após ter estudado Descartes, fazendo uso do seu método da dúvida hiperbólica, cheguei à conclusão de que a Bíblia não poderia ser a Palavra de Deus de modo algum, pois achava que a Bíblia não poderia ter nenhum erro de nenhuma estirpe. Ainda não conhecia aos 15 anos as discussões sobre infalibilidade bíblica, inerrância etc. . Acreditei, durante um tempo, que a Ciência seria a norteadora da interpretação bíblica. Com o tempo, percebi que aquilo não daria certo e acreditei que a Lógica seria a condutora; no entanto, vi fracassar esse critério também depois de estudar a fundo. É importante ressaltar que levei a sério o estudo do Trivium medieval — Lógica, Gramática e Retórica. No medievo, era imprescindível que um teólogo estudasse isso; hoje, infelizmente, os teólogos não sabem nem escrever e compreender um texto, quanto mais saber Lógica e Filosofia — creio sinceramente que não se faz Teologia sem Filosofia. No ano passado, usando recursos de Lógica Modal em discussões com um pastor, ele disse que Matemática tinha nada a ver com aquilo. Ele, simplesmente, desconhecia toda a literatura de Filosofia Analítica da Religião. Autores como William Lane Craig, Plantinga ou Swinburne, que qualquer estudante de graduação que estude uma introdução de Filosofia da Religião conhece, usam e abusam de ferramentas lógicas. Quando você denuncia essa inaptidão, ainda por cima, é tido por arrogante, em vez de essas pessoas serem tidas por picaretas. Enfim, o que quero dizer aqui é que percebi que se não apelássemos à Tradição da Igreja, cairíamos num vale-tudo, como de fato o Protestantismo caiu, com suas mais de 30 mil denominações, com outras mil surgindo diariamente, como indicam as estatísticas — não me lembro de onde li isso para indicar os números precisos e a fonte exata. É importante ressaltar que toda vez que se fala de "Tradição" as pessoas falam de "tradições humanas". A própria Igreja Católica faz essa distinção. A Tradição da Igreja são "as verdades transmitidas através dos tempos pela viva Voz de Cristo na sua Igreja". Tradições humanas "são leis feitas por homens e que podem ser modificadas.".

   O próprio Lutero, com o tempo, percebeu o seu erro:
"Este não quer o batismo, aquele nega os sacramentos; há quem admita outro mundo entre este e o juízo final, quem ensina que Cristo não é Deus; uns dizem isto, outros aquilo, em breve serão tantas as seitas e tantas as religiões quantas são as cabeças.". [Luthers M. In. Weimar, XVIII, 547; De Wett III, 61) 
"Se o mundo durar mais tempo, será necessário receber de novo os decretos dos concílios (católicos) a fim de conservar a unidade da fé contra as diversas interpretações da Escritura que por aí correm.". (Carta de Lutero a Zwinglio. In Bougard, Le Christianisme et les temps presents, tomo IV (7), p.289)
   Retirei as duas citações acima de outro livro que indico: "Em defesa da Fé Católica nas questões mais difíceis", do Alessandro Lima.

   Outro ponto do qual discordo há tempos é o "Sola Fide", como vocês podem ver na pergunta de 2011 que fiz ao padre Paulo Ricardo. Leiam Tiago. O livro é muito claro e só não enxerga quem não quer. Lutero sabia disso e por isso dizia: "A carta de Tiago é uma carta de palha, pois não contém nada de evangélico" ("Preface to the New Testament', ed. Dillenberger, p. 19). Todo o Novo Testamento, com as suas advertências para o cristão, simplesmente, não faz sentido se as obras são conseqüências necessárias da fé. Aqui, é importante ressaltar que o católico não crê que as obras salvam. Ouvi o absurdo por parte de um pastor que os sete sacramentos serviam para a salvação. Ele, simplesmente, não sabia nem a definição de um sacramento: "um sinal sensível e eficaz da graça, instituído por Jesus Cristo para santificar as nossas almas". Aproveito aqui para recomendar o excelente livro do Leo J. Trese chamado "A fé explicada". Para quem quer ter uma visão panorâmica do Catolicismo, é um ótimo livro. O Sungenis, que já citei aqui, tem um livro de 773 páginas chamado "Not by faith alone: a biblical study of the catholic doctrine of justification" sobre o assunto. O livro do Trese diz o seguinte:
"Certa vez, li na secção de pequenas notícias de um jornal que um homem construiu uma casa para a sua família. Ele mesmo executou quase todas as obras, investindo todas as suas economias nos materiais. Quando a terminou, verificou com horror que se tinha enganado de propriedade e que a tinha construído no terreno de um vizinho. Este, tranqüilamente, apossou-se da casa, enquanto o construtor não pôde fazer outra coisa senão chorar o dinheiro e o tempo perdidos.
   Por lamentável que nos pareça a história deste homem, não chega a ter importância se a compararmos com a da pessoa que vive sem a graça santificante. Por nobres e heróicas que sejam as suas ações, não têm valor aos olhos de Deus.".
   Vejam que as obras isoladamente, sem a Graça, não servem para nada! Agora, quantos de vocês já ouviram pessoas repetindo que a Igreja Católica crê que as pessoas são salvas pelas obras? Leiam o documento que mencionei neste texto sobre a justificação para vocês entenderem melhor o que a Igreja Católica entende sobre a questão.

   Estudando cada vez mais a Doutrina da Igreja Católica, senti-me extremamente solitário: afinal, estava chegando a várias conclusões apenas por meio do estudo, sem interagir com ninguém que pudesse ajudar-me. Comecei a orar a Deus pedindo ajuda. No dia 24 de maio, fui participar de uma reunião com um grupo de Brasília que pretendia iniciar estudos sobre o Conservadorismo. Quando apareci na reunião, estava lá apenas o Felipe Melo, autor do blog "Juventude Conservadora da UnB"
(http://unbconservadora.blogspot.com.br/).

   Sabia que o Felipe tinha se tornado católico, se não me engano, em 2011. Como estávamos só nós dois, acabamos conversando e disse a ele que estava em uma jornada de conversão ao Catolicismo. Ele disse-me que logo depois da reunião ele iria ao CEAC (http://www.ceacdf.org.br/), um centro católico da Opus Dei. Fiquei meio assustado e disse a ele que o que eu conhecia da Opus Dei vinha dos livros do Dan Brown. Ele logo tranqüilizou-me, dizendo que não encontraria pessoas mutilando-se lá e nem sangue espalhado pelo chão. Fiquei, também, mais tranqüilo porque sabia que o próprio Scott Hahn é da Opus Dei, por meio do seu livro sobre o assunto chamado "Trabalho ordinário, graça extraordinária". Chegando lá, gostei bastante do ambiente. Fui muito bem recebido e acolhido. Ele falou-me do padre Rafael Stanziona de Moraes, cujo livro "Por que confessar-se" recomendo fortemente: o meu entendimento da confissão mudou completamente depois dessa leitura. O Felipe disse-me que o padre Rafael era formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da USP, em Física pela mesma Universidade, que tinha sido professor do IME aos 21 anos, que havia feito mestrado em Matemática e que tinha se doutorado em Teologia Moral pela Universidade de Navarra. Fiquei muito empolgado ao saber disso porque eu mesmo iniciei minha vida acadêmica na Física, fui para a Matemática e terminei na Filosofia. Ainda por cima, estava estudando uma série de textos sobre Teologia Moral. O Felipe disse-me que ele tinha um acompanhamento com o padre Rafael e eu disse que gostaria de fazer o mesmo. Isso ocorreu em uma sexta-feira. Marquei, então, um encontro com o padre Rafael para a terça seguinte.

   Antes de continuar a história, outra razão que me levou ao Catolicismo foi a questão da Moral. No ano passado, por meio de discussões com o professor Julio Cabrera sobre a sua Ética Negativa, após uma série de conferências que fui na UnB, comecei a interessar-me por Ética. Sempre fui uma pessoa mais teórica, meu principal interesse na época era Lógica e Filosofia da Linguagem. Nunca achei que fosse ter interesse em estudar Ética, o que hoje me parece absurdo. Só fui ter aulas pela primeira vez com o professor Cabrera, por quem já tinha admiração desde 2007 — cito ele no meu antigo flog:  (http://www.fotolog.com.br/fabiosal/23552538/) —  no primeiro semestre de 2011. O professor Cabrera, embora eu tivesse dito a ele que nunca tinha estudado nada de Ética e nem feito a disciplina, que fui fazer no meu último semestre na graduação, nunca me desprezou. Pelo contrário, chegou a escrever um texto respondendo questões que tinha feito a ele http://pt.scribd.com/doc/98045319/ACERCA-DO-CARATER-CONTINGENTE-DA-ETICA-NEGATIVA-Julio-Cabrera . Ainda estou devendo uma resposta a ele. Digo isso porque já tive a experiência de pessoas acreditarem que o seu diploma é uma razão suficiente para que se tenha alguma autoridade, desprezando quem não tenha um. O filósofo Olavo de Carvalho, que mencionei aqui, não tem diploma e é, simplesmente, a pessoa mais culta que já conheci. O professor Cabrera sempre me tratou com igualdade em todas as discussões que já tive com ele — e olha que não foram poucas. Meus argumentos sempre foram tratados enquanto argumentos a despeito do fato de eu ter um diploma na época ou não, do fato de ele ter muitos mais anos de estudo que eu, ser muito mais culto ou pelo fato de eu nunca ter estudado Ética. Curiosamente, quando fui fazer oficialmente o curso de Ética, que infelizmente não fiz com o professor Cabrera, dei-me conta de que aprenderia nada nele porque tinha aprendido muito mais por meio das discussões com o professor Cabrera.

   Na época, fui convencido de que a procriação seria imoral, como o professor Cabrera defende a partir da sua Ética Negativa, mas o interessante é que os seus argumentos não dependem do seu sistema ético particular. Durante muito tempo, defendi que a procriação seria imoral e cheguei a convencer outras pessoas, incluindo a minha própria namorada. Um argumento do padre Paulo Ricardo, entretanto, foi crucial para mudar o meu pensamento. Ele dizia que uma pessoa que se questiona sobre o número de filhos já não está pensando a partir de uma cosmovisão cristã, uma vez que toda a Bíblia mostra os filhos como sendo bênçãos, e uma questão que sempre me incomodou a partir daquilo que vejo em outras pessoas sempre foi a questão de elas dizerem-se cristãs defendendo pontos completamente absurdos quando se tem em vista o Cristianismo. Enfim, comecei a buscar literaturas que discutissem a Ética Cristã. Para a minha surpresa, encontrei quase nada produzido entre os protestantes e uma vasta discussão entre os católicos. Tomás de Aquino, Santo Afonso de Ligório, Dietrich von Hildebrand, Bernhard Häring, Servais Pinckaers, Martin Rhonheimer, o próprio Alasdair MacIntyre, que é um filósofo bastante conhecido, Jacques Maritain, entre muitos outros. Todos eles católicos! Fiquei impressionado com toda a discussão moral desses autores. O que me impressionou também foi que várias conclusões a que cheguei em termos de Ética pensando sozinho já eram defendidas pela Igreja Católica. Não foi apenas a Teologia Moral católica que me impressionou, mas a sua Teologia de modo geral. Teólogos como Henri de Lubac, Bernard Lonergan, Hans Urs von Balthasar, Reginald Garrigou-Lagrange, Jean Daniélou, o próprio Ratzinger, o Papa João Paulo II, com a sua Teologia do Corpo maravilhosa, entre muitos outros são de um nível altíssimo. Quando você estuda esses teólogos e passa para um teólogo protestante, a diferença de nível é realmente gritante.

   O Scott Hahn já tinha apontado para uma questão no "Todos os caminhos levam a Roma" que me fizeram ter cuidado com a questão litúrgica. Li dois livros dele sobre o assunto: "O Banquete do Cordeiro" e "A Sagrada Escritura no Mistério da Santa Missa", organizado junto com o Flaherty. O Scott relata no seu livro sobre a sua conversão, as diferença entre a missa e um culto evangélico. Eu sabia que não encontraria um coro todos os domingos com várias vozes como eu tinha na minha igreja antiga. Sabia que não teria um órgão imponente como havia na minha igreja batista. Sabia, entretanto, que os católicos criam na transubstanciação, presença real de Cristo na Missa, e que ela toda tinha uma razão de ser que o Scott Hahn explica muito bem. Depois da explicação dele, não vejo, por exemplo, como entender o Apocalipse sem a Missa — na verdade, é Apocalipse que explica a Missa. Só fui à minha primeira Missa depois de ter certeza de que eu entenderia o que está acontecendo nela em termos litúrgicos. No dia 16 de junho, fui à minha primeira missa na Paróquia São Pedro de Alcântara. Tinha dito ao padre Rafael que a minha antiga Igreja costumava ter um culto muito cuidadoso e que gostaria de freqüentar uma paróquia que tivesse cuidado com a liturgia. Dentre as duas que ele indicou-me, essa era a que ficava mais perto de casa. Foi emocionante ver na Missa tudo aquilo que eu tinha estudado. Vi com os meus próprios olhos como os católicos respeitavam as Escrituras —  o Scott Hahn já tinha explicado que se você for às missas todos os dias durante três anos você escutaria toda a Escritura na Missa, diferentemente dos cultos evangélicos nos quais o pastor prega o que quiser. Já tinha ouvido falar dos milagres eucarísticos, mas tive a oportunidade de presenciar um milagre durante uma Missa no dia 16 de junho na minha própria vida. Isso eu contarei algum dia quando escrever melhor sobre a minha conversão em algum livro. Como dizia Tomás de Aquino, "contra fatos, não há argumentos".

   Uma pessoa que também me ajudou bastante foi um professor meu com quem, também, tive a primeira aula no primeiro semestre de 2011, chamado Scott Randall Paine. Coincidentemente, o professor Scott, que é outra das pessoas mais cultas que já conheci, é um especialista na obra de Chesterton. Ele fez o seu doutorado sobre Chesterton — "Chesterton e o universo". No ano passado, fiz dois cursos com o professor Scott sobre Filosofia Oriental. No segundo semestre, o professor emprestou-me um livro que estava carimbado como "Rev. Scott Randall Paine". Eu perguntei a ele sobre o "Reverendo" e ele disse-me que era padre. Até então, eu não sabia. Contei várias das minhas dúvidas sobre o Catolicismo ao professor Scott e ele ajudou-me com várias delas. Outra coisa que me impressionou muito no Catolicismo é algo que já tinha me impressionado nos meus estudos de religiões orientais: todas elas tinham costumes que envolviam toda a dimensão humana, seja física ou mental. O Protestantismo era muito abstrato quando comparado às grandes religiões — nunca achei que fosse reclamar de excesso de abstração. O Catolicismo possui toda uma dimensão ascética e mística — não confundam com esoterismo! Recomendo o excelente "Compêndio de Teologia Ascética e Mística" do pe. Tanquerey — que não existe no Protestantismo. A minha vida de santificação tem se tornado mais fácil e, por incrível que pareça, o próprio entendimento de várias doutrinas católicas ajudam na sua vida espiritual. Eu seguiria o Catolicismo mesmo que me fizesse mal porque sei que é verdadeiro, mas nunca me senti tão bem na minha vida. Sempre ouvi falar de uma felicidade que o Cristianismo deveria produzir, mas só tenho descoberto essa felicidade depois da minha descoberta do Catolicismo. Deus tem colocado na minha vida pessoas realmente comprometidas com a Sua Palavra e que são extremamente piedosas e, como se já não bastasse a sua piedade, além do mais, conhecem bastante as Escrituras e a Tradição da Igreja Católica.

   Não posso deixar de citar um grande amigo que conheci pelo Facebook, que é o Arthur Olinto, que está passando por uma experiência bem parecida com a minha. Temos planos de escrever um livro sobre a nossa conversão ao Catolicismo. Na semana passada, conheci o padre da paróquia que estou freqüentando: tinha marcado um dia para conversar com ele. Expliquei ao padre Givanildo sobre a minha conversão e, para a minha alegria, soube que a paróquia tinha um coral. No mesmo dia, em uma quarta-feira, fui ao ensaio e reconheci a lindíssima "Cantique de jean Racine" de Fauré no ensaio. Gosto muito de música e temia que não tivesse a oportunidade de usar o meu dom na Igreja. Até nisso Deus foi bondoso comigo. Ouvi, um dia desses, um comentário malicioso de que as missas são sem graça quando comparadas ao cultos protestantes. Penso que a pirotecnia, o espetáculo e a pompa costumam ser inversamente proporcionais àquilo que realmente tem importância. Quando, por exemplo, um artista precisa de mil bailarinos, fogos de artifício e efeitos especiais, é porque o seu talento não é suficiente para despertar o interesse do ouvinte. Não trocaria, sinceramente, qualquer show da Beyoncé, por exemplo, por um show do Caetano Veloso. Qualquer semelhança com a diferença entre o minimalismo das missas católicas e a grandiloqüência dos cultos protestantes não é mera coincidência.

   Para terminar, tenho sofrido uma perseguição e uma incompreensão por parte dos protestantes que nunca cheguei a sofrer quando me declarava ser um agnóstico. Creio que a razão principal deve ser porque a maior parte das pessoas nem sabia do que se tratava ser um agnóstico, enquanto o espantalho do Catolicismo está pronto para ser queimado: afinal, não é todo mundo que vai dar-se ao trabalho de estudar os documentos eclesiásticos, a patrologia e a patrística, os textos dos doutores da Igreja etc. Tenho tentado não reagir ao anticatolicismo dos Protestantes com um antiprotestantismo; no entanto, tem sido difícil. Já cheguei a ouvir que "o Diabo está batendo palmas" diante da notícia da minha conversão. Não tinha a noção de que as pessoas fossem tão intolerantes. Sinto-me confortado pelas palavras de Tomás de Kempis:
"Cristo teve adversários e difamadores; e você quer ter todos os homens por amigos e benfeitores seus? [...] Viver pacificamente com pessoas difíceis, e perversas, ou indisciplinadas, é uma grande graça e um feito muitíssimo louvável e corajoso. Não obstante, toda nossa paz nessa vida miserável consiste mais em sofrimento humilde do que em não sentir as adversidades. Seja forte com Cristo, e por Cristo, se você deseja Reinar com Cristo.".
   Tenho constatado na prática o que disse certa feita Pio XII:
"os homens [...] facilmente procuram persuadir-se de que seja falso ou ao menos duvidoso aquilo que não desejam que seja verdadeiro.". 
   As pessoas, infelizmente, estão pouco interessadas na verdade, por mais que saibam que no Cristianismo a verdade é Cristo. Conheço, ainda, muito pouco do Catolicismo se eu for comparar a outras coisas que já estudei: afinal, descobri todo um mundo que nunca havia explorado. Quanto mais estudo, no entanto, mais tenho a certeza de que a Igreja Católica tem sido desde sempre o depósito da fé cristã e que Cristo nunca abandonou a Sua Igreja, mas sempre esteve com ela.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Sobre a dispensabilidade dos noticiários

"Mesmo em tempo de paz acho que estão redondamente enganados os que defendem que meros meninos devam ser incentivados a ler jornais. Quase tudo o que um menino lê lá na adolescência já terá sido reconhecido como falso em ênfase e interpretação, ou mesmo em fato, quando o mesmo menino estiver na casa dos vinte anos - e a maioria dessas informações terá perdido toda a importância. A maior parte do que estiver gravado na memória precisará, portanto, ser desaprendido; e ele provavelmente terá adquirido um gosto incurável pela vulgaridade e o sensacionalismo, e o hábito fatal de esvoaçar de parágrafo a parágrafo para ver que uma atriz se divorciou na Califórnia, um trem descarrilou na França e quadrigêmeos nasceram na Nova Zelândia.". [C. S. Lewis]
Não me lembro, precisamente, de onde tirei o trecho acima do C. S. Lewis. Já o usei numa postagem num fotolog que tinha — http://www.fotolog.com.br/fabiosal/20732907/. Em 2007, ainda era agnóstico. Como os meus colegas cristãos insistiam muito para que eu lesse C. S. Lewis, resolvi lê-lo. Naquele ano, li praticamente tudo o que havia sido lançado dele em Português, com exceção das Crônicas de Nárnia — se a Dani, minha namorada, ler isso, ela vai pegar no meu pé: ela tem o volume único e emprestou-mo para que eu tivesse o trabalho de lê-lo há muitos anos; no entanto, sempre adio a sua leitura. Confesso que achei o Lewis muito fraco. Ele sempre começava bem a argumentação, mas perdia-se. O melhor argumento que li nele, no Cristianismo Puro e Simples, foi o de que não existia isso de você ser um mero admirador de Cristo: ou você o admirava e cria no que ele disse ou acharia que ele era um louco. Não tinha meio termo — tertium non datur. Na época, eu era daqueles que dizia que apenas tinha admiração por Cristo. Na mesma semana em que li isso, tomei notícia de um artigo que buscava mostrar como psicopatologias estão relacionadas àqueles que são religiosos. Optei, na época, por crer, então, que Cristo, de fato, foi um maluco qualquer. Creio que, se lesse o Lewis hoje, talvez teria outra percepção acerca dele. Acredito que ele seja uma leitura para cristãos, não para agnósticos ou ateus. Confesso, inclusive, que estou muito curioso para ler o livro que a É Realizações lançou recentemente, intitulado Alegoria do Amor.

Nasci num lar onde a informação fornecida pelos noticiários sempre foi privilegiada. Meu pai é uma pessoa muito bem "informada" — o uso das aspas aqui ficará mais claro no decorrer do texto. Ele sempre leu jornais, ouviu os noticiários no rádio — achava muito chato mesmo isso quando era criança, e meu pai ficava ouvindo "A voz do Brasil" no carro quando pegava a mim e minha irmã no colégio. Meus pais vêem o Jornal Nacional, todos os dias, desde que me entendo por gente. Comecei a dar certa importância a isso quando, no meu segundo ano do Ensino Médio, um professor de Geografia dava-nos pontuações a mais na prova por questões extras. Ele também destacava a importância de estar bem informado para ser bem sucedido no PAS e no vestibular. Foi nessa época que começamos a assinar a revista Veja aqui em casa. Nessa época, eu acompanhava, além da Veja, a Carta Capital, Caros Amigos, Primeira Leitura, Época, IstoÉ, entre outras revistas.

No semestre passado, uma professora minha sempre comentava notícias recentes e, pelo desconhecimento da turma sobre os assuntos, ficava de ironias, perguntando se não acompanhávamos os noticiários. As pessoas costumam tomar por pressuposto que, de fato, é importantíssimo ser uma pessoa bem informada sem ter nenhuma reflexão crítica sobre o assunto. No ano passado, fiz uma prova para ser consultor legislativo do Senado na área de pronunciamentos. Estudei muito, mas não caiu praticamente nada do que eu estudei. Vejam uma questão que caiu na área de atualidades:
"Em um polêmico livro recém-lançado, Mimi Breardsley faz revelações surpreendentes e narra como o presidente John Kennedy a embebedou e seduziu quando, aos 19 anos, trabalhou como estagiária na Casa Branca. No livro, a Sra. Alford, sobrenome de casada, revela que foi trabalhar como estagiária na assessoria de imprensa da Casa Branca e que, depois de quatro dias, um assessor confiável, David Powers, ofereceu-lhe vários daiquiris antes de o presidente Kennedy lhe conceder um tour privado pela Casa Branca, que acabou no leito da primeira dama, que estava fora. 
O que mais veio à tona com o relato de Mimi Alford? 
(A) Jacqueline Kennedy ficou sabendo do que houve no dia seguinte, através de sua secretária e agrediu o Presidente Kennedy. 
(B) Mimi manteve o romance com o presidente até Jacqueline descobrir e mandar demiti-la da Casa Branca. 
(C) Mimi teve que fazer dois abortos em quase um ano de namoro. 
(D) Durante o fim de semana da morte de Kennedy, Mimi planejava o casamento com seu noivo, mas, arrasada pela dor, confessou o affair secreto que manteve durante todo o namoro. 
(E) Mimi, atualmente em dificuldades financeiras, decidiu revelar toda a verdade.".
Não tinha a menor idéia da resposta dessa questão e confesso que até hoje não a sei, nem quero sabê-la. Ter cultura, hoje em dia, é ter conhecimento de um livro publicado pela amante de um presidente. Isso é lamentável. Hoje em dia, fico sabendo dos acontecimentos pelo Facebook ou porque alguém conhecido faz algum comentário sobre eles. Por exemplo, no caso recente do incêndio de Santa Maria, só fiquei sabendo, tardiamente, depois de todos comentarem o assunto. O que fiz? Achei um texto resumindo como tudo aconteceu. Os noticiários, contrariamente, ficam dando cobertura de um mesmo assunto, por semanas, e as pessoas, incrivelmente, conseguem não entediar-se com isso; entretanto, entediam-se se um livro tem mais de 50 páginas, e não tem figuras, aventuras ou relatos picantes. Vocês podem dizer que sou insensível ou coisa parecida, mas eu me pergunto: qual é a relevância de saber que houve um incêndio em Santa Maria, tendo conhecimento de todos os detalhes do ocorrido? Obviamente, estou fazendo essa pergunta tendo por base o pensamento comum de que, por meio dos noticiários, você terá informações muito importantes para ter uma melhor compreensão do mundo. Pergunto-me quantas dessas pessoas informadíssimas sabem, por exemplo, quem foi Nagarjuna, que foi um dos pensadores mais importantes no Oriente. Para não apelar tanto, fazendo menção a uma cultura tão diferente da nossa, pergunto-me quantas pessoas, entre essas que vêem uma necessidade extrema em acompanhar as notícias, conhecem as obras clássicas na história da literatura ocidental que influenciaram fortemente a nossa cultura. Talvez alguns irão dizer-me que uma coisa não exclui a outra: alguém pode perfeitamente acompanhar os noticiários, e ter o tipo de conhecimento geral de que estou falando. O grande problema, pra mim, é que, infelizmente, temos um tempo muito curto de vida, tendo em vista a grandiosidade do conhecimento acumulado ao longo da história, sem contar aquele que é acrescido diariamente àquilo que já foi feito. Eu diria que acompanhar o noticiário, uma vez por semana, já é mais do que suficiente.

Percebi que até aqui falei mais sobre impressões pessoais, e não fui muito argumentativo. Com caridade — algo muito raro de ser dispensado às falas dos outros —, pode-se perceber que eu apresentei argumentos. Como, entretanto, sempre gosto de discutir os assuntos buscando objetividade — se não houver essa busca, não tem sentido discutir apenas no campo do achismo —, elencarei o que forneci até aqui:

1) A relevância dos assuntos noticiados é extremamente discutível — tenham a citação do Lewis em mente;

2) nosso tempo de vida é curto quando comparado ao conhecimento a ser adquirido; logo, devemos priorizar o que, de fato, é comumente aceito por relevante.

Um professor meu disse, certa feita, que ele não dá muita atenção para o que é feito nos últimos 50 anos. Não sabemos, por exemplo, se um filósofo badalado de hoje terá alguma relevância daqui a 300 anos. Sabemos, entretanto, perfeitamente, que Platão e Aristóteles, por exemplo, são cruciais na história do pensamento ocidental. Conversando sobre o assunto com a Dani, ela me disse que ignorar completamente o que é feito hoje pode implicar o desconhecimento de alguém que seja tido como importante; por exemplo, se as pessoas, na época de Platão e de Aristóteles, tivessem pensado assim, elas não teriam tido contato com dois gênios da humanidade, mesmo tendo vivido na mesma época que eles. Concordo perfeitamente com ela; entretanto, eu diria que não é o caso de ignorar-se tudo o que se faz recentemente, mas apenas de conferir menor esforço e tempo, proporcionalmente, para estudar-se e tomar-se conhecimento do que é produzido hoje.

O mesmo argumento que uso aqui também pode ser utilizado para filmes, livros etc. Conheço pessoas que se gabam de ter lido um livro 5 vezes ou de ter visto um mesmo filme 10 vezes. Pergunto-me o que essas pessoas têm na cabeça. Parece-me tão óbvio que isso seja uma perda de tempo. Confesso, entretanto, que não consigo usar esse critério no campo musical — obviamente, não o uso também no tocante às Escrituras, embora sempre busque ler traduções diferentes. Ouço canções mais de uma vez, embora tente não perder muito tempo com isso a fim de poder abarcar outras obras reconhecidamente relevantes. O único argumento que antevejo para alguém defender-se seria dizer que não se tem a mesma leitura de uma mesma obra porque a pessoa mudou; contudo, esse argumento não anula o fato de que há uma imensidão de conhecimento a ser perscrutada.

Sei que nem todo mundo enxerga a sua existência como tendo por objetivo a busca do conhecimento. Sinceramente, creio, assim como Platão, que uma vida não questionada não merece ser vivida; entretanto, claramente, Platão não falava de meras perguntas. Alguns acreditam piamente que fazer perguntas, a torto e a direito, é algum sinal de inteligência. Qualquer criança é capaz de sair fazendo perguntas. Alguém, cujo nome falha-me à memória, disse que se conhece um homem mais pelas suas perguntas do que pelas suas respostas. A minha experiência, em salas de aula, faz-me crer nisso. Enfim, o que quero dizer é que questionar a vida não é apenas fazer perguntas sobre ela, mas tomar conhecimento das respostas: afinal, como questionar-se sobre algo sem ter algum conhecimento sobre o que se quer pôr em questão? Terminamos com o dilema platônico: se buscamos o conhecimento, já devemos conhecê-lo: do contrário, não poderíamos sequer buscá-lo; entretanto, se já o conhecemos, por que o buscamos?


domingo, 10 de março de 2013

Por que me recuso a escrever menos

Não é de hoje que as pessoas costumam interpelar-me para mencionar que eu escrevo demais e que deveria escrever menos, seja no Facebook ou aqui — na época dos flogs, já me perturbavam com isso. Confesso que não consigo entender em absoluto quais são as intenções de alguém que me diz um conselho desses. Aplico todo o meu conhecimento sobre implicaturas conversacionais, e não consigo entender o que as pessoas querem dizer. A explicação mais plausível que vejo é a de que elas simplesmente querem expressar que se sentem, de alguma maneira, incomodadas por terem preguiça de ler o que eu escrevo. Algo que sempre me incomodou nas relações pessoais é que, geralmente, elas costumam ser assimétricas. Explico-me. Perdi a conta do número de vezes nas quais as pessoas disseram-me coisas sem ter a menor preocupação, mas que, se eu fizesse precisamente a mesma coisa, elas se sentiriam extremamente ofendidas. Dou um exemplo: suponha que eu tenha feito um corte de cabelo novo. Saio de casa, e a primeira coisa que alguém do meu convívio — não necessariamente alguém muito íntimo — diz é que o meu penteado está ridículo, expressando-se da maneira mais deselegante e descortês possível. Como não sou uma pessoa que costuma sentir-se ofendida por qualquer coisa — digo, freqüentemente, que esse é um dos males da nossa sociedade de hoje (talvez, algum dia, eu escreva sobre isso) —, não protesto frente aos comentários desnecessários que não foram solicitados. Aceito-os, mesmo que seja a contragosto. A histeria, entretanto, daqueles que têm a sua opinião contrariada, no menor detalhe, é completamente desproporcional.

Uma das piores marcas do convívio social é o fato de você estar inserto no meio de pessoas irracionais. Antes de estudar, formalmente, a Pragmática, acreditava, piamente, que eu deveria dizer as coisas sem preocupar-me com o modo como falava: se quero emitir um juízo, por que não ser o mais conciso possível? Dizer "2+2=4" é equivalente a dizer "1+1+1+1=4". Por que preterir o uso daquela expressão em favorecimento desta? Sempre julguei que a comunicação dava-se em termos de referências: se duas frases têm a mesma referência, não interessa qual frase eu profira. Hoje, depois de estudar um pouco de retórica, eu sei que a coisa não é tão simples, pelo menos em meio a pessoas completamente alheias ao pensamento lógico, não tendo, portanto, nenhum tipo de coerência. É realmente muito chato você querer dizer algo, e ter de fazer uma longa introdução, por meio de bajulações e de falsas demonstrações de humildade, para não ser mal interpretado. Experimente, por exemplo, mencionar um autor desconhecido numa discussão sem antes dar explicações de que você está, de fato, interessado no debate, não em demonstrar erudição ou coisa parecida. Na verdade, isso me leva a um texto que concebi há tempos que pretendo escrever um dia aqui que tratará sobre o papel do princípio hermenêutico da caridade nas relações interpessoais.

O título da postagem de hoje diz respeito a razões pelas quais me recuso, terminantemente, a escrever menos seja onde for. Vamos às razões. A primeira delas é a minha crença de que as pessoas não têm absolutamente nada a ver com a quantidade de linhas que escrevo. Isso não lhe diz respeito e nunca pedi a opinião de ninguém sobre o assunto. Se você achou a minha fala grosseira, o tom foi proposital, uma vez que acho igualmente grosseiro alguém dar palpite sobre isso sem que tenha recebido um convite para manifestar-se. O que tenho pra dizer, talvez, confesso, por própria incompetência minha, não pode ser dito em 140 caracteres. De qualquer maneira, duvido que alguém que já não lê o que eu escrevo dar-se-ia ao trabalho de fazê-lo se eu fosse mais econômico. Antes de continuar — aqui, entra a parte chata que mencionei de ter de ficar dando explicações desnecessárias para quem é irracional —, este texto não é dirigido a ninguém especificamente. Como mencionei no início, há tempos sou confrontado com essa sugestão de escrever menos e direciono as palavras da postagem de hoje não apenas àquelas que já me deram essa sugestão, mas a todos que já pensaram em dizer-me isso. Confesso também que é sempre bom já ter um texto pronto para fornecer àqueles que costumam recorrer a frases feitas, poupando-me o trabalho de reescrever o que já tenha dito a outras pessoas.

O que eu sempre achei engraçado é que as pessoas costumam dar as desculpas mais estapafúrdias do mundo para deixarem de ler. A mais corrente é uma pretensa falta de tempo. Experimente, entretanto, falar sobre os jogos do fim de semana: dificilmente, a pessoa demonstrará ignorância sobre eles. Respeito a sua opção, embora tenha desprezo pelo seu conteúdo, e espero ser respeitado pela minha opção de ler, de estudar e de escrever, em vez de perder tempo com novelas, telejornais, jogos esportivos ou videogames. Você pode preferir ver um jogo de futebol a ler o que eu escrevo, mas não me venha com a desculpa de que lhe falta tempo. 

O filósofo brasileiro Olavo de Carvalho costuma dizer que aquilo que não verbalizamos escraviza-nos. Ele, ainda, menciona que as psicoterapias costumam funcionar, justamente, a partir da metodologia da verbalização. Durante muito tempo, não compreendi por que eu sempre senti a necessidade de escrever desde muito novo. Tinha algumas pistas. Nunca fui uma pessoa de muitas amizades. Sempre tive amizades profundas, mas que poderiam ser contadas com apenas uma palma da mão. Lembro-me de que a minha irmã, contrariamente, sempre foi uma pessoa que tinha muita facilidade de conseguir amizades. Foram inúmeras as vezes que fui convidado a festas de aniversário apenas porque era irmão dela; inclusive, a minha amizade com um dos meus melhores amigos iniciou-se, justamente, porque minha irmã foi chamada para ir à casa da irmã desse meu amigo, e eu entrei de gaiato na história. Os colegas que tive, nos blocos em que morávamos, com algumas exceções, eram, na verdade, amigas da minha irmã. Acabava, então, sendo obrigado a brincar de queimada e de elástico. Atrelada à minha introversão estava a minha afinidade natural com as mulheres. A maior parte das minhas amizades era constituída por mulheres. Quando criança, uma psicóloga chegou a alertar a minha mãe para o fato — mal sabia ela que eu "namorava" várias daquelas amigas. Na primeira série do Ensino Fundamental, pedi uma colega em namoro, e ela disse que só aceitaria se eu aceitasse namorar mais duas amigas dela. O resultado foi que ganhei três presentes no dia dos namorados, e tive de presentear três meninas. Ainda na primeira série, ganhei uma medalha por ter escrito o melhor texto numa competição no colégio. Todas as minhas amigas tinham diários, e acabei adquirindo o hábito também de escrever diários — infelizmente, não tenho esse material guardado. Vale ressaltar também outros fatores que me aproximaram das meninas na minha infância. Lembro-me de que, na primeira série, até jogava futebol bem. Lembro, nitidamente, que jogava com o pessoal da terceira série e que eles me elogiavam, dizendo que não parecia que eu era da primeira série. Não sei o que aconteceu, mas, de repente, deixei de ser craque e tornei-me um verdadeiro pereba. Tentei, durante alguns anos, virar-me no gol, mas nunca tive muito sucesso, embora fosse um tanto sortudo em várias jogadas, impressionando os meus colegas, especialmente nos pênaltis. Restava-me, portanto, enturmar-me com as meninas no recreio, poupando a mim mesmo da vergonha de demonstrar minha completa falta de traquejo com o futebol. Confesso que a catinga proveniente dos sovacos alheios também me distanciava daquelas atividades esportivas. Houve uma fase em que virei um experto no espirobol e ainda uma fase na qual consegui encontrar outros colegas nerds que gostavam de game boy e estavam viciados em Pokémon; entretanto, apenas durante dois anos — oitava série e primeiro primeiro ano (repeti o primeiro ano do Ensino Médio) — tive amizades de preponderância do sexo masculino. Toda essa digressão foi para falar sobre como deu-se a minha intimidade com a escrita — pulei várias partes que espero contar de modo pormenorizado, algum dia, nas minhas cartas autobiográficas. 

A título de conclusão, a escrita para mim, portanto, é uma espécie de terapia, além de ser também uma espécie de confessionário — tenho estudado sobre o Catolicismo ultimamente e lido um pouco sobre como é crucial o papel da confissão no âmbito católico. A quantidade de linhas que escreverei será aquela suficiente para que eu me sinta em paz comigo mesmo, não aquela que será do seu agrado por uma questão de preguiça. Não escrevo para agradar a ninguém; então, não mudarei a minha escrita em absolutamente nada se não for uma decisão livre minha. Creio, inclusive, que, como Nietzsche, nasci póstumo: talvez meus leitores ainda não tenham sequer nascido. Houve um compositor cujo nome falha-me à memória, que disse, certa feita, compor como quem fazia suas necessidades fisiológicas — ele não foi tão polido assim. Escrevo também por necessidade, não de ordem fisiológica, mas existencial. Antes de aprender a ler e a escrever, meu pai lia histórias para mim, antes de eu dormir, e, para mim, era um verdadeiro mistério a maneira como meu pai abria um livro e tirava dele tantas coisas a partir de símbolos que não faziam sentido para mim. A escrita, para mim, é sagrada, assim como a linguagem de modo geral, e tenho com ela uma intimidade tal que me parece absurda qualquer tentativa de intromissão na relação que tenho com ela, lembrando, obviamente, que não inventei a Língua Portuguesa e que, portanto, devo satisfações, mesmo assim, a algo que tomo por empréstimo, por mais que seja íntima a minha relação com o Português; entretanto, a intromissão que discuto neste texto não é de ordem gramatical. Na verdade, creio que nem seja de ordem lógica, nem estética; talvez, meramente psicológica. Enfim, não meta o bedelho onde não for chamado, principalmente se não tiver razões objetivas para opinar. Dispenso palpiteiros.


sexta-feira, 8 de março de 2013

Novas considerações sobre o embate Evolucionismo vs. Criacionismo



   Não me lembro de quando, exatamente, comecei a estudar e a interessar-me pela discussão entre evolucionistas e criacionistas. Lembro-me, apenas, de que foi no Ensino Médio e de que foi antes do terceiro ano do Ensino Médio, que foi quando aprendi formalmente sobre a Evolução — por sinal, tive um excelente curso: isso ficou nítido quando discutia sobre o tema com outras pessoas e quando via os absurdos nos diversos textos sobre a questão. Uma das minhas primeiras fontes de pesquisa, na época, foi o site do Marcus Valério — http://www.evo.bio.br/ —, lembrando que ele nada tem a ver com aquele do mensalão. Quanto mais eu estudava o assunto, mais via o equívoco por parte dos criacionistas. Acabei identificando-me como um "evolucionista teísta", que é um termo que acredito que seja bastante problemático, assim como quase toda a terminologia envolvida no debate. Como "teísmo" é um termo muito abrangente, creio que o mais adequado seria falar de um "cristianismo evolucionista". Enfim, percebendo, no início de 2011, que havia pouca literatura em Língua Portuguesa sobre o assunto que fosse séria, resolvi contactar outras pessoas cristãs que tivessem o pensamento semelhante ao meu para que fizéssemos um site que promovesse a discussão sobre o assunto de maneira honesta. Conheci algumas pessoas que se mostraram dispostas a colaborar com o meu projeto, mas ele acabou não saindo do papel por diversas razões que não vêm ao caso. Desde então, sempre tenho lido livros sobre o assunto e acompanhado a discussão — hoje, não o faço mais com tanto afinco. O que sempre noto é que as pessoas que costumam debater o assunto, via de regra, não sabem do que falam: desconhecem o funcionamento da metodologia científica, não sabem absolutamente nada sobre hermenêutica bíblica, sendo ignorantes sobre Teologia de modo geral, além de não terem a mínima idéia do que é o pensamento filosófico. Esses são os prerrequisitos que creio serem rudimentares para opinar sobre o tema. O meu objetivo com o texto de hoje é explicar por que considero o debate entre criacionistas e evolucionistas sem sentido, de modo que não digo mais hoje que sou um evolucionista teísta, como costumava fazer antes.

   Em primeiro lugar, tenho de tecer algumas considerações sobre a prática científica. O lógico e filósofo brasileiro Newton da Costa criou uma teoria da verdade chamada Teoria da Quase-Verdade — para uma boa introdução ao assunto, recomendo o seu texto intitulado O Conhecimento Científico. De modo simplificado e resumido, da Costa defende que a Ciência busca a quase-verdade e não a verdade. Grosso modo, existem dois tipos de inferências: dedutivas e indutivas. Naquelas, há um vínculo de nexo causal necessário entre premissas e conclusão, enquanto nestas há apenas um vínculo de possibilidade ou probabilidade. Exemplos de inferências dedutivas são demonstrações matemáticas. Quando provo um teorema, estou fazendo uma dedução. A Ciência, de modo geral, trabalha com induções. A título de exemplo, pensemos na Física — costumo utilizá-la por exemplo porque é uma área que estudei de modo mais aprofundado, com ela tendo, portanto, maior afinidade. Quando um físico afirma que a força gravitacional é inversamente proporcional ao quadrado da distância das massas em questão, significa que ele, por meio de alguns experimentos em algum laboratório, fez medições que o levaram a crer que as massas na natureza apresentam tal comportamento. O físico pressupõe que a natureza sempre se comportou dessa maneira e que ela sempre se comportará assim em qualquer lugar do universo — estou simplificando as coisas: de fato, há físicos hoje que buscam trabalhar com leis físicas que se modificam com o tempo. Quando, a partir de uma quantidade qualquer de repetições, o físico afirma que a natureza sempre apresentará um comportamento determinado a partir do seu experimento, ele está fazendo uma inferência indutiva, ou seja, pode ser o caso de, no futuro, a natureza apresentar um comportamento diferente daquele observado, enquanto uma demonstração matemática nunca será falsa em nenhuma circunstância, admitindo-se, obviamente, que se esteja no mesmo sistema no qual a demonstração foi efetuada. O que o cientista está buscando, portanto, é sempre se aproximar o máximo possível daquilo que ele observa. 

   Façamos uso de um exemplo histórico. Newton construiu a sua mecânica. Einstein, posteriormente, construiu a sua mecânica relativística, que derrogava vários princípios clássicos, embora, em certas circunstâncias, a sua mecânica fosse reduzida à clássica; por exemplo, em casos de baixas velocidades. O mesmo caso deu-se com a mecânica quântica. Ora, não temos nenhuma garantia de que, no futuro, não tenhamos uma nova mecânica que descreva melhor o mundo, dando explicações mais satisfatórias, assim como não podemos garantir que esta nova mecânica, por sua vez, não seja substituída por outra. Buscando modelar essa prática corrente da ciência, o Newton da Costa criou o conceito de quase-verdade, uma vez que a ciência sempre está em busca de aperfeiçoamentos e não de teorias definitivas, no sentido de que uma teoria definitiva deveria ser irrefutável. A própria possibilidade de que a teoria possa ser refutada para poder ser tida por científica — lembremo-nos da falseabilidade de Popper — já dá indícios de que, como diria da Costa, uma teoria científica é formulada para ser superada.
   
   Ora, por que nunca vi um cristão dizer-se ser um relativista teísta, um quântico teísta ou dizer-se ser um X teísta, sendo X qualquer teoria científica? Na verdade, já conheço a resposta. Os ateus apropriaram-se do Evolucionismo, atrelando-o ao naturalismo, para defender a sua causa e acabaram fomentando uma aversão ao Evolucionismo por parte de certos cristãos. O filósofo Alvin Plantinga, num livro recente chamado Where the Conflict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism, mostra claramente que a Evolução não implica um naturalismo. Tive a oportunidade de ouvi-lo em 2011 no IV Congresso Brasileiro de Filosofia da Religião. Voltando à questão da terminologia, o próprio termo "criacionismo" é péssimo para ser contraposto ao termo "evolucionismo": o uso dessas palavras leva, muitas vezes, à mais completa confusão. Perdi a conta do número de vezes que tive de explicar que cria na Evolução, mas que cria, também, que Deus criou o mundo. Outra confusão corrente refere-se ao entendimento sobre o que é uma teoria científica — recentemente, na polêmica entrevista do Silas Malafaia à Marília Gabriela, o Malafaia mostrou que a confusão sobre o assunto continua onipresente nas discussões. Temos vários conceitos na ciência: hipótese, lei, modelo, entre outros. Uma teoria é um conjunto de proposições articuladas que explicam por que um dado fenômeno em estudo ocorre da maneira descrita pela lei. Teorias científicas devem permitir previsões sobre experimentos futuros que possam modificá-las — aqui, temos, novamente, a falseabilidade em jogo. Resumidamente, uma teoria científica deve ser capaz de fornecer explicações sobre certos eventos, conferindo previsões que, se falharem, irão falsificá-la. As pessoas confundem o conceito de teoria científica com o conceito de teorema matemático. Creio que isso ocorre porque, coloquialmente, usamos o termo "teoria" para falar de uma simples conjectura sobre algo, mas o uso que se faz na Ciência não é esse. 

   Entendo que o embate entre criacionistas e evolucionistas não tem sentido porque, se uma teoria científica é um arcabouço teórico que busca aproximar-se o máximo possível da realidade —  para ser preciso, um cientista poderia não ter essa concepção: ele poderia ser um instrumentalista com relação à Ciência, crendo que ela é apenas um instrumento para melhorar a condição da vida humana ou mesmo dar explicações satisfatórias, mesmo que não se relacionem diretamente com a realidade, tendo algum tipo de correspondência com ela, mas não é preciso complicar a nossa vida introduzindo aqui detalhes sobre a discussão entre realistas e antirrealistas —, não há por que fazer um escarcéu se uma teoria científica, momentaneamente, apresenta algo no seu escopo que vá de encontro às suas crenças religiosas. Vejam bem, eu creio que, na verdade, nada na Teoria da Evolução vai de encontro, de fato, ao Cristianismo — há uma vasta literatura sobre o assunto que visa a mostrar exatamente isso —  , mas não preciso comprometer-me com essa tese para defender o que pretendo mostrar neste texto de hoje. Nós, cristãos, cremos que Cristo é a verdade e cremos que a verdade é uma só. Tomás de Aquino dizia que fé e razão não podem contradizer-se. Ora, se os cientistas estão buscando, sinceramente, a verdade e se cremos que a verdade é uma só, uma hora ou outra, eles chegarão à verdade e àquilo que cremos que é verdadeiro. É apenas uma questão de tempo. Não há razão, portanto, para um cristão leigo intrometer-se no trabalho de um cientista, dizendo que determinada tese de sua teoria está errada. Deixe o cientista fazer o seu trabalho e ele aproximar-se-á da verdade, uma vez que a própria metodologia científica busca essa aproximação.

   Não faz sentido, portanto, eu dizer que sou um evolucionista teísta se eu tenho a compreensão de que as teorias científicas não são teoremas e que serão, oportunamente, aperfeiçoadas, tendo teses derrogadas com o tempo. Obviamente, por exemplo, se eu sou um cientista que trabalha com a Teoria Quântica de Laços, em detrimento da Teoria das Cordas, faz sentido eu dizer que sou um teórico daquela teoria, mas apenas no sentido de que, temporariamente, defendo que uma dada teoria fornece explicações melhores que outra teoria. Aqui, convém voltarmos ao exemplo que mencionei das mecânicas clássica, relativística e  quântica. Uma teoria científica que rivaliza com outra deve satisfazer algumas coisas, a saber, ela deve ter o mesmo poder explicativo, a fim de fornecer explicações para os mesmos fenômenos que a outra teoria é capaz de explicar, ela deve conferir explicações para fenômenos que a outra teoria não é capaz de fornecer e, além do mais, deve predizer fenômenos que possam ser verificados. Nesse sentido, não vejo o criacionismo — estou usando o termo de maneira abrangente: tem-se o criacionismo científico, o Design Inteligente, entre outras vertentes — como uma teoria que seja rival ao Evolucionismo.

   Desde muito cedo, percebi que, na verdade, o embate entre criacionistas e evolucionistas não é uma disputa de teorias científicas, mas uma disputa interpretativa, assim como praticamente todas as disputas religiosas — um exemplo claro é o embate entre arminianos e calvinistas. Os criacionistas insistirão numa leitura literalista das Escrituras, enquanto os evolucionistas terão outro entendimento das passagens que os criacionistas usarão para rejeitar o Evolucionismo. Como lógico, tenho muito interesse pela Linguagem e esse é um dos assuntos que mais estudo em suas diversas manifestações: a Lógica, a Gramática e a Hermenêutica. Tenho chegado à conclusão de que os princípios que nortearão a leitura de um texto sempre serão escolhidos de maneira arbitrária. A partir daí, entendo que a Tradição deve ser valorizada: é ela que indicará quais são os princípios que devemos utilizar na nossa leitura. Desafio os criacionistas a revisarem os grandes intérpretes das Escrituras na história da Igreja e mostrarem quantos tiveram o entendimento que eles têm de Gênesis. De fato, a própria Igreja Católica, que valoriza bastante a Tradição, não vê problemas com a Teoria da Evolução. 

   Creio que a Bíblia nada tem a dizer sobre a Ciência. Nela, vemos claramente a sua serventia: "Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra." [2 Timóteo 3:16-17 — Almeida Corrigida e Revisada Fiel]. Essas são as funções da Bíblia!

   A minha conclusão, resumidamente, é a de que não faz sentido eu dizer que sou um evolucionista teísta na mesma medida em que não há sentido nenhum em dizer que sou um relativista teísta. Não há sentido, também, porque teorias são feitas para serem substituídas e superadas. Se digo que sou um evolucionista, sem querer alegar um posicionamento tendo em vista teorias rivais, apenas querendo dizer que creio num discurso científico como definitivo, estou negligenciando a própria prática científica, que se baseia na sua capacidade de revisão a fim de aproximar-se sempre da verdade, por meio da busca da quase-verdade. A única possibilidade de embate possível entre um criacionista e um evolucionista é que aquele mostre que está apresentando uma teoria científica que forneça a mesma abrangência de explicações que o Evolucionismo, que tenha a capacidade de explicar fenômenos que a Teoria da Evolução não explica e que, também, forneça predições que possam ser constatadas empiricamente. Posso estar enganado, mas nunca vi um criacionista mostrando isso. A questão fica limitada a meras críticas, mas ninguém em sã consciência irá defender que a Evolução é uma teoria acabada. Qualquer teoria científica terá defeitos por conta da sua própria natureza; entretanto, teorias científicas devem ser atacadas por estarem falhando na explicação de fenômenos que visavam a explicar e não porque elas, aparentemente, entram em conflito com minhas crenças religiosas. Mesmo que uma teoria científica, num dado momento, claramente, apresente teses contrárias à minha fé, se creio que esta é verdadeira, e que o cientista buscará aproximar-se da verdade, será apenas uma questão de tempo que o cientista abandone a sua tese e aproxime-se daquilo que creio ser verdadeiro, não sendo necessário nenhum tipo de interferência no seu trabalho.