Não é de hoje que as pessoas costumam interpelar-me para mencionar que eu escrevo demais e que deveria escrever menos, seja no Facebook ou aqui — na época dos flogs, já me perturbavam com isso. Confesso que não consigo entender em absoluto quais são as intenções de alguém que me diz um conselho desses. Aplico todo o meu conhecimento sobre implicaturas conversacionais, e não consigo entender o que as pessoas querem dizer. A explicação mais plausível que vejo é a de que elas simplesmente querem expressar que se sentem, de alguma maneira, incomodadas por terem preguiça de ler o que eu escrevo. Algo que sempre me incomodou nas relações pessoais é que, geralmente, elas costumam ser assimétricas. Explico-me. Perdi a conta do número de vezes nas quais as pessoas disseram-me coisas sem ter a menor preocupação, mas que, se eu fizesse precisamente a mesma coisa, elas se sentiriam extremamente ofendidas. Dou um exemplo: suponha que eu tenha feito um corte de cabelo novo. Saio de casa, e a primeira coisa que alguém do meu convívio — não necessariamente alguém muito íntimo — diz é que o meu penteado está ridículo, expressando-se da maneira mais deselegante e descortês possível. Como não sou uma pessoa que costuma sentir-se ofendida por qualquer coisa — digo, freqüentemente, que esse é um dos males da nossa sociedade de hoje (talvez, algum dia, eu escreva sobre isso) —, não protesto frente aos comentários desnecessários que não foram solicitados. Aceito-os, mesmo que seja a contragosto. A histeria, entretanto, daqueles que têm a sua opinião contrariada, no menor detalhe, é completamente desproporcional.
Uma das piores marcas do convívio social é o fato de você estar inserto no meio de pessoas irracionais. Antes de estudar, formalmente, a Pragmática, acreditava, piamente, que eu deveria dizer as coisas sem preocupar-me com o modo como falava: se quero emitir um juízo, por que não ser o mais conciso possível? Dizer "2+2=4" é equivalente a dizer "1+1+1+1=4". Por que preterir o uso daquela expressão em favorecimento desta? Sempre julguei que a comunicação dava-se em termos de referências: se duas frases têm a mesma referência, não interessa qual frase eu profira. Hoje, depois de estudar um pouco de retórica, eu sei que a coisa não é tão simples, pelo menos em meio a pessoas completamente alheias ao pensamento lógico, não tendo, portanto, nenhum tipo de coerência. É realmente muito chato você querer dizer algo, e ter de fazer uma longa introdução, por meio de bajulações e de falsas demonstrações de humildade, para não ser mal interpretado. Experimente, por exemplo, mencionar um autor desconhecido numa discussão sem antes dar explicações de que você está, de fato, interessado no debate, não em demonstrar erudição ou coisa parecida. Na verdade, isso me leva a um texto que concebi há tempos que pretendo escrever um dia aqui que tratará sobre o papel do princípio hermenêutico da caridade nas relações interpessoais.
O título da postagem de hoje diz respeito a razões pelas quais me recuso, terminantemente, a escrever menos seja onde for. Vamos às razões. A primeira delas é a minha crença de que as pessoas não têm absolutamente nada a ver com a quantidade de linhas que escrevo. Isso não lhe diz respeito e nunca pedi a opinião de ninguém sobre o assunto. Se você achou a minha fala grosseira, o tom foi proposital, uma vez que acho igualmente grosseiro alguém dar palpite sobre isso sem que tenha recebido um convite para manifestar-se. O que tenho pra dizer, talvez, confesso, por própria incompetência minha, não pode ser dito em 140 caracteres. De qualquer maneira, duvido que alguém que já não lê o que eu escrevo dar-se-ia ao trabalho de fazê-lo se eu fosse mais econômico. Antes de continuar — aqui, entra a parte chata que mencionei de ter de ficar dando explicações desnecessárias para quem é irracional —, este texto não é dirigido a ninguém especificamente. Como mencionei no início, há tempos sou confrontado com essa sugestão de escrever menos e direciono as palavras da postagem de hoje não apenas àquelas que já me deram essa sugestão, mas a todos que já pensaram em dizer-me isso. Confesso também que é sempre bom já ter um texto pronto para fornecer àqueles que costumam recorrer a frases feitas, poupando-me o trabalho de reescrever o que já tenha dito a outras pessoas.
O que eu sempre achei engraçado é que as pessoas costumam dar as desculpas mais estapafúrdias do mundo para deixarem de ler. A mais corrente é uma pretensa falta de tempo. Experimente, entretanto, falar sobre os jogos do fim de semana: dificilmente, a pessoa demonstrará ignorância sobre eles. Respeito a sua opção, embora tenha desprezo pelo seu conteúdo, e espero ser respeitado pela minha opção de ler, de estudar e de escrever, em vez de perder tempo com novelas, telejornais, jogos esportivos ou videogames. Você pode preferir ver um jogo de futebol a ler o que eu escrevo, mas não me venha com a desculpa de que lhe falta tempo.
O filósofo brasileiro Olavo de Carvalho costuma dizer que aquilo que não verbalizamos escraviza-nos. Ele, ainda, menciona que as psicoterapias costumam funcionar, justamente, a partir da metodologia da verbalização. Durante muito tempo, não compreendi por que eu sempre senti a necessidade de escrever desde muito novo. Tinha algumas pistas. Nunca fui uma pessoa de muitas amizades. Sempre tive amizades profundas, mas que poderiam ser contadas com apenas uma palma da mão. Lembro-me de que a minha irmã, contrariamente, sempre foi uma pessoa que tinha muita facilidade de conseguir amizades. Foram inúmeras as vezes que fui convidado a festas de aniversário apenas porque era irmão dela; inclusive, a minha amizade com um dos meus melhores amigos iniciou-se, justamente, porque minha irmã foi chamada para ir à casa da irmã desse meu amigo, e eu entrei de gaiato na história. Os colegas que tive, nos blocos em que morávamos, com algumas exceções, eram, na verdade, amigas da minha irmã. Acabava, então, sendo obrigado a brincar de queimada e de elástico. Atrelada à minha introversão estava a minha afinidade natural com as mulheres. A maior parte das minhas amizades era constituída por mulheres. Quando criança, uma psicóloga chegou a alertar a minha mãe para o fato — mal sabia ela que eu "namorava" várias daquelas amigas. Na primeira série do Ensino Fundamental, pedi uma colega em namoro, e ela disse que só aceitaria se eu aceitasse namorar mais duas amigas dela. O resultado foi que ganhei três presentes no dia dos namorados, e tive de presentear três meninas. Ainda na primeira série, ganhei uma medalha por ter escrito o melhor texto numa competição no colégio. Todas as minhas amigas tinham diários, e acabei adquirindo o hábito também de escrever diários — infelizmente, não tenho esse material guardado. Vale ressaltar também outros fatores que me aproximaram das meninas na minha infância. Lembro-me de que, na primeira série, até jogava futebol bem. Lembro, nitidamente, que jogava com o pessoal da terceira série e que eles me elogiavam, dizendo que não parecia que eu era da primeira série. Não sei o que aconteceu, mas, de repente, deixei de ser craque e tornei-me um verdadeiro pereba. Tentei, durante alguns anos, virar-me no gol, mas nunca tive muito sucesso, embora fosse um tanto sortudo em várias jogadas, impressionando os meus colegas, especialmente nos pênaltis. Restava-me, portanto, enturmar-me com as meninas no recreio, poupando a mim mesmo da vergonha de demonstrar minha completa falta de traquejo com o futebol. Confesso que a catinga proveniente dos sovacos alheios também me distanciava daquelas atividades esportivas. Houve uma fase em que virei um experto no espirobol e ainda uma fase na qual consegui encontrar outros colegas nerds que gostavam de game boy e estavam viciados em Pokémon; entretanto, apenas durante dois anos — oitava série e primeiro primeiro ano (repeti o primeiro ano do Ensino Médio) — tive amizades de preponderância do sexo masculino. Toda essa digressão foi para falar sobre como deu-se a minha intimidade com a escrita — pulei várias partes que espero contar de modo pormenorizado, algum dia, nas minhas cartas autobiográficas.
A título de conclusão, a escrita para mim, portanto, é uma espécie de terapia, além de ser também uma espécie de confessionário — tenho estudado sobre o Catolicismo ultimamente e lido um pouco sobre como é crucial o papel da confissão no âmbito católico. A quantidade de linhas que escreverei será aquela suficiente para que eu me sinta em paz comigo mesmo, não aquela que será do seu agrado por uma questão de preguiça. Não escrevo para agradar a ninguém; então, não mudarei a minha escrita em absolutamente nada se não for uma decisão livre minha. Creio, inclusive, que, como Nietzsche, nasci póstumo: talvez meus leitores ainda não tenham sequer nascido. Houve um compositor cujo nome falha-me à memória, que disse, certa feita, compor como quem fazia suas necessidades fisiológicas — ele não foi tão polido assim. Escrevo também por necessidade, não de ordem fisiológica, mas existencial. Antes de aprender a ler e a escrever, meu pai lia histórias para mim, antes de eu dormir, e, para mim, era um verdadeiro mistério a maneira como meu pai abria um livro e tirava dele tantas coisas a partir de símbolos que não faziam sentido para mim. A escrita, para mim, é sagrada, assim como a linguagem de modo geral, e tenho com ela uma intimidade tal que me parece absurda qualquer tentativa de intromissão na relação que tenho com ela, lembrando, obviamente, que não inventei a Língua Portuguesa e que, portanto, devo satisfações, mesmo assim, a algo que tomo por empréstimo, por mais que seja íntima a minha relação com o Português; entretanto, a intromissão que discuto neste texto não é de ordem gramatical. Na verdade, creio que nem seja de ordem lógica, nem estética; talvez, meramente psicológica. Enfim, não meta o bedelho onde não for chamado, principalmente se não tiver razões objetivas para opinar. Dispenso palpiteiros.
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