Meus dias de postagem neste blog são nos sábados, mas como estive ausente nos dois últimos, resolvi abrir uma exceção nesta semana. Teve, recentemente, uma controvérsia no Twitter sobre o que seria a Teologia. Acredito que é importante delinear as fronteiras de todo campo de estudo. A maioria das matérias costumam, em seus livros introdutórios, definir, mesmo que seja de modo não definitivo, o que é que se propõe a estudar. Eu não cheguei a dar uma definição, mas alguém chegou a dizer que a Teologia não é o estudo sobre Deus, mas sob Deus. É bem diferente definir o que é algo e como se quer que esse algo seja. A palavra Teologia surge da aglutinação de duas palavras gregas: θεóς (theos) e λóγος (logos). A primeira, como se sabe, significa Deus. A segunda costuma ser traduzida por "razão" ou "estudo"; no entanto, consultando o meu dicionário de Grego do Isidro Pereira, vi que as acepções são muitas: "palavra", "dito", "revelação divina", "resposta dum oráculo", "máxima", "sentença", "exemplo", "decisão", "resolução", "condição", "promessas", "pretexto", "argumento", "ordem" e por aí vai. Algumas acepções, inclusive, não se parecem adequar muito com o significado de razão costumamente atribuído à palavra grega.
Fazendo um paralelo da palavra "Teologia" com "Biologia" ou mesmo "Filosofia", não há porque não atribuir-se uma definição de estudo de Deus ou sobre Deus, sendo que o uso da preposição "de" gera a ambigüidade — talvez, satisfatória para alguns, mas tendenciosa para outros — de um estudo que provém de Deus em vez de tentar abarcá-lo. É importante estudar um pouco a etimologia histórica da palavra "Teologia". Ela aparece pela primeira vez na República de Platão, sendo que a palavra "logos" possui toda uma carga semântica depois de sua apropriação por parte de Heráclito, já que ela passa a contrapor-se a um contexto mitológico freqüente no período micênico e dórico e que ainda tem certo predomínio no período arcaico. A palavra "logos", portanto, opondo-se ao mito, possui todo um contexto que deve ser considerado quando se quer dizer o que é a Teologia.
Lendo a Teologia Sistemática de Paul Tillich, contudo, encontrei um texto interessante sobre o assunto que me fez ver que a coisa não é tão simples como imaginava. As pessoas não partem de uma análise etimológica e histórica para conceituar campos de estudos. O texto faz uma distinção entre Teologia e Filosofia da Religião e, posteriormente, distingue um ramo que poderia chamar-se Teologia Científica. Resolvi colocá-lo aqui. Partindo da minha leitura do texto transcrito, não acredito que seja necessária uma concordância por parte do teólogo com relação ao seu objeto de estudo. Obviamente, quando se ama o que se estuda, há maior envolvimento, mas eu mesmo já tive a experiência de ter de estudar teorias com as quais não concordava. Não vejo, portanto, impedimento para que existam teólogos ateus, por exemplo, dentro da minha definição etimológica. O Paul Tillich, contudo, define a Teologia por meio de um artifício chamado "círculo teológico". Achei muito interessante o corte que ele construiu a partir dessa conceituação.
Fazendo um paralelo da palavra "Teologia" com "Biologia" ou mesmo "Filosofia", não há porque não atribuir-se uma definição de estudo de Deus ou sobre Deus, sendo que o uso da preposição "de" gera a ambigüidade — talvez, satisfatória para alguns, mas tendenciosa para outros — de um estudo que provém de Deus em vez de tentar abarcá-lo. É importante estudar um pouco a etimologia histórica da palavra "Teologia". Ela aparece pela primeira vez na República de Platão, sendo que a palavra "logos" possui toda uma carga semântica depois de sua apropriação por parte de Heráclito, já que ela passa a contrapor-se a um contexto mitológico freqüente no período micênico e dórico e que ainda tem certo predomínio no período arcaico. A palavra "logos", portanto, opondo-se ao mito, possui todo um contexto que deve ser considerado quando se quer dizer o que é a Teologia.
Lendo a Teologia Sistemática de Paul Tillich, contudo, encontrei um texto interessante sobre o assunto que me fez ver que a coisa não é tão simples como imaginava. As pessoas não partem de uma análise etimológica e histórica para conceituar campos de estudos. O texto faz uma distinção entre Teologia e Filosofia da Religião e, posteriormente, distingue um ramo que poderia chamar-se Teologia Científica. Resolvi colocá-lo aqui. Partindo da minha leitura do texto transcrito, não acredito que seja necessária uma concordância por parte do teólogo com relação ao seu objeto de estudo. Obviamente, quando se ama o que se estuda, há maior envolvimento, mas eu mesmo já tive a experiência de ter de estudar teorias com as quais não concordava. Não vejo, portanto, impedimento para que existam teólogos ateus, por exemplo, dentro da minha definição etimológica. O Paul Tillich, contudo, define a Teologia por meio de um artifício chamado "círculo teológico". Achei muito interessante o corte que ele construiu a partir dessa conceituação.
O Círculo Teológico
Tentativas de elaborar uma teologia como uma "ciência" empírico-indutiva ou metáfico-dedutiva, ou como uma combinação de ambas, evidenciaram amplamente que não conseguem ter êxito. Em toda teologia pretensamente científica, há um ponto em que a experiência individual, a valoração tradicional e o compromisso pessoal exercem um papel decisivo. Tal ponto, muitas vezes ignorado pelos autores de tais teologias, é óbvio para os que olham para elas com outras experiências e outros compromissos. Se empregarmos uma abordagem indutiva, devemos perguntar pela direção em que o escritor busca seu material. E se a resposta for que ele olha em qualquer direção e para qualquer experiência, devemos perguntar: que característica da realidade ou da experiência é a base empírica de sua teologia? Qualquer que seja a resposta, está implícito um a priori de experiência e valoração. O mesmo ocorre quando o método empregado é o dedutivo, como no idealismo clássico. Os princípios últimos da teologia idealista são expressões racionais de uma preocupação última; como todas as ultimidades metafísicas, tais princípios são, ao mesmo tempo, ultimidades religiosas. Uma teologia daí derivada se encontra determinada pela teologia oculta implícita neles.
Em ambas as abordagens, a empírica e a metafísica, bem como nos inúmeros casos que combinam as duas, podemos observar que o a priori que dirige a indução e a dedução é um tipo de experiência mística. Seja ele o "ser-em-si" (escolástica) ou a "substância universal" (Spinoza), seja o "além da subjetividade e objetividade" (James) ou a "identidade de espírito e natureza" (Schelling), seja o "universo" (Schleiermacher) ou a "totalidade cósmica" (Hocking), seja o "processo criador de valor" (Whitehead) ou a "integração progressiva" (Wieman), seja o "espírito absoluto" (Hegel) ou a "pessoa cósmica" (Brightman) — cada um desses conceitos está baseado em uma experiência imediata de um valor ou ser último, do qual podemos chegar a ser conscientes intuitivamente. Idealismo e naturalismo, quando desenvolvem conceitos teológicos, diferem muito pouco em seu ponto de partida. Ambos dependem de um ponto de identidade entre o sujeito que vive a experiência e o elemento de caráter último que aparece na experiência religiosa ou na experiência do mundo como "religioso". Os conceitos teológicos, tanto dos idealistas quanto dos naturalistas, estão enraizados em um "a priori místico", uma consciência de algo que transcende a separação entre sujeito e objeto. E se, no curso de um processo "científico", descobrimos tal a priori, isto só é possível porque ele já estava presente desde o começo. Esse é o círculo do qual nenhum filósofo religioso pode escapar. E de modo algum ele é vicioso. Toda compreensão no âmbito do espírito (Geisteswissenschaft) é circular.
Mas o círculo em que atua o teólogo é mais estreito do que o do filósofo da religião. Ele acrescenta ao "a priori místico" o critério da mensagem cristã. Enquanto o filósofo da religião tenta permanecer geral e abstrato em seus conceitos, como o próprio termo "religião" indica, o teólogo é, consciente e intencionalmente, específico e concreto. A diferença naturalmente não é absoluta. Já que a a base experimental de toda filosofia da religião está parcialmente determinada pela tradição cultural à qual pertence — mesmo o misticismo está culturalmente condicionado — ela inevitavelmente inclui elementos concretos e específicos. Mas o filósofo, enquanto filósofo, tenta abstrair desses elementos e criar conceitos acerca da religião que tenham validade geral. O teólogo, por seu turno, propõe a validez universal da mensagem cristã, apesar de seu caráter concreto e específico. Ele não justifica esta reivindicação abstraindo da concretude da mensagem, mas acentuando sua unidade irrepetível. Ele entra no círculo teológico com um compromisso concreto. Entra nele como membro da igreja cristã para cumprir uma das funções essenciais da igreja: sua auto-interpretação teológica.
O teólogo "científico" quer ser mais do que um filósofo da religião. Ele quer interpretar a mensagem cristã de uma forma geral com o auxílio de seu método. Isto o coloca diante de duas alternativas. Ele pode incluir a mensagem cristã em seu conceito de religião, e então o cristianismo é considerado como um exemplo de vida religiosa, ao lado de outros. Certamente é a religião mais alta, mas não é a final nem a única. Esta teologia não entra no círculo teológico. Ela permanece dentro do círculo religioso-filosófico e de seus horizontes indefinidos — horizontes que se abrem para um futuro de novas e talvez mais elevadas formas de religião. O teólogo científico, apesar de seu desejo de ser teólogo, permanece um filósofo da religião. Ou ele se torna realmente um teólogo, um intérprete de sua igreja e de sua reivindicação à unicidade e validez universal. Neste caso, ele entra no círculo teológico e deveria admitir que o fez e parar de falar de si mesmo como um teólogo "científico" no sentido corrente do termo.
Mas inclusive o ser humano que ingressou consciente e abertamente no círculo teológico enfrenta outro problema sério. Para estar dentro do círculo, ele deve ter tomado uma decisão existencial. Deve estar na situação de fé. Mas ninguém pode dizer de si mesmo que está na situação de fé. Ninguém pode chamar a si mesmo de teólogo, mesmo que tenha sido chamado a ser professor de teologia. Todo teólogo está comprometido e alienado. Ele está sempre na fé e na dúvida; está dentro e fora do círculo teológico. Às vezes um lado prevalece, às vezes o outro, e ele jamais tem certeza sobre qual dos lados prevalece efetivamente. Portanto, só é possível aplicar um critério: alguém só pode ser teólogo na medida em que reconhecer o conteúdo do círculo teólogico como sua preocupação última. A verdade disso não depende de seu estado intelectual, moral ou emocional. Não depende da intensidade e da certeza da fé. Não depende do poder de regeneração ou do grau de santificação. Antes, depende de que ele se sinta preocupado de forma última com a mensagem cristã, ainda que, à vezes, esteja inclinado a atacá-la e rejeitá-la.
Essa compreensão da "existência teológica" resolve o conflito entre os teólogos ortodoxos e pietistas sobre a theologia irregenitorum ("teologia dos não-regenerados"). Os pietistas sabiam que não se pode ser teólogo sem fé, sem decisão, sem compromisso, sem estar no círculo teológico. Mas identificavam a existência teológica com uma experiência da regeneração. Os ortodoxos protestaram contra isso, argumentando que ninguém pode estar certo de sua regeneração e que, além disso, a teologia lida com materiais objetivos que podem ser manuseados por qualquer pensador, dentro e fora do círculo teológico, desde que satisfaça as condições intelectuais requeridas. Hoje, os teólogos ortodoxos e pietistas se acham aliados contra os teólogos críticos, supostamente descrentes, ao passo que a herança do objetivismo ortodoxo foi assumida pelo programa (não pelas realizações) da teologia empírica. Diante dessa antiga controvérsia, devemos reafirmar que o teólogo deve estar dentro do círculo teológico, mas o critério para determinar se está dentro dele é a aceitação da mensagem cristã como sua preocupação última.
A doutrina do círculo teológico tem uma conseqüência metodológica: nem a introdução nem qualquer outra parte do sistema teológico constitui a base lógica para as outras partes. Cada parte é dependente das outras. A introdução pressupõe a cristologia e a doutrina da igreja, e vice-versa. A distribuição temática depende tão-somente de considerações práticas.