domingo, 25 de setembro de 2016

Rezar o Rosário é "vã repetição"? (Dave Armstrong)


Um novo converso católico que estava digladiando-se com alguns pontos da fé perguntou-me sobre o Rosário anos atrás:

"Maria é citada, na maior parte das vezes, na sua totalidade. Acho difícil meditar sobre Cristo quando Maria é tão predominante. Por que Maria preenche a oração de maneira tão excessiva?".

Em primeiro lugar, é preciso compreender a natureza do Rosário e o propósito da repetição. A maior parte das palavras da "Ave Maria" é, dever-se-ia notar, diretamente extraída da Bíblia. Seria incorreto dizer que, pelo fato de a palavra "Maria" ser repetida mais que qualquer outra no Rosário, portanto, ela é considerada mais importante que Jesus, que é o ponto de enfoque na meditação do Rosário.

A intenção das repetições na oração "Ave Maria" é formar uma espécie de "música de fundo", por assim dizer, para as meditações sobre (principalmente) a vida de Jesus.

Isso me lembra um pouco de uma analogia proveniente do meu passado como trombonista na banda e orquestra no meu ensino médio. Todo ano, nas formaturas, tínhamos de tocar (para o meu desgosto) o famoso "Pomp and Circumstance", do Edward Elgar. Agora, o propósito da cerimônia de abertura era que escutássemos o "Pomp and Circumstance" 71 vezes? Não. Claro que não. O propósito era o de honrar os formandos pela sua realização em obter um diploma de ensino médio. A música era o pano de fundo, assim como a trilha sonora de um filme.

Não é uma analogia perfeita (poucas o são), mas as "Ave Maria" no Rosário são, pelo menos em parte, uma espécie de pano de fundo rítmico para as meditações. É uma maneira (um tanto engenhosa, quando completamente compreendida) de avançar-se na oração e de evitar-se a distração, algo com que todos estamos muito familiarizados quando tentamos orar.

Alguns dizem que é difícil meditar sobre Cristo enquanto se repetem as "Ave Maria". Isto se dá, arriscar-me-ia a conjecturar, provavelmente, principalmente em função de uma falta de familiaridade com o Rosário. É muito diferente de grande parte da piedade protestante, uma vez que coisas como a penitência, o Purgatório e a intercessão pelos mortos ou pedir aos Santos para rezarem por nós são bastante estranhas, à primeira vista, para uma típica mente protestante. É uma "arte a ser aprendida" em grande medida. Esta experiência é comum a muitos conversos.

Encontramos na Bíblia um tipo semelhante de repetições na forma desse canto de fundo. Tomem, por exemplo, o Salmo 136, no qual a mesma frase "o seu amor dura para sempre" (RSV) é repetida por 26 versículos! Os "Ave Maria" do Rosário são algo semelhante a isso. Eles não são, entretanto, "vãs repetições" (Mt. 6.7 na KJV; cf. "não useis de vãs repetições" na RSV; também, Eclesiástico 7.15: "não multipliques as palavras em tua oração".)

Protestantes que argumentam que todas as orações formais que repetem frases são "vazias" ou "vãs" ignoram completamente a interpretação mais profunda dessa narrativa bíblica no seu contexto. Jesus está recomendando e exortando os Seus ouvintes a uma genuína e humilde piedade de coração em oposição a uma vazia e superficial piedade meramente externa que visa a ser vista por homens de um modo espiritualmente orgulhoso.

Esse tema da piedade autêntica versus a fingida é predominante no Sermão da Montanha (veja Mt. 6.1-6, 16; cf. 7.20-23; 15.9). A mesma idéia geral é também observada em Marcos (12.38-40) e Lucas (20.46-47). Não é que todas as orações extensas estão condenadas, mais que orações repetitivas estão-no, mas que orações feitas com um espírito fingido e orgulhoso (para mostrar-se aos homens, fazendo os outros pensarem que você é alguém "superpiedoso") estão condenadas.

Em Mateus 6.7, também, Jesus qualifica o que Ele está opondo à oração com a expressão "como fazem os pagãos". Ele não está falando sobre a tradição hebréia da oração (que de maneira bastante óbvia inclui muita repetição, como a dos Salmos ou dos cânticos e orações sacerdotais). Tampouco, Ele está falando dos (Seu alvo freqüente) fariseus, mas sim dos "pagãos" ou dos "gentios" (de acordo com várias traduções) romanos e gregos, pessoas que seguiam uma religião diferente e, em última análise, falsa. Esse elemento e aspecto da piedade interior indicam que a passagem é muito mais do que meramente uma discussão sobre a repetição no sentido de ordenar que devemos apenas abandonar toda repetição, como se Deus condenasse isto.

O próprio Jesus fez uso de repetições ao orar: "Então, deixou-os novamente e orou pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras" (Mt. 26.44; cf. Mc. 14.39). A adoração no Céu é extremamente repetitiva:

Apocalipse 4.8: "... dia e noite repetem sem cessar: 'Santo, santo, santo é o Senhor Deus todo-poderoso, que era, que é e que há de vir".

Deveríamos recordar-nos de todas essas coisas na próxima vez em que escutarmos que orações formais ou repetitivas são, em si mesmas, condenadas como "vãs repetições" ou como ímpias.
Por último, alguns alegam que o Rosário é mais centrado em Maria do que em Jesus Cristo, ele, entretanto, é uma meditação sobre a vida de Cristo. Dos 20 mistérios, apenas dois são, principalmente, sobre Maria (sua Assunção e Coroação).

O Credo Apostólico meramente menciona o Nascimento Virginal (que diz mais a respeito sobre Cristo do que sobre Maria). O "Pai Nosso" [ou Oração do Senhor], o "Glória" e a "Oração de Fátima" nunca mencionam Maria. Três quartos do "Ave Maria" são explicitamente bíblicos (citação direta):

"Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco" [Lucas 1.28, dito pelo anjo Gabriel]. Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus [Lucas 1.42, dito por Isabel, mãe de João Batista]'.

"Cheia de graça" é a tradução possível para o termo grego "kecharitomene".

O "Salve Rainha" é dirigido a Maria (que ora por nós a Deus), mas mesmo ele termina (i.e. , na oração usual feita no Rosário) em tom cristocêntrico:

"Deus, cujo filho Unigênito, por Sua vida, morte e ressurreição, nos obteve o prêmio da salvação eterna, concedei-nos, nós Vó-lo pedimos que, meditando estes mistérios do Sacratíssimo Rosário da Bem-aventurada Virgem Maria, imitemos o que contêm, e consigamos o que prometem. Pelo mesmo Cristo Senhor Nosso. Amém.".

O Rosário, então, é completamente cristocêntrico, bem como todas as devoções e doutrinas marianas quando compreendidas de maneira correta.".

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original:

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