sábado, 12 de setembro de 2009

Citações, hipocrisias e migalhas

"O que é primeiro não é a plenitude do ser, é a fenda e a fissura, a erosão e o esgarçamento, a intermitência e a privação mordente: o ser não é o ser, é a falta de ser, a falta vivente que torna a vida desfalecente, inapreensível e inexprimível" [ Maurice Blanchot ]

A frase acima é a que iniciará um novo espaço nas minhas postagens. Já fazia isso nos meus flogs sem muito compromisso; no entanto, pretendo, sempre que postar, colocar uma frase que tenha achado interessante ou que, simplesmente, tenha se encaixado com situações vividas por mim na semana. Eu tinha um "gadget" — não achei um análogo conveniente em Português, já que o blogger usa este termo — intitulado "Frases da semana"; contudo, nunca o atualizei e achei ruim perder as informações sobre as frases escolhidas por mim anteriormente. A mesma coisa acontece com os livros, filmes e músicas na mesma sessão, mas no ano que vem, pretendo enumerá-los anualmente e disponibilizar a lista no fim de cada ano. Enfim, a frase que estréia é a que estava há um bom tempo no "gadget" que foi retirado. Adoro esse papo existencialista...
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Gostei muito da "novela das 8" da Globo que teve seu último capítulo apresentado ontem — nunca entendi por que continuam chamando-na assim. Algumas pessoas devem estranhar, mas estou comentando mesmo sobre uma novela do horário nobre da famigerada rede televisiva. Muitas pessoas costumam meter pau nas novelas, mas assistem aos seriados "americanos" — ainda vou pesquisar por que usam este termo para os estado-unidenses.

Sim! Assim como as novelas estão para o povo brasileiro, os seriados estão para o povo "americano", com a diferença de que acho que a nossa escola de formação artística, seja na área de atuação, direção etc. , é muito superior. Nossas novelas têm histórias escritas diariamente. Deve ser muito mais complicado escrever histórias que mantenham o espectador entretido diariamente do que semanalmente. Se tivéssemos um estúdio como Hollywood ou o apoio necessário, começando pelo apoio do público, não tenho dúvida de que teríamos a melhor fábrica de cinema do mundo. Uma coisa que me indigna são aquelas pessoas ignorantes desconhecedoras da história do cinema nacional que falam que não vêem filmes brasileiros porque só têm pornografia, palavrão, violência e por aí vai. Tudo bem que a década de 70 foi permeada de pornochanchada, mas quem pesquisar sobre a história do Brasil, especificamente os assuntos referentes à censura, verificará que, na época, foi feito o que se podia fazer.

O engraçado é que a produção americana está longe de ver-se livre dos mesmos estigmas que são atribuídos ao nosso cinema, mas ninguém fala nada. Mais uma vez, existe o perigo do reducionismo, sobre o qual já comentei neste blog. As pessoas sem informação e, mais do que informação, cultura, tendem a cair nessa armadilha do prosaísmo. Se as pessoas, em vez de reclamarem de nossas produções, vissem mais filmes nacionais, haveria diversidade de gêneros sendo lançados porque haveria mercado para isso; de qualquer forma, se os filmes são desse jeito, é porque existe mercado pra isso.

Voltando à novela, gosto muito quando as novelas retratam culturas distintas da nossa e trazem informações sobre outros povos. É claro que, geralmente, o retrato é caricato, mas já é um incentivo para que as pessoas dêem-se conta de como a cultura influi na nossa vida. Gostei muito, no último episódio, quando Opash — personagem de Tony Ramos — confrontou-se com sua cultura e religião. Vi algo de nietzschiano nisso. Interpreto o além-homem, ou super-homem como alguns preferem, como aquele que fez uma transvaloração moral. O interessante é que quando ele fez isso, ele atingiu a felicidade, tendo sua família restabelecida.

Na excelente minissérie JK, havia um personagem interpretado pelo Luís Melo chamado Coronel Licurgo. Ele foi um personagem que me marcou bastante. Ele era um cristão hipócrita que pregava as leis da Igreja, mas não vivia de acordo com elas. O seu filho, que tornou-se padre, referindo-se ao seu pai, disse, certa vez, que a severidade costumava andar junta com a hipocrisia. Minha experiência de vida tem demonstrado isso a mim. Não é raro encontrar pessoas acusando outras, acobertando-se de um traje de moralidade, mas que, elas mesmas, têm uma vida totalmente em desacordo com o que pregam e que são, justamente, o que condenam.

Tento não me tornar esse tipo de gente, embora sejamos, diariamente, pressionados a tornarmo-nos mentirosos e hipócritas. Quanto à mentira, confesso que a coloquei num pedestal no qual não sei se ela merece constar. Acho que como tive uma educação cristã e como meu primeiro contato com a filosofia foi por meio de filósofos como Sócrates, Platão e Descartes, sou tendencioso. Acredito que a mesma sacralização que o sexo sofreu por meio do Cristianismo, em vez da banalização que eles costumam pregar que existe hoje em dia, ocorreu com a verdade; no entanto, a sacralização tanto do sexo como da verdade são temas sobre os quais ainda não refleti o suficiente.

Sempre tento não escrever de modo mais objetivo, sem minhas costumeiras digressões, mas acho que minha escrita já confunde-se como penso. O mesmo desprezo que as pessoas têm pelas nossas novelas é mostrado pela Globo e pela revista Veja. Se tem uma coisa que odeio é teoria conspiratória. Acho que temos de ser céticos com relação a tudo, mas o ceticismo exagerado, assim como tudo que seja exagerado, é tolice. Sabe aquelas pessoas que dizem que o homem não foi à Lua, mesmo sabendo nada de Ciência?¹ Existem, também, aquelas que insistem em dizer que a rede Globo é manipuladora, o mesmo vale para a revista Veja etc. .

Quando tinha 14/15 anos e era comunista e boicotava os produtos "americanos", também achava isso da Rede Globo e da revista Veja, mas você vai entendendo mais de Economia e de outros assuntos e vai vendo que a coisa não é tão simples. Na época do plebiscito sobre a proibição do comércio de armas, a Veja fez uma matéria intitulada "7 razões para dizer não". Na época, achei um absurdo, dizendo que a revista deveria ter apresentado razões dos dois lados; no entanto, por que uma revista tem de ser imparcial? Ela não pode expressar opinião? Tudo bem que um jornal informativo tem de ser imparcial, mas não vejo por que uma revista deva sê-lo. O interessante é que as pessoas que costumam recriminar a Veja, costumam elogiar a Carta Capital. Esta revista, no entanto, na época da eleição de Lula, disse, abertamente, estar apoiando-no e além do mais, comprei uma edição especial recentemente que no editorial falava mal da Veja! Nunca vi a Veja fazendo isso; além do mais, a qualidade das matérias nem se comparava a nenhuma edição especial que já vi da Veja.

Quanto à Globo, o trabalho que ela tem feito em diversos âmbitos é de inegável qualidade. Fiquei muito impressionado com a profissionalidade da emissora na ocasião da morte do Michael Jackson. Ele morreu numa quinta-feira; no dia seguinte, no programa Globo repórter, houve uma matéria com entrevistas das pessoas que participaram do clipe que ele fez no Brasil. Fiquei boquiaberto com a capacidade de edição do especial em menos de um dia. Nesta semana, o Jornal Nacional está comemorando 40 anos e não se pode deixar de reconhecer o trabalho que a sessão jornalística da Globo tem feito nos últimos anos. Tudo bem que as outras redes televisivas abertas não têm cacife e nem tradição na área e que só recentemente estão investindo na área, mas isso não desqualifica o trabalho da rede Globo.

¹ Se você acredita nesse absurdo, recomendo a leitura deste site:
http://www.projetoockham.org/historia_lua_1.html

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Eu ia comentar sobre o último álbum do Ludov. Já tinha as músicas mais ou menos comentadas e tudo mais, mas acho que a postagem de hoje ficaria muito longa e, além do mais, gastaria muito tempo pra falar dele aqui, além do que já gastei até aqui. Li num blog de uma amiga sobre o peso da obrigação de escrever com prazos. Espero que continua tendo o prazer de escrever aqui e que isso não se torne um fardo. Minha net está meio lenta e demoraria muito tempo para disponibilizar algumas músicas do álbum também. Tenho ouvido e descoberto muita coisa boa e também estou ansioso para ter acesso aos últimos álbuns da Isabella Taviani, Arnaldo Antunes, Roberta Sá. Consegui ouvir o último do Megadeth e gostei muito. Acho que ele merece que eu o comente aqui futuramente. Como já mencionei, prefiro comentar artistas que conheça a discografia e Megadeth é uma banda que tenho acompanhado faz um tempo já.

Enfim, hoje, colocarei uma música do último álbum da Simone — Na Veia. Gostei muito do álbum, mas acho que o que ela lançou com músicas do Ivan Lins — Baiana da Gema — é insuperável. Eu viciei nessa música. Ela tem uma melodia muito bem feita e é de uma delicadeza sem precedentes. Admiro muito a maneira como a Simone consegue cantar: ela consegue ir do rítmico ao intimista e leve sem se perder. Não é qualquer cantora que consegue fazer isso. A grande maioria, quando não se perde totalmente, dá-se melhor numa praia do que em outra.

Fui procurar de quem era a canção e qual foi a minha surpresa quando descobri que o compositor é ninguém mais e ninguém menos do que Erasmo Carlos! Esse cara é um gênio! Gosto muito do Roberto Carlos, mas, pra mim, ele é a cabeça na dupla de composição Erasmo/Roberto. A canção foi encomendada pela Simone; por isso, não a conhecia ainda. Ele tem outra composição no mesmo álbum, mas, desta vez, com parceria com o Marcos Valle. Virei fã do Marcos Valle por meio da coleção 50 anos de Bossa Nova da Folha de São Paulo¹. Não o conhecia muito bem antes de ouvi-lo no cd da coleção. Fiquei com vontade de comentar sobre esse álbum da Simone, mas vou tentar não me empolgar. Na minha opinião, ela é uma das melhores intérpretes da música brasileira. Recomendo-a para quem gosta de boa música. Eis a letra para quem quiser acompanhar:
Simone - Migalhas
(Erasmo Carlos)

Sinto muito
Mas não vou medir palavras
Não se assuste
Com as verdades que eu disser

Quem não percebeu
A dor do meu silêncio
Não conhece
O coração de uma mulher

Eu não quero mais ser
Da sua vida
Nem um pouco do muito
De um prazer ao seu dispor

Quero ser feliz
Não quero migalhas
Do seu amor
Do seu amor...

Quem começa
Um caminho pelo fim
Perde a glória
Do aplauso na chegada

Como pode
Alguém querer cuidar de mim
Se de afeto
Esse alguém não entende nada

Não foi esse o mundo
Que você me prometeu
Que mundo tão sem graça
Mais confuso do que o meu

Não adianta nem tentar
Maquiar antigas falhas
Se todo o amor
Que você tem pra me oferecer
São migalhas, migalhas...

¹ http://bossanova.folha.com.br/colecao.html

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2 comentários:

  1. Aqui estou eu. Li tudinho! Concordo com você. Também tenho raiva desse povo que avacalha novela. O meu professor tosco de sociologia avacalha.Acho que ele não perde o precioso tempo dele vendo... Eu senti que o texto de hoje foi uma indireta ou direta mesmo pra mim em alguns comentários seus! Eu falava que não gostava de filme brasileiro, mas aprendi a apreciar o que deve ser apreciado. Pelo menos um pouquinho! Sobre o que você falou das pessoas que lêem Carta Capital. Elas avacalham a Veja, certo? O mesmo não serve para o contrário não? Tenho um professor, o mesmo que comentei anteriormete, que se acha o Ó do borogodó e ele avacalha a Veja e gosta de Carta Capital. Você parece amar a Veja e odiar a Carta Capital... Depois, me explica com a sua lógica, claro, a minha pergunta, por favor? Ainda tenho de ouvir a música da Simone, mas creio que já devo ter escutado no seu carro. De qualquer forma, ouvirei outro dia. É isso! Parabéns amor, você é ótimo! Escreve muito bem! E só um comentário. Tu é indignado ein? ieaoieaioee

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  2. Acabei de ler de novo o que você escreveu sobre o negócio da Veja e da Carta Capital! Algumas palavras me fizeram entender melhor. Mas assim mesmo, guarda a minha pergunta pra gente discutir depois. É bom que eu aprendo a raciocinar melhor... Ajuda bastante, sabia? eiaieaea

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