Dizem que existem crises durante as diversas fases cronológicas da nossa existência: "crise dos trinta", "crise dos quarenta" e daí em diante. A sociedade ocidental criou certo fetiche por números redondos do qual não compartilho. Passo pela crise dos vinte e sete — um professor meu disse, certa feita, que existencialistas não passam por essas crises específicas porque viver já é uma crise, sendo elas um privilégio de analíticos. Confesso que tenho crises desde a mais tenra infância; portanto, nesse sentido, sou um existencialista.
Sempre me senti atrasado com relação aos outros: primeiramente, nasci no segundo semestre do ano e aqueles que nasceram nesse período sabem do sentimento de atraso com relação àqueles colegas da escola que aniversariam no primeiro semestre. Sempre figurava entre os mais velhos da sala. A situação deteriorou-se depois que reprovei o meu primeiro ano do Ensino Médio — não foram raras as situações nas quais me sentia deslocado ao observar certos comportamentos infantis dos meus colegas. Tirei minha carteira de motorista aos 19 anos por conta de um castigo imposto pelos meus pais devido à referida reprovação; ingressei na universidade, ainda por conta da minha reprovação, tardiamente, embora tenha passado direto pelo PAS e nunca tenha feito cursinhos, e, se tudo der certo, concluirei a minha primeira graduação oficial, de maneira tardia novamente, aos 27 anos.
Desde que tomei conhecimento, ainda na minha adolescência, do conhecido annus mirabilis — ano miraculoso — de Einstein, no qual ele publicou uma série de quatro artigos fundamentais na Física aos 26 anos, tomei essa idade como uma idade limite na minha vida. Pretendia fazer algo relevante até os 26 anos. Pesava o fato de sempre ter lido em livros e textos de divulgação que o período médio de fertilidade de físicos e matemáticos durava até os trinta anos. Se, portanto, não tivesse feito nada relevante até os 30, não seria depois que faria algo importante. Bem, tomei consciência do projeto intelectual que tinha pela frente aos 14 anos, em 2001, ano da minha reprovação. Nunca consegui aprender, paradoxalmente para alguns, tanto quanto naquele ano. Nos anos seguintes, durante o meu Ensino Médio, trabalhei arduamente em problemas matemáticos sem me dar ao trabalho de aprender primeiro a literatura disponível. Tive, por diversas vezes, a frustração de acreditar que tinha criado algo genial, mas, quando mostrava meu resultado para meu professor de Matemática, descobria que algum gênio do século XVII, como um Leibniz, tinha descoberto há muitos anos aquilo que eu acreditava ser relevante. Resolvi, depois de uma série de fracassos, aprender, primeiramente, tudo o que pudesse sobre o que já tinha sido desenvolvido. Outro momento de frustração foi quando, na faculdade, percebi duas coisas. A primeira é que não havia rigor na Física. O que eu aprendia nas disciplinas da Matemática era completamente negligenciado pelos meus professores e pelos livros. A segunda é que muitas das minhas perguntas aos professores ou não tinham resposta — eu recebia respostas do tipo: "Para responder isso, é preciso desenvolver uma teoria quântica da gravitação satisfatória" — ou demandavam conhecimentos de teorias que não aprenderia na graduação. Fiquei completamente desmotivado, pois teria de passar 4 anos naquela brincadeira sem poder estudar o que realmente me interessava. O que mais me motivou durante os meus anos na Física foi a minha iniciação científica. Estudei muito mais para ela, aprendendo Mecânica Quântica sozinho, sem ter terminado o meu curso de Cálculo, ouvindo do meu orientador a conclusão genial de que ele tinha percebido que eu estava tendo dificuldades com a teoria quântica, que eu só aprenderia oficialmente de maneira introdutória nos dois últimos semestres do curso.
Sempre fui um polímata e confirmei essa minha característica depois de conhecer Descartes. Enquanto meus colegas do colégio odiavam certos grupos de disciplinas, sentia-me interessado por tudo e isso dificultou muito a minha escolha de que área deveria abraçar profissionalmente. Escolhi a Física por três razões principais: poderia estudar Matemática e até obter o diploma da área de maneira simultânea, que era o que eu gostava mesmo, embora eu quisesse trabalhar com Física; havia um mercado de trabalho melhor do que as outras áreas que eu tinha mais afinidade, como, por exemplo, a Música, e, por último — a razão mais importante — era a área que mais me desafiava intelectualmente. Pensava, na época, que encontraria pessoas geniais no curso de Física. Sempre fugi da mediocridade, mas, para a minha infelicidade, sempre estive cercado dela — incluindo a própria mediocridade presente em mim mesmo. Outra decepção no curso foi perceber que havia pessoas abaixo do nível da mediocridade: geralmente, quem tinha ido pra Física era quem não tinha capacidade para passar nos cursos de Engenharia. O curso de Física, então, era visto como uma espécie de cursinho pragmático, que abarcava o status de dizer-se que se é um aluno da UnB — o que hoje está completamente banalizado.
Quando li que Einstein passou os últimos trinta anos da sua vida trabalhando na unificação da Física, que esse problema ainda estava em aberto, e quando li, em alguns artigos, que, talvez, seria necessário desenvolver uma nova matemática para solucionar essa questão, decidi que iria tentar embrenhar-me nela. Ainda no meu Ensino Médio, eu trabalhei, sem o saber, no problema matemático da Hipótese de Riemann, usando ferramentas muito primitivas. Quando tomei conhecimento das proporções daquilo, o que inclui o fato de que aquele problema era um dos sete problemas do Milênio — hoje, são seis —, desisti de pensar nos Primos. Não sei a partir de quando, exatamente, comecei a desinteressar-me por essas questões propriamente físicas e matemáticas e comecei a pensar no âmbito metadiscursivo, que considero que seja um critério para identificar-se pensamentos filosóficos. Na verdade, desde o meu Ensino Médio eu sabia que teria mais facilidade em enveredar-me pela Filosofia, no sentido de tentar dar alguma contribuição; contudo, a área nunca me ofereceu grandes desafios intelectuais ou ginásticas mentais.
Um dos problemas do polimatismo é que não vivemos mais na Antigüidade ou no período Moderno, quando se podia dominar, de certa maneira, facilmente, outros campos do conhecimento. Hoje, o conhecimento é tão amplo e tão especializado que é praticamente impossível versar-se em todas as áreas. Confesso que isso gera muita indecisão na minha vida. Explico-me. Não demorei muito para perceber que o campo da argumentação é dominado por poucos. Já na época da Física, quando estudei Números Hipercomplexos, percebi que quase ninguém na Física tinha ouvido falar de Quatérnios, Octônios ou Sedênios. Tirando o meu orientador, ninguém sabia do que eu estava falando. Aquilo me causou um impacto profundo. Eu poderia desenvolver resultados impressionantes, mas poderia ocorrer de ninguém, ou quase ninguém, entender do que eu estava falando. A Música pareceu-me ser uma área que poderia salvar-me. Construir harmonias e melodias — componho desde 2001 — seria uma maneira mais fácil, embora mais enigmática e obscura, de passar a mensagem que gostaria de passar. Crio, há tempos, sinfonias inteiras mentalmente, mas não tenho o treinamento técnico para pôr tudo no papel. Já pensei em capacitar-me; entretanto, percebi que o sentimento estético não é algo uniforme e que, principalmente entre os brasileiros, ele costuma ser extremamente deficitário. Constatações práticas fizeram-me perceber que as pessoas, em geral, não estão interessadas em aprender, em descobrir a verdade — na verdade, muitos crêem que não há algo que se possa chamar de "verdade" —, mas em afagar o seu próprio ego.
Tive, e estou tendo, uma série de reflexões que tem me levado questionar-me sobre se devo comunicar-me com os outros — admito que tenho a tendência, como Nietzsche, de acreditar que nasci póstumo e que, talvez, meus leitores ainda não tenham nascido ou, provavelmente, nunca venham a nascer. Já pensei na possibilidade de escrever e disponibilizar apenas postumamente os possíveis resultados que venha a obter, além daqueles modestos que creio ter obtido até hoje. Essas reflexões têm gerado em mim um questionamento sobre a necessidade que temos de sermos reconhecidos. O filósofo Olavo de Carvalho disse, certa feita, que ele, numa conversa com Deus, pediu a Ele que pudesse conhecer a verdade e que se ele tivesse a oportunidade de transmitir aos outros o que ele descobrisse isso seria o de menos. Confesso que tenho dificuldades em ter essa mesma postura. Disse, anteriormente, que as pessoas precisam ter seus egos afagados, mas me questiono sobre se tenho, realmente, buscado a verdade ou se apenas quero ser aplaudido e reconhecido — o que acho que nunca terei por essas bandas, escrevendo na Língua de Camões. A minha aparente fuga da mediocridade, na verdade, acaba imergindo-me nela, igualando-me àqueles que precisam ser bajulados. O mesmo Olavo de Carvalho disse, em certa ocasião, que começou a publicar os seus livros tardiamente somente após poder ter se olhado no espelho e poder ter dito a si mesmo que não havia mais nada a esconder de si mesmo. A empreitada filosófica, no meu entender, iniciada de maneira mais enfática e contundente por Sócrates, teve por mote o autoconhecimento: como diria o filósofo, "Conhece-te a ti mesmo". Temo que os meus 26, agora 27, anos não tenham sido suficientes para que eu possa ter a mesma atitude diante de um espelho.
Diante dessa absorção inevitável da mediocridade, vejo-me diante do que um colega meu disse-me recentemente sobre a "Síndrome de Gabriela" — lembrem-se do saudoso Dorival Caymmi: "Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim: Gabriela, sempre Gabriela.". Nunca fui uma pessoa conformada. Meu pensamento nunca foi estanque. Minha mãe sempre se incomodou com essa característica minha. Já que estamos no âmbito musical, eu diria que "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Não vejo mérito nenhum em pensar-se exatamente da mesma maneira durante a vida inteira. Fui criticado por alguém, um dia desses, que dizia que, anos atrás, era um antirreligioso ferrenho, mas hoje sou um "fanático fundamentalista". Aqueles que são mais íntimos a mim sabem que nunca tive problemas em admitir meus erros, em desculpar-me por eles — acho desonesto guardar a admissão do erro para si mesmo sem o tornar público —, mudando de posicionamento quando convencido. Acho no mínimo curioso, para não dizer que seja um caso de demência, quando as pessoas, orgulhosamente, dizem que são como são porque assim sempre foram e que, por isso, assim sempre serão.
Citando novamente Nietzsche, o que pode parecer estranho por eu ser cristão — concebi, há tempos, por incrível que pareça, numa conciliação entre o pensamento de Nietzsche e o Cristianismo, mas isso é assunto para um livro —, prefiro acreditar que "o meu hoje contradiz o meu ontem". Se eu não for uma pessoa amanhã diferente do que sou hoje, alguém melhor de preferência, não vejo, sinceramente, por que permanecer vivo. Sempre admirei a reverência que os orientais têm pelos mais velhos; contudo, creio que a reverência é acompanhada pela detecção de sabedoria. Na nossa cultura ocidental, entretanto, vejo cada vez mais que as pessoas parecem emburrecer com o passar dos anos, a despeito do emburrecimento generalizado da sociedade brasileira, em vez de adquirir sabedoria e aprimorarem-se intelectualmente. Recentemente, tenho visto tantos casos de pessoas que deveriam ser maduras por conta da sua idade cometendo erros inacreditáveis que confesso que tenho as minhas dúvidas sobre se o tempo pode ser uma variável que favoreça o crescimento das pessoas. Não duvido que seja um fator que, talvez, atrapalhe.
Em alguns anos anteriores, pedi a alguns familiares e amigos que enumerassem qualidades e defeitos em mim para que eu pudesse ter uma visão de mim mesmo que fosse mais compatível com aquilo que realmente sou, mas tenho me convencido — por conta de questões técnicas inclusive, como o conceito filosófico sobre atitudes proposicionais — de que a única pessoa capaz de ter uma visão mais realista de mim mesmo que não seja eu é Deus, uma vez que “Deus é aquele que em mim é mais eu do que eu mesmo, ou seja, é minha verdadeira consistência e a minha verdadeira natureza, a minha verdadeira origem, que subsiste dentro de mim, permanece dentro de mim como um mistério”, como diria Claudel.
Há tempos, concebi escrever o que chamei de "Cartas Autobiográficas". Depois que descobri que Julien Green escreveu os seus diários, em 17 volumes, entre seus 26 e 96 anos — com relação ao Green, estaria, portanto, defasado em um ano — tomei a decisão de, realmente, implementar aquilo que já tinha concebido há tempos. Digo isso porque a postagem de hoje tem perfil autobiográfico, mas não pretendo ser, de maneira alguma ser exaustivo, até porque seria impossível sê-lo.
Termino, então, dizendo que a minha luta contra a mediocridade durante os meus vinte e sete anos de vida, por vezes, parece tragar-me mais ainda para ela. Fiz muito pouco durante esses anos. Tenho me preparado para tentar compensar os anos que perdi, gastando tempo com o que não vale a pena. Se morresse hoje, deixaria algumas dezenas de canções, que, sinceramente, embora algumas tenham um toque de vislumbre de genialidade musical ou poética, são bem simplórias; alguns poemas e contos de qualidade pior ainda e, finalmente, o meu texto de monografia, com muitas idéias originais e interessantes, que é o que considero que fiz de melhor até hoje, mas cujas idéias desenvolvi muito pouco. Sempre pensei nessa perspectiva de importância, mas tenho chegado à conclusão de que, mais do que deixar algum tipo de patrimônio precioso para os outros, devo buscar de modo verdadeiramente sincero aprimorar-me. Estou cada vez mais convencido de que nós mesmos já somos trabalho demais para nós mesmos e, enquanto cristão, concordo com o Evangelho de Mateus: "Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte" (Mateus 5:14). O meu erro nesses vinte e sete anos talvez tenha sido procurar ser mais parecido com Einstein do que com Cristo, até porque apenas me converti em 2009. O único tipo de reconhecimento com o qual deveria preocupar-me é o de ser reconhecido como luz, mas não uma luz que emana de mim mesmo, mas como um espelho que reflete a luz emitida pelo Espírito Santo que habita em mim. Olhar no espelho e ver que nada escondo de mim mesmo será ver através da minha alma a presença divina na qual vivo, movo-me e existo (Atos 17.28) .
"O meu erro nesses vinte e sete anos talvez tenha sido procurar ser mais parecido com Einstein do que com Cristo..."
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Cada vez que eu me deparo com algo do tipo escrito por vc eu me emociono... Eu me emociono ao ver tão de perto que DEUS ouve e se importa com as nossas orações, mesmo quando o nosso coração está tão desencorajado e sem esperança alguma de receber de fato o que estamos pedindo... Eu me emociono porque a sua conversão foi um milagre (eu sei, toda conversão é um milagre!) e vc não tem problema em dizer que estava errado e pedir desculpas... Eu me emociono pelo trabalho do Espírito Santo na sua vida daquele tempo pra cá...
Meu amigo, especialmente no dia de hoje, eu só quero dizer que sou grata a DEUS pelos quase 26 anos que nos conhecemos e por tantos desses que somos amigos.
Meu desejo é que DEUS continue te moldando e aperfeiçoando ä imagem e semelhança de JESUS! Que Ele continue a boa obra na sua vida e que eu possa usufruir da sua companhia e amizade ainda muitos anos mais!
E que "a despeito do emburrecimento generalizado da sociedade brasileira", vc continue adquirindo sabedoria e aprimorando-se também intelectualmente (que o tempo, no seu caso, seja uma variável que favoreça o seu crescimento). :)
Já disse e reitero: eu te admiro muito!
Um grande abraço de uma amiga que nutre um enorme carinho por vc!
Querida Ângela, o Espírito Santo ainda tem muito trabalho pela frente: confesso que sou bastante rebelde. Sou muito grato a Deus por ter conhecido pessoas que iluminaram o meu caminho e você, com certeza, é uma dessas pessoas. As suas orações pacientes fizeram a diferença na minha vida. Muito obrigado pelas suas palavras de carinho. Um grande beijo!
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