sexta-feira, 5 de junho de 2009

Ética e o sofrimento de conhecer

Assisti nesta semana ao nono episódio da 12ª temporada dos Simpsons. Gosto muito deste desenho: é um dos poucos que consegue fazer-me rir, além de ser um desenho muito inteligente. No referido episódio, Homer descobre que sua burrice deve-se a um giz crayon em sua cabeça, o que ocorreu num acidente quando ele era criança. Os médicos disseram a ele que a retirada do giz de sua cabeça aumentaria o seu Q.I. em mais de cinqüenta pontos. O aumento de inteligência do Homer surpreendeu sua filha Lisa, mas começou a causar certos incômodos. Ele percebeu que era mais feliz quando era burro. Um fato interessante é que o aumento de inteligência do Homer correspondeu a uma atitude ética quando ele denuncia anonimamente aos superiores responsáveis as condições precárias nas quais a usina nuclear em que trabalha opera. O Senhor Burns, dono da usina, resolve despedir vários empregados por causa das indenizações que ele terá de pagar. Os colegas de Homer, que sabem que ele foi quem delatou a usina, revoltam-se com ele. Homer recorre aos médicos para que o giz seja reinserido em seu cérebro, alegando que ele é um intelectual no meio de ignorantes. Angustiado, ele pergunta à sua filha como ela consegue ser feliz.

O episódio é muito rico e sugere muitas reflexões, lembrando-me daqueles livros comerciais que almejam ver Filosofia* em tudo que for popular e constituinte da cultura pop. Lembrei-me, também, de dois episódios. O primeiro diz respeito a um caso real de uma alemã que teve um lápis retirado de seu cérebro após 55 anos** e o segundo, a um caso que li no meu livro de Biologia no Ensino Médio sobre o qual já fiz referência no meu flog***. Este último caso levava-me à crença da inexistência da alma, mas depois de estudar várias concepções filosóficas que exigem a existência dela ou que a caracterizam diferentemente de uma substância imutável, terei de repensar o caso.

O livro bíblico de Eclesiastes diz o seguinte no último versículo do primeiro capítulo:

"Pois quanto maior a sabedoria, maior o sofrimento; e quanto maior o conhecimento, maior o desgosto.".

Numa entrevista que li do Clóvis de Barros Filho, ele diz que conhecer é algo extremamente prazeroso para ele. Não sei dizer se compartilho da mesma sensação. Já se tornou clichê citar Matrix, mas é perfeita a cena em que um dos guerrilheiros vende-se para retornar à Matrix, dizendo que preferia viver na ilusão do que conhecer a realidade. Em troca da entrega dos seus companheiros, ele pediu para retornar como um milionário, alguém de sucesso na vida. Sempre tive a verdade como bandeira, mas não sei explicar direito o porquê da preferência da verdade acompanhada do sofrimento em vez da mentira e da ilusão. Um tema que o episódio também aborda é a questão da ética. Nunca pensei na Ética de um modo formal. Acho que tenho de ler mais sobre o assunto e refletir mais. Sempre agi seguindo o princípio de que não devo fazer aos outros o que não quero que me façam. Não sabia, inclusive, que este lema ético era explícito na Bíblia como, por exemplo, em Lucas — 6:31 — : "Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles.".

Estudando a ética kantiana, descobri dois princípios que poderiam nortear-me. O primeiro diz que se determinada atitude não pode ser universalizada, não é correta. Explico-me. O ato de mentir por exemplo. O que ocorreria numa sociedade em que a mentira fosse regra? Outros atos como o assassinato ou o suicídio podem ser pensados nessa perspectiva. Outro princípio é que não devemos agir usando o princípio da causalidade, ou seja, tendo as conseqüências por panorama. Se alguém age corretamente pensando em não ser pego ou apresentar uma boa imagem, está agindo errado. As pessoas devem agir segundo o ato em si mesmo. Elas devem ser boas independentemente de serem recompensadas ou não. Concordo com este último princípio, mas tenho minhas dúvidas quanto ao primeiro. Um pai que quer fazer uma surpresa ao seu filho, mas é encurralado por este não pode mentir? Depois de ler o livro Auto-Engano do Eduardo Giannetti****, passei a ter outra visão sobre a mentira e o engano. Já acreditava que estes eram necessários à sobrevivência e responsáveis pelo homem estar no ápice da cadeia alimentar, mas reafirmei minhas convicções depois da leitura do livro. Comecei a pensar desta forma depois que li Nietzsche.

Não acredito que o homem seja naturalmente bom como Rousseau, mas que nasce mau e é mau Tal fato também é bíblico, mas não consegui encontrar a referência exata. Sou adepto da idéia aristotélica de que o ato bom passa a ser praticado a partir do hábito. A Bíblia, aliás, é veemente quando diz que "aquele que faz o mal não viu a Deus" — 3 Jo 11. A idéia do hábito pode ser deduzida a partir do texto de Romanos quando Paulo diz "Odeiem o que é mau; apeguem-se ao que é bom" — Rm 12.9. Não acredito, na verdade, que somos totalmente maus. Minto. Acredito que o mal não existe enquanto substância, mas que é a ausência do bem em diversas intensidades. Minha crença deve-se ao argumento de Santo Agostinho que postei num outro flog meu*****, embora tenha de admitir que a idéia de corruptibilidade no argumento é bem ampla — o que seria a corrupção de ser vivo que não seja humano?.

As pessoas são precipitadas ao criticarem os nossos políticos, mas não percebem que deixam de ser éticas no dia a dia — o uso do hífen é um dos poucos casos que aderi no que se refere à famigerada reforma ortográfica; antes desta, havia diferenças entre "dia-a-dia" e "dia a dia". Atos corriqueiros como enfrentar uma fila de um estabelecimento ou jogar papel no chão mostram o caráter das pessoas. Não sou bonzinho. Já fiz muita coisa errada e, provavelmente, devo fazer muitas coisas das quais não me dou conta. Nesta semana, resolvi observar na UnB quantas pessoas jogariam ao chão o papel de propaganda colocado no carro. De 15 carros que observei, apenas uma pessoa guardou o papel dentro do carro para jogar fora depois — a pessoa poderia ter se interessado pelo assunto contido no panfleto também. No último programa Altas Horas que assisti, o Herbert Vianna, vocalista do Paralamas do Sucesso, disse que se uma pessoa não é capaz de respeitar a vaga reservada para um deficiente físico, quanto mais as outras coisas.

Almoço nas terças com minha namorada e costumo esperá-la debaixo da sombra das árvores perto do portão onde ela sai. Observo, quase sempre, que as pessoas param de qualquer forma na vaga, ocupando duas ou mais vagas, impedindo que outras pessoas possam aproveitar a sombra. Deixei até um recado escrito para uma pessoa que cometeu tal ato. Estou tentando repensar os meus atos para descobrir o que faço ou deixo de fazer que prejudica o meu próximo. Sou uma pessoa extremamente impaciente no trânsito. Acho que as pessoas não têm habilidade e admito que saio cortando os carros. Um primo meu critica o fato de eu não esperar nas filas nos retornos e ir para a "segunda faixa" que, segundo ele, não existe. Ao mesmo tempo em que acho que não sou obrigado a pagar o preço pela lerdeza das pessoas, vejo que, pensando dessa forma, caio no erro de agir segundo o princípio da causalidade que citei anteriormente.

A aquisição de conhecimento e de sabedoria pode ser um caminho que traga sofrimento; contudo, é um caminho necessário para a ética. Não acredito no exercício da ética plena sem algum exercício reflexivo, até porque a ausência deste mostra uma ética que não é plena. Servindo-me de um exemplo do meu professor de Introdução à Filosofia, alguém que se diz caridoso por prazer não é ético! Se a caridade provocasse repulsa, nojo, esse alguém não seria caridoso então? Devemos ser éticos pelo ato em si e sempre nos policiar para que o hábito nos faça éticos. Um fato recente de nossa política que demonstra que o auto-policiamento deve ser diário é o festival das passagens aéreas. Vários políticos que eram tidos como exemplo de ética e defensores desta estavam envolvidos, como, por exemplo, Fernando Gabeira. A ética, por fim, é um assunto que tem de ser pensado e repensado com freqüência.

*http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=2221457&sid=1882282111165845965694825&k5=2E1F610C&uid=

** http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070807_lapisalema_fp.shtml

***http://fabiosal.flogbrasil.terra.com.br/foto8757793.html

****http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=946660&sid=1882282111165845965694825&k5=2319D147&uid=
*****http://www.fotolog.com.br/fabiosal/20921314



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