“Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem, depois da morte, uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do Céu [..]. A Igreja chama Purgatório a esta purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados [604]. [...] A Tradição da Igreja, referindo-se a certos textos da Escritura, fala dum fogo purificador [605]:
Pelo que diz respeito a certas faltas leves, deve crer-se que existe, antes do julgamento, um fogo purificador, conforme afirma Aquele que é a verdade, quando diz que, se alguém proferir uma blasfémia contra o Espírito Santo, isso não lhe será perdoado nem neste século nem no século futuro (Mt 12, 32). Desta afirmação, podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas neste mundo e outras no mundo que há-de vir [606].
Esta doutrina apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, de que já fala a Sagrada Escritura: «Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas» [607]. Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício eucarístico para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus [608]. A Igreja recomenda também a esmola, as indulgências e as obras de penitência a favor dos defuntos:
«Socorramo-los e façamos comemoração deles. Se os filhos de Job foram purificados pelo sacrifício do seu pai por que duvidar de que as nossas oferendas pelos defuntos lhes levam alguma consolação? Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer por eles as nossas orações» [609].
(Catecismo da Igreja Católica, #1030-1032)
Objeção comum #1
“A palavra ‘purgatório’ sequer aparece na Bíblia. Trata-se de uma invenção católica iniciada quando a Igreja pôde fazer dinheiro com a missas que as pessoas ofereciam àqueles falecidos que amavam.”.
Uma resposta católica
Uma compreensão protestante corrente da justificação assegura que ninguém é, realmente, totalmente limpo do pecado. Em vez disso, o cristão, simplesmente, reveste-se do “manto” da justiça de Cristo — e, então, vai para o Céu após a sua morte imaculado externamente. Uma vez que, na teologia protestante, o sangue de Jesus não limpa realmente a inteireza do nosso ser, mas, meramente, cobre-nos, a fim de que sejamos apresentáveis a Deus Pai, muitos protestantes alegam que não há qualquer necessidade de sermos purgados dos nossos pecados pessoais cometidos após o Batismo — uma vez que Cristo realizou a purgação de todo pecado na cruz e revestiu os Seus discípulos da Sua própria justiça.
Por outro lado, a católica (e a bíblica) compreensão da justificação alega que o Batismo em Cristo limpa-nos por completo, internamente e externamente, de todos os pecados cometidos até aquele momento (cf. Atos 2.38), tornando-nos “novas criaturas” (cf. 2 Cor. 5.17). O Batismo em Cristo torna-nos filhos e filhas adotivos de Deus e, portanto, irmãos e irmãs de Jesus Cristo (cf. 1 João 3.1-3; Rm. 8.14-17). Após sermos “investidos de Cristo” nas águas do Batismo (cf. Gl. 3.27-29), os cristãos tornam-se membros de pleno direito da família de Deus.
Considere a seguinte analogia sobre a experiência de ser-se um membro de uma família humana: após nosso nascimento em uma família humana, recebemos o nome da nossa família e, quando temos idade suficiente, é-nos dado o livre-arbítrio pelos nossos pais para sairmos e “brincarmos” na vizinhança. Nas nossas aventuras pelos parques infantis da vizinhança, podemos, muitas vezes, cair e “sujar-nos” e, então, retornar para a casa, diariamente, para um bom banho. Depois de uma esfregação completa dos nossos pais, a amada criança é, mais uma vez, um cheiroso membro da sua família. Se uma criança suja e suada retornasse para o lar dos seus pais e, simplesmente, vestisse-se de roupas novas e sentasse-se na mesa de jantar, os narizes de seus pais, instantaneamente, detectariam que ela precisa de uma boa esfregação e iriam, rapidamente, encaminhá-lo ao banheiro para que ele pudesse estar limpo apropriadamente.
De forma similar, após o nosso nascimento batismal na nossa família celestial (cf. João 3.1-5, 22), nosso Pai celestial (Deus) dá-nos o livre-arbítrio para irmos ao “parque” do mundo. Assim como uma criança em uma família humana, muitas vezes, cai e “suja-se” nas suas aventuras no parque da vizinhança, nós, muitas vezes, “sujamo-nos” espiritualmente e cometemos pecados. Assim como nós, seres humanos, temos de limpar-nos corporalmente por toda a nossa vida, os cristãos católicos limpam-se espiritualmente/sacramentalmente com base no Sangue do Cristo ressurreto.
Posto de forma simples, a doutrina católica do “Purgatório” pode ser definida como o processo de aplicação dos méritos salvíficos da morte e ressurreição de Cristo à alma de um cristão falecido que morreu com pecados, após o Batismo, que não conduzem à morte (cf. 1 João 5.16-17) na sua alma. Após esse processo de lavagem/purgação espiritual, a alma do cristão é, então, preparada para a união total com nosso Deus no Céu, que é todo santidade. Os Sacramentos, simplesmente compreendidos, são “banhos” espirituais no sangue de Cristo ressurreto que nutre e restaura a nossa alma à sua pureza batismal original e que nos permite, mais uma vez, ser membros “cheirosos” (internamente e externamente) da nossa família celestial.
A palavra “purgatório” não está na Bíblia como tal, mas a realidade do Purgatório está solidamente enraizada na Escritura. A Igreja, simplesmente, deu um nome à realidade bíblica. Para fazer uso de uma analogia, a realidade do cometa Haley existia por muito tempo antes de um astrônomo dar a ele um nome a fim de identificar a realidade existente. Outras palavras que não aparecem na Bíblia são as palavras: “Bíblia”, “Trindade” e “Encarnação”. As realidades dessas coisas, entretanto, estão claramente contidas nas Escrituras.
Considere estas passagens da Escritura que, quando postas juntas, apontam para a realidade e para a necessidade de um “Purgatório”:
- Para uma alma entrar no Céu, o Novo Testamento ensina-nos que se deve estar totalmente limpo espiritualmente e ser-se santo — tanto internamente quanto externamente:
“Nela [Jerusalém Celeste, Céu] não entrará nada impuro [...]” (Apocalipse 21.27);
“Felizes os corações puros: eles verão a Deus” (Mateus 5.8);
“Procurai a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” (Hebreus 12.14);
“Vós, portanto, sereis perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste.” (Mateus 5.48).
- A Bíblia ensina-nos que existem dois tipos diferentes de pecado: “Se alguém vê seu irmão cometer um pecado, um pecado que não conduz à morte, ore e Deus lhe dará a vida, se, de fato, o pecado cometido não conduz à morte. Existe um pecado que conduz à morte: não é a respeito deste que eu digo que ore. Toda iniquidade é pecado: mas nem todo pecado conduz à morte.” (1 João 5.16-17). Pode-se ver claramente aqui que as Escrituras falam sobre dois tipos distintos de pecado, classificados de acordo com a sua gravidade e com as suas conseqüências: (a) que conduzem à morte (aos quais a Igreja Católica refere-se como “mortais”) e (b) que não conduzem à morte (aos quais a Igreja Católica refere-se como “veniais”) [1]. Um pecado que conduz à morte (mortal) faz justamente aquilo que o seu nome diz — se não houver arrependimento, eles “matam” as chances de uma pessoa entrar no Céu porque o pecador tem escolhido, livremente, por meio de suas ações, virar, totalmente, as suas costas a Deus [2]. Um pecado “que não conduz à morte” (venial) faz, também, aquilo que o seu nome acarreta — um “pecado que não conduz à morte” (venial) é muito menos grave que um pecado mortal e, então, não “mata” as chances de salvação de uma pessoa. Entretanto, um pecado venial ainda representa uma rejeição da vontade de Deus em um grau menor.
- No Evangelho de Mateus, Jesus fala sobre o pecado que conduz à morte (mortal) de pecar-se contra o Espírito Santo: “E se alguém profere uma palavra contra o Filho do Homem, isto lhe será perdoado; mas se falar contra o Espírito Santo, isto não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro.” (Mateus 12.32). Por que Jesus, do nada, sequer se preocuparia em mencionar a possibilidade de perdão no mundo vindouro se ele não fosse possível para alguns pecados que não conduzem à morte (veniais) menos graves? Parece que, olhando-se essa passagem, a conversão de um cristão em Jesus não cessa com a morte do seu corpo.
- Incluindo a si mesmo na sua declaração, São Paulo escreve à comunidade cristã “salva” em Corinto (cf. 2 Cor. 1.1-2): “Pois todos deveremos comparecer a descoberto diante do tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba o prêmio do que tiver feito durante a sua vida corporal, seja o bem, seja o mal.” (2 Cor. 5.10). O que dizer sobre aquele cristão sincero voltado a Deus que morreu, mas que não estava, ainda, apto a perdoar uma pessoa que tinha o ofendido de alguma forma grave? Que recompensa esse cristão sincero teria de Deus por morrer no pecado de não perdoar? De acordo com Apocalipse 21.27 e com Hebreus 12.14, essa pessoa não estaria ainda pronta para entrar, imediatamente, no Céu. Um Deus misericordioso condenaria esse pecador voltado a Ele à punição eterna no Inferno? A Igreja Católica, juntamente com os Padres da Igreja primitiva, diria que “NÃO”, mas reconheceria que essa pessoa não estaria ainda espiritualmente pronta para entrar no Céu diretamente.
- A Escritura fala, certo número de vezes, sobre a prática dos vivos de orarem pelos mortos. No Novo Testamento, São Paulo reza pela alma do falecido Onesíforo: “Que o Senhor lhe conceda [ao Onesíforo] encontrar misericórdia junto ao Senhor naquele Dia [...]” (2 Tm. 1.18). No Antigo Testamento, nós lemos: “[...] puseram-se em oração. A palavra atonement [“expiatório”] pode ser desmembrada: at-one-ment (significando que a oração destinava-se a ajudar a tornar o pecador falecido um com Deus novamente). Essa prática da oração pelos mortos não teria nenhum sentido se a alma da pessoa estivesse no Céu (a alma já teria alcançado a sua completa satisfação). Essa prática, também, não teria qualquer sentido se a alma da pessoa estivesse no Inferno (São Paulo diz em 2 Ts. 1.9 que o Inferno é eterno e que, uma vez que uma alma entre nele, não há como sair dele). Rezar pelos mortos apenas teria sentido se uma pessoa morresse com pecados que não conduzem à morte (veniais) ainda deixados na sua alma e estivesse passando por um período de transição temporário de purificação antes de entrar no Céu totalmente limpa (cf. Ap. 21.27). Numerosos escritos cristãos primitivos e liturgias antigas falam sobre a prática comum de rezar-se pelos mortos (referência ao final deste capítulo). Grafites nas catacumbas cristãs mostram, graficamente, os fiéis vivos rezando pelos seus entes queridos que partiram [6]. No livro do Sirácida [Eclesiástico], nós lemos: “Que o favor de teus dons chegue a todos os vivos e mesmo aos mortos não recuses tua graça.” (Sirácida 7.33) [7].
- Depois que o corpo de uma pessoa morre, a sua alma está em um dos três lugares: (a) na morte, a alma vai para o Céu se está completamente preparada para tanto (se ela está completamente sem pecado e totalmente orientada a Deus); (b) na morte, a alma vai para o Inferno se está completamente despreparada para o Céu (se ela está repleta de pecados mortais sérios e totalmente orientada a si mesma); (c) a partir da evidência bíblica, parece que, na morte, nosso Deus misericordioso permite que uma alma vá para um lugar de limpeza temporário (“Purgatório”) se ela está, basicamente, orientada a Deus, mas tem ainda alguns traços da pecaminosidade venial deixados na alma [8]. Se uma alma está no Purgatório e está sendo preparada para o Céu, ela pode beneficiar-se das orações dos vivos na Terra (cf. Mc. 12.38-46).
- São Paulo escreve aos cristãos em Corinto: “Sobre esse alicerce [Jesus Cristo] um põe ouro, outro prata, pedras preciosas, madeira, capim, palha. A obra de cada um ficará evidente, pois aquele dia a mostrará: aparecerá com fogo, e o fogo comprovará a qualidade da obra de cada um. Se a obra que construiu resiste, ele receberá seu salário. Se a obra queima, será castigado, embora se salve como quem escapa do fogo.”. (1 Cor. 3.12-15). Patrick Madrid escreve sobre essa importante passagem de São Paulo:
“Essa passagem, mais do que qualquer outra na Escritura, com exceção de 2 Macabeus 12, mostra, claramente, os elementos essenciais da doutrina do Purgatório. Observe vários aspectos chaves do ensino de São Paulo aqui.
Primeiramente, esse processo de pôr em evidência toma lugar após a morte, no momento em que o homem apresenta-se diante de Deus e é julgado pelos conteúdos da sua vida — “E como o destino dos homens é morrer uma só vez — após o que vem o julgamento” (Hb. 9.27).
Segundamente, esse julgamento envolve uma purificação que purga toda a escória que se aderiu à sua alma, o que São Paulo descreve como “madeira, capim, palha”. Esses materiais são queimados nesse julgamento. Inversamente, aquelas obras boas — “ouro, prata, pedras preciosas” — são refinadas e retidas.
Terceiramente, esse processo de purificação dói; ele envolve sofrimento: “Se a obra se queima, será castigado”. Isso significa que esse processo descrito aqui é temporário, uma vez que o homem em questão é destinado ao Céu: “embora se salve como quem escapa do fogo”. Isso, também, indica que o processo de purificação, “com fogo”, ocorre antes de o homem entrar no Céu.
Tudo isso aponta para o fato de que Deus, em sua misericórdia, preparou um caminho para aqueles que morrem em estado de graça (Rm. 11.22) e de amizade com Ele terem as imperfeições e punições temporais devido ao pecado purgadas pelo fogo do Seu amor antes de entrarem na glória celestial [9].
Considere este diagrama visual da realidade bíblica do Purgatório:
- Seguindo o mesmo tema da limpeza espiritual, no Evangelho de Marcos, Jesus fala sobre a purificação necessária exigida dos Seus seguidores: “Pois cada um será salgado no fogo” (Marcos 9.49). Nos Salmos, nós lemos: “Senhor Deus nosso, tu respondias a eles. Tu eras para eles um Deus de perdão, embora vingador de suas maldades.” (Salmo 99.8). Essa passagem da Escritura, certamente, seria consistente com a doutrina do Purgatório, onde Jesus promete salvação ao fiel, mas, primeiramente, exige dele que se desfaça dos resquícios da sua falta de santidade pessoal antes que O veja face a face.
- Entre o nosso juízo particular, que ocorre no momento da morte de cada pessoa (cf. Hb. 9.27), e o Juízo Geral, quando Jesus retorna em glória no fim do mundo e julga a todos (cf. Mt. 25.31-46), há um intervalo de tempo em que as almas têm a oportunidade de ser purificadas de sua pecaminosidade para que, então, possam entrar no Céu totalmente limpas (cf. Ap. 21.27) [10].
- O contato espiritual com aqueles que amamos não cessa na morte (cf. 2 Mc. 12.38-46). Em Ap. 6.9-10, lemos sobre os mártires no Céu (os Santos) que clamam a Deus e suplicam-Lhe para agir em Seu nome. Em Ap. 8.3-4, nós lemos sobre os Santos no Céu constantemente ofertando orações a Deus (sem dúvida, intercedendo com Ele em nome dos outros como eles faziam tão freqüentemente na Terra) [11]. Conforme a Parábola do homem rico e Lázaro (Lucas 16.19-31) e o relato da Transfiguração de Jesus (Mt. 17.1-8), lemos sobre que tipo de interação uma alma pode ter após a morte do seu corpo [12]. São Paulo diz aos cristãos em Roma que a morte não nos separa de Jesus ou de outro alguém: “Quem nos separará do amor do Cristo? [...] nem a morte nem a vida [...] nada poderá separar-nos do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor.” (Rm. 8.35-39).
- Toda alma que entra no Purgatório irá para o Céu um dia. Depois que a última alma deixar o Purgatório e entrar no Céu, ele deixará de existir porque não haverá mais propósito para ele. Depois disso, haverá apenas o Céu e o Inferno por toda a eternidade (cf. Mt. 25.46).
- O Purgatório é um lugar de esperança! No Purgatório, nosso Deus misericordioso dá ao pecador orientado a Deus a oportunidade de entrar no Céu — mesmo se ele não morreu como um Santo perfeito.
Pode-se ver, depois de expormos juntas todas essas passagens da Escritura, a realidade e a necessidade de um lugar transitório de purificação (i.e., o “Purgatório”).
Certa feita, estava dando aulas em uma turma de Crisma para crianças de 11 anos e perguntei-lhes se, depois da sua Confirmação, elas estavam planejando tornar-se mais ativas e envolvidas na prática da sua fé católica. Uma menina levantou a sua mão e disse: “Depois da Crisma, eu acho que quero entrar na igreja ‘XYZ’!”. Depois que peguei minha mandíbula do chão, perguntei-lhe por que ela queria fazer isso. Ela disse: “Porque eles não crêem no Purgatório e eu preferiria muito mais ir ao Céu diretamente quando eu morrer.”. Pensei por um momento e respondi-lhe: “Negar uma realidade a faz deixar de existir? Se eu disser que eu não acredito que exista um Oceano Atlântico, isso o faz evaporar?”. Muitas igrejas protestantes negam a realidade do Purgatório, mas, ao fazer isso, elas estão, simplesmente, escolhendo ignorar uma importante verdade enraizada nas Escrituras. Não reconhecer uma verdade não a faz mudar.
Objeção comum #2
“Os méritos da morte e ressurreição de Jesus provocaram a total remissão do pecado. O Purgatório, portanto, é, simplesmente, desnecessário.”.
Uma resposta católica
Alan Schreck, no seu livro Catholic and Christian (“Católico e cristão”), responde a essa objeção que ouvimos muitas vezes:
‘“Todo pecado é totalmente perdoado e removido por meio da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Os cristãos católicos compreendem o Purgatório como um meio pelo qual essa salvação em Jesus realmente “ocorre” ou é aplicada a pessoas singulares. Se a pessoa morre em alguma escravidão para pecar ou foi aleijada pelos efeitos do pecado, esse pecado e os seus efeitos devem ser removidos, perdoados e purgados antes que a pessoa veja Deus face a face. Por quê? Por causa da santidade de Deus. O pecado e Deus são diametralmente opostos. Deus é tão puro, tão Santo, que nada de impuro ou pecaminoso pode entrar na Sua presença (veja Ap. 21.27). O pecado é queimado pela santidade de Deus, pela sua ira contra o pecado e pelo seu amor pelo pecador arrependido: “Pois o nosso Deus é um fogo abrasador” (Hb. 12.29).
O profeta Isaías teve uma visão de Deus sentado sobre um trono com os anjos ao redor dele gritando: “Santo, santo, santo, o SENHOR de todo poder” (Is. 6.1-3). A resposta imediata de Isaías foi: “Ai de mim! Estou perdido, sou um homem de lábios impuros e meus olhos viram o rei, o SENHOR de todo poder” (Is. 6.5). O Senhor, entretanto, enviou um anjo para purificar os lábios de Isaías com uma brasa do altar de Deus: “Com ela tocou-me a boca e disse: ‘A partir do momento em que isto tocou os teus lábios, a tua falta foi removida, teu pecado está apagado’.” (Is. 6.7). Somente depois disso que Isaías estava apto a falar a Palavra de Deus ao povo”.”’.
Patrick Madrid escreve sobre o Purgatório:
“O Purgatório, realmente, não tem nada a ver com a salvação. É uma fase temporária de purificação pela qual apenas o salvo pode passar [...]. [O Purgatório] tem a ver com a limpeza do salvo e com o seu preparo para as alegrias eternas do Céu. O Purgatório lida com os efeitos temporais devidos ao pecado. Apenas Cristo, por meio da sua morte na Cruz, é capaz de erradicar a penalidade eterna devida ao pecado. Entretanto, há numerosos efeitos dos nossos pecados que permanecem.
A morte de Cristo na cruz não elimina os efeitos do pecado na ordem temporal. Por exemplo, duas conseqüências centrais do pecado original (cf. Gn. 2.15-17; 3.1-19) (i.e., as “punições temporais devidas ao pecado”) são a doença e a morte. Agora, quando Cristo morreu na cruz, Ele nos redimiu da penalidade eterna devida àquele pecado (assim como todos os nossos pecados pessoais e atuais), mas Ele não eliminou, desse modo, os efeitos temporais que foram causados por aquele pecado: principalmente a doença e a morte. Os efeitos temporais devidos ao pecado estendem-se, tristemente, para muito além da doença física e da morte (em 1 Coríntios 11.27-32, Paulo menciona que certos pecados têm efeitos colaterais letais.). Eles incluem as impurezas espirituais e a fraqueza que se adere à alma.” [14].
Objeção comum #3
“A doutrina do Purgatório, na verdade, é uma ‘licença católica para pecar’. É uma rede de segurança que permite um católico viver de qualquer modo que ele queira, e mesmo assim entrar no Céu um dia.”.
Uma resposta católica
Isso nunca foi o ensino ou o entendimento da Igreja Católica concernente à doutrina do Purgatório e qualquer católico que pense isso pode muito bem ter um eterno desapontamento com ele. Nas palavras de Jesus: “quão estreita é a porta e apertado o caminho que leva à vida, e poucos são os que o encontram!” (Mt. 7.13-14). O Purgatório é para o cristão sincero que lutou, com o melhor da sua habilidade, para andar no caminho apertado e para entrar pela porta estreita, mas que ficou aquém da perfeição espiritual. Na tremenda misericórdia de Deus, por meio dos méritos da morte e da ressurreição do Seu Filho, Ele os limpa e prepara espiritualmente antes de entrarem na vida eterna com Ele no Céu.
Os primeiros cristãos acreditavam que a oração terrena beneficiava as almas dos fiéis falecidos e que, portanto, implicitamente, acreditavam na existência de um lugar transitório de purificação espiritual após a morte (i.e. , o “Purgatório”)?
- “Cidadão de uma proeminente cidade, erigi isto enquanto vivia, a fim de que eu pudesse ter um local de descanso para o meu corpo. Abércio é o meu nome, um discípulo do pastor casto que alimenta as suas ovelhas nas montanhas e nos campos, que tem grandes olhos perscrutando toda parte, que me ensinou os escritos fiéis da vida. De pé, eu, Abércio, ordenei que isto fosse escrito — verdadeiramente, estava no meu septuagésimo segundo ano — : 'Que todo aquele que esteja de acordo com isto e que o compreenda reze por Abércio'.” {Abércio, no seu epitáfio (c. 180 A.D.) [15]}.
- “Oferecemos sacrifícios pelos mortos nos seus aniversários de nascimento.” {Tertuliano, no seu The Crown (“A coroa”) (c. 211 A.D.) [16]}.
- “Uma mulher, após a morte do seu esposo [...], rezou pela sua alma e pede que ele possa, enquanto espera, encontrar descanso e que ele possa participar da primeira ressurreição. E a cada ano, no aniversário da sua morte, ela oferece o sacrifício.” {Tertuliano, no seu Monogamy (“Monogamia”) (c. 213 A.D.) [17]}.
- “Mas também, quando Deus julgar o justo, é igualmente no fogo que Ele vai experimentá-los. Nesse momento, aqueles cujos pecados são superiores, seja por causa da sua gravidade ou por causa do seu número, serão reunidos no fogo e serão queimados. Aqueles, entretanto, que foram imbuídos de plena justiça e maturidade de virtude não sentirão esse fogo, porque eles têm algo de Deus neles que irá repelir e afastar a força da chama.” {Lactâncio, no seu The Divine Institutions (“As Instituições Divinas”) (c. 307 A.D.) [18]}.
- “Rezo a vós, ó luz dos moribundos, que a mãe possa descansar bem” {Epitaph of Pectorius (“Epitáfio de Pectório”) (c. 350 A.D.) [19]}.
- Se uma alma parte deste mundo com pecados, qual seria o proveito de ela ser lembrada na oração? Bem, se um rei fosse banir certas pessoas que o ofenderam, e aqueles que intercedessem por elas ornassem uma coroa e lha oferecessem em nome daqueles que seriam punidos, ele não lhes concederia uma remissão pelas suas penalidades? Da mesma maneira, nós, também, oferecemos orações a Ele por aqueles que faleceram, embora eles sejam pecadores. Não ornamos uma coroa, mas oferecemos a Cristo, que foi sacrificado pelos nossos pecados, e, assim, propiciamos o Deus benevolente a eles, assim como para nós mesmos.” {São Cirilo de Jerusalém, nas suas Catechetical Lectures (“Lições Catequéticas”) (c. 350 A.D.) [20]}.
- “[...] não me enterre com perfumes. Não os dê a mim, mas a Deus. A mim, concebido em sofrimentos, sepultem com lamentações, e, em vez de perfumes, ajudem-me com suas orações; porque os mortos são beneficiados pelas orações dos Santos vivos.” {Santo Efraim (f. 373 A.D.) [21]}.
- "Comemoramos os Santos Padres, e Bispos, e todos aqueles que faleceram entre nós, crendo que as súplicas que apresentamos serão de grande assistência para as suas almas, enquanto o tremendo e santo Sacrifício é oferecido [...]. Então, nós, ao ofertar uma coroa de orações em nome daqueles que faleceram, obteremos para eles o perdão por meio dos méritos de Cristo.” {São Cirilo de Jerusalém (f. 386 A.D.) [22]}.
- Após a morte do imperador Teodósio, Santo Ambrósio ora: “Dá descanso perfeito ao teu servo Teodósio, aquele que preparaste aos teus Santos. Que possa a sua alma retornar de onde veio, onde não possa sentir o aguilhão da morte [...]. Eu o amei e, portanto, segui-lo-ei mesmo à terra dos viventes. Não o deixarei, com lágrimas e orações, até que o conduza [...] até o santo monte do Senhor.” {Santo Ambrósio (f. 397 A.D.) [23]}.
- “Portanto, ó Deus do meu coração, agora te suplico pelos pecados da minha mãe. Ouve-me por meio do remédio das feridas que se penduram sobre o madeiro [...]. Que ela possa, então, estar em paz com o seu esposo [...]. E inspira, meu Senhor [...] teus servos, meus irmãos, a quem, com a voz, com o coração e com pena, sirvo, para que todos que lerem estas palavras possam lembrar-se, em Teu altar, de Mônica, a serva [...]” {Santo Agostinho, em suas Confessions (“Confissões”) (c. 400 A.D.) [24]}.
- “Rezemos, também, pelo repouso das almas dos servos de Deus que faleceram e pelo perdão de todas as suas transgressões, deliberadas e não deliberadas [...]” {A Liturgia de São João Crisóstomo (f. 407 A.D.) [25]}
- “Não foi sem uma boa razão ordenado pelos apóstolos que se deveria fazer menção aos mortos nos mistérios tremendos, porque eles sabiam bem que eles receberiam grande benefício disso” {São João Crisóstomo (f. 407 A.D.) [26]}.
Notas finais
[604] Cf. Concílio de Florença (1439): DS 1304; Concílio de Trento (1563: DS 1820; (1547): 1580; veja, também, Bento XII, “Benedictus Deus” (1336): DS 1000.
[605] Cf. 1 Cor. 3.15; 1 Pd. 1.7.
[606] São Gregório Magno, “Dial”. 4, 39: PL 77, 396; cf. Mt. 12.31.
[607] 2 Mc. 12.46.
[608] Cf. Concílio de Lyon II (1274): DS 856.
[609] São João Crisóstomo, “Hom.” In 1 Cor. 41, 5: PG 61, 361; cf. Jó 1.5.
[1] Cf. Catecismo da Igreja Católica, #1854.
[2] São Paulo escreve à comunidade cristã “salva” em Corinto (cf. 1 Cor. 1.1-3): “Então, não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos enganeis a este respeito! Nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pederastas, nem os ladrões, nem os gananciosos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os rapaces herdarão o Reino de Deus.” (1 Cor. 6.9-10). Dizer que as pessoas que cometeram esses tipos de pecados não “herdarão o Reino de Deus”, claramente, aponta para o fato de que eles estão entre os pecados “que conduzem à morte” (mortais) aludidos em 1 João 5.16-17. Note que o Dicionário de Webster define fornicação como intercurso sexual humano diferente daquele entre um homem e a sua esposa. A fornicação, portanto, incluiria os atos do sexo pré-marital, do sexo extra-marital, do sexo homossexual, do incesto etc. . Esses atos, de acordo com a Escritura, são mortalmente pecaminosos e, a menos que se arrependa deles, poderiam muito bem causar a danação das almas das pessoas.
[3] No Evangelho de Mateus, Jesus conclui Sua parábola sobre o devedor implacável: “E, cheio de cólera, seu senhor o entregou aos verdugos, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos tratará meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão do fundo do coração” (Mt. 18.34-35). A partir das palavras de Jesus, é óbvio que uma pessoa que morre na falta de perdão não está pronta para entrar instantaneamente no Reino dos Céus.
[4] Alguns dos soldados judeus falecidos (que eram, aparentemente, além disso, fiéis na prática da sua fé) morreram enquanto usavam jóias que estavam associadas a deuses pagãos.
[5] Note que, em nenhum lugar do Novo Testamento, Jesus condena ou mesmo critica a prática judaica predominante de rezar-se pelas almas dos mortos. Se os judeus estavam errados sobre uma questão teológica tão crucial como essa, Nosso Senhor teria, certamente, os corrigido.
[6] Note que, em 2 Mc. 12.43, o dinheiro é coletado para ser enviado ao templo judeu a fim de que os serviços religiosos sejam prestados às almas dos mortos que morreram em pecados que não conduzem à morte (veniais). Podemos ver como os católicos oferecendo missas pelas almas dos falecidos são paralelos dessa prática antiga documentada na Escritura.
Albert Nevins escreve: “Assim como São Paulo acrescenta os seus sofrimentos (Cl. 1.24) aos sofrimentos de Cristo por causa da Igreja, também, nós podemos acrescentar-lhes nossos sofrimentos e orações para o bem de seus membros.” Cf. Albert Nevins, M.M., “Answering a Fundamentalist” (Huntington, IN: Our Sunday Visitor, Inc., 1990), pp. 91-92.
[7] O converso católico David Currie escreve: “Embora o significado exato de 1 Coríntios 15.29 seja vivamente debatido, um fato é bastante claro. Os cristãos vivos podem fazer algo para beneficiar aquelas almas que já estão mortas: ‘Se não fosse assim, que intentariam os que se fazem batizar em favor dos mortos? Se, em todo caso, os mortos não ressuscitam, por que se fazem batizar em favor deles?’. Este versículo não faz, absolutamente, nenhum sentido a partir do conceito evangélico de Céu e de Inferno. Sem o Purgatório, o que poderia ser ganho por se fazer qualquer coisa para os mortos? Seu destino é inalterável. O ensino ininterrupto da Igreja tem sido o de que nossas orações beneficiam os cristãos mortos.” David B. Currie, “Born Fundamentalist Born Again Catholic”, (San Francisco, CA: Ignatius Press, 1996), p. 133.
[8] Cf. 1 Pd. 3.18-19. Note que existe um lugar de espera para que a plenitude da salvação aconteça.
[9] Patrick Madrid, “Any Friend of God is a Friend of Mine”, (San Diego, CA: Basilica Press, 1996), pp. 68-70.
[10] Obviamente, os falecidos não estão mais no “tempo do calendário” como estão os vivos. O período de tempo de que estou falando é o tempo entre a morte de uma pessoa particular e a Segunda Vinda de Cristo no fim do mundo.
[11] Cf. Rm. 10.1, Cl. 1.9-11.
[12] O Cardeal James Gibbons escreve: “Se, então, é proveitoso para você rezar por seu irmão na carne, por que seria inútil para você rezar por ele fora da carne? Enquanto ele estava vivo, você rezou não pelo seu corpo, mas pela sua alma” Cf. Cardeal James Gibbons, “The Faith of Our Fathers” (Rockford, IL: TAN Books and Publishers, Inc., 1980), p.183.
[13] Alan Schreck, “Catholic and Christian” (Ann Arbor, Michigan: Servant Books, 1984), pp. 195-196. Cf. também o capítulo 10 desse livro.
[14] Patrick Madrid, “Any Friend of God is a Friend of Mine”, pp. 66-68.
[15] Karl Keating (editor), “This Rock” Magazine “The Father’s Know Best” (San Diego, CA: Catholic Answers, Inc., May/June 1992, pp. 47-49.
[16] William A. Jurgens (editor and translator), “The Faith of the Early Fathers (Volume 1)”, (Collegeville, MN: The Liturgical Press, 1970), p. 151.
[17] Ibid., p. 158
[18] Karl Keating (editor), “This Rock” Magazine “The Father’s Know Best” (San Diego, CA: Catholic Answers, Inc., May/June 1992, pp.47-49.
[19] William A. Jurgens (editor and translator), “The Faith of the Early Fathers (Volume 1)”, p. 177.
[20] Ibid., p. 363.
[21] “The Faith of Our Fathers”, p. 177.
[22] Ibid., pp. 176-177.
[23] Ibid., p. 177.
[24] Ibid., p. 178.
[25] “Catholic and Christian”, p.198.
[26] “The Faith of Our Fathers”, p. 178.
[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original: capítulo 11 do livro “Unabridged Christianity: Biblical Answers to Common Questions About the Roman Catholic Faith” (“Cristianismo Integral: Respostas Bíblicas a Questões Comuns Sobre a Fé Católica Romana”)]
Bom trabalho ;)
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