Pedro e Paulo são retratados neste trabalho do século XVII de Guido Reni. A repreensão de Pedro por
Paulo, em Gálatas 2, por hipocrisia no seu trato com os judeus mostra a diferença entre infalibilidade
— que os católicos atribuem ao Papa no ensino de matérias de fé e de moral — e impecabilidade,
ou a liberdade do cometimento de pecados pessoais. Foto da CNS.
São
Paulo repreendeu São Pedro por hipocrisia. Os não católicos, às vezes, alegam
que isso prova que Pedro não era infalível e que Paulo tem, no mínimo, a mesma
autoridade que a de Pedro (então, o papado, em si mesmo, não constituía uma autoridade
especial). Isso parece, entretanto, originar-se mais de um mal-entendido do que
da própria doutrina.
Muitos
parecem estar confusos sobre o ensinamento católico acerca do papado,
erroneamente, pensando que, se os Papas estão protegidos pelo Espírito Santo do
erro referente ao ensino, então, eles devem, portanto, ser seres humanos
perfeitos também (e Pedro, manifestamente, não o era!). Isso se chama
impecabilidade, e não infalibilidade. Para ilustrar essa objeção, não
católicos, freqüentemente, citam a seguinte passagem:
Gálatas 2.9,11-14 (TEB): “e, reconhecendo a graça que me foi dada, Tiago, Cefas [Pedro] e João, considerados como colunas, deram-nos a mão, a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão [...]. Mas quando Cefas veio a Antioquia, eu me opus a ele abertamente, pois assumira uma atitude errada. Com efeito, antes de chegarem os emissários de Tiago, ele tomava as refeições com os pagãos; mas depois da chegada deles, começou a subtrair-se e se manteve afastado, por receio dos circuncisos; e os outros judeus entraram em seu jogo, de tal sorte que o próprio Barnabé foi arrastado pela duplicidade deles. Mas quando vi que eles não andavam direito segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas diante de todos: ‘Se tu, que és judeu, vives à maneira dos pagãos e não à judaica, como podes obrigar os pagãos a se comportarem como judeus?’.”.
A
hipocrisia e outras falhas humanas não são nada de novo. Pedro já tinha negado
a Jesus três vezes; o próprio Paulo tinha perseguido cristãos antes da sua
conversão; o rei Davi cometeu adultério e assassinato; Moisés assassinou um
homem no começo de sua vida e assim por diante. Deus apenas tem pecadores com
quem trabalhar, e trabalhar com eles é o que Ele faz de fato.
A
Bíblia não nos oferece qualquer tipo de suporte para a noção de que líderes
autênticos não deveriam ser obedecidos se eles cometem pecados, mesmo que sejam
pecados habituais. O rei Davi não deixou de ser rei depois do cometimento dos seus
pecados hediondos. Deus não quebrou a aliança que tinha estabelecido com ele.
O
próprio Davi reconheceu a sublime autoridade do rei Saul quando este o
perseguia, chamando Saul de “ungido” de Deus (1 Sm. 24.1-10; 26.1-11). Moisés
não perdeu a sua autoridade depois de desobedecer a Deus (Dt. 32.51).
Jesus
disse aos seus discípulos que obedecessem aos fariseus, mesmo que eles fossem
hipócritas (Mt. 23.2-3). Paulo reconheceu a autoridade do sumo sacerdote judeu
(Atos 23.1-5). Mesmo o (então pagão) governo civil não era apenas para ser
obedecido, mas, também, honrado (Mt. 22.17-21; Rm. 13.1-7), assim ensinaram
Jesus e Paulo.
O
fracasso humano não tem nada a ver com a infalibilidade papal, que se aplica
apenas em matéria de ensino definitivo concernente à fé e à moral, constituindo uma
proteção divina, e nem o incidente em Antioquia sugere que Paulo tinha mais
autoridade que Pedro. A maior autoridade de Pedro é implicada na referência de
Paulo à capacidade de Pedro de “obrigar os pagãos a se comportarem como judeus”.
Um
contra-argumento é o de que, se Paulo, de fato, sabia que Pedro era o primeiro “Papa”
e líder da Igreja, certamente, ele teria saído da linha ao repreender Pedro em
público dessa maneira, acusando-o de negligência grosseira e de não “andar
direito segundo a verdade do Evangelho”.
Isso
parece envolver mais do que, meramente, uma repreensão por hipocrisia.
Portanto, assim nos dizem, Paulo não sabia que Pedro era o “Papa” porque isso
não era verdade antes de tudo.
Esse
contra-argumento também falha. Primeiramente, “falar a verdade a uma autoridade”
não é um tema bíblico desconhecido (por exemplo, o profeta Natan repreende o
rei Davi em 2 Sm. 12.1-15) e tampouco uma repreensão a um Papa no pensamento e história católicos é inconcebível. Grandes Santos como São Francisco e como Santa
Catarina de Sena fizeram isso.
Não
é sequer certo que Paulo estivesse totalmente certo e Pedro completamente
errado. O preeminente estudioso protestante James D. G. Dunn escreveu sobre
essa questão (“Unity and diversity in the New Testament, London: SCM Press, 2nd
edition, 1990, 253-254) e assinalou que, por termos apenas o relato de Paulo,
não podemos, finalmente, decidir quem estava certo e quem estava errado.
Dunn
acredita que a evidência interna que a passagem fornece-nos sugere-nos que
mesmo o próprio Paulo não pensou que ele estava correto decisivamente contra
Pedro:
“Se
Paulo tivesse vencido, e se Pedro tinha reconhecido a força do seu argumento,
Paulo teria, certamente, notado isso, assim como ele tinha fortalecido a sua
posição anterior ao notar a aprovação da “coluna dos apóstolos” em 2.7-10”.
Dunn
vai até mais longe ao afirmar: “é muito provável que Paulo foi derrotado em
Antioquia, que a Igreja, como um todo, em Antioquia, aliou-se a Pedro em
detrimento de Paulo” (os itálicos são dele). Se isso é verdade, então,
obviamente, o incidente não nos forneceria contraprova alguma para o papado.
Dunn nota que Paulo, também, pareceu “mudar o seu tom” posteriormente:
“Dificilmente,
pode passar despercebido que o conselho de Paulo a tais comunidades em 1 Cor. 8.10-13 e em Rm. 14.1 a 15.6 (para não mencionar a sua própria prática de acordo com
Atos 21.20-26) está mais em consonância com a política de Pedro e de Barnabé em
Antioquia do que de acordo com o seu próprio princípio fortemente redigido em
Gl. 1.11-14!”.
Como
conclusão, o “The new Bible Dictionary”, um trabalho de referência protestante,
afirma:
“Gl. 2.11 em diante dá-nos um vislumbre de Pedro
em Antioquia, a primeira igreja com membros significativos vindos do paganismo,
compartilhando a comunhão à mesa com conversos gentios e, então, encontrando
uma barreira de oposição entre judeus e cristãos, diante da qual ele se retira.
Essa deserção foi arduamente denunciada por Paulo; no entanto, não há nenhum
sinal de qualquer diferença teológica entre eles e a queixa de Paulo está mais
relacionada à incompatibilidade entre a prática de Pedro com a sua teoria. A
teoria antiga [...] da persistente rivalidade entre Paulo e Pedro tem pouca
base nos documentos (Organizing editor: J. D. Douglas, Grand Rapids, Michigan,
Eerdmans Publishing Co. , 1962; article “Peter”, written by A. F. Walls, 973).
[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original: http://www.themichigancatholic.org/2016/04/pauls-rebuke-peter-prove-peter-wasnt-infallible/]
Nenhum comentário:
Postar um comentário