sábado, 8 de setembro de 2018

A Virgindade de Maria à luz da Lei Judaica e da Tradição (Irmão Anthony M. Opisso)


[O Irmão Anthony M. Opisso é um converso do Judaísmo e tem vivido como eremita desde 1964, vivendo sob obediência da Abadia de Our Lady of Calvary Abbey, próximo a Rogersville, New Brunswick, Canadá.]

Desde os tempos mais antigos, o adultério carregava consigo um senso de impureza, de modo que uma mulher que tinha conhecido o contato com outro homem, mesmo que à força, não era mais considerada apropriada para ser visitada pelo seu marido (veja Gn. 49.4; 2 Sm. 20.3). O código deuteronômico ensina que uma mulher que é divorciada de seu esposo e que depois se casa com outro homem, igualmente, não pode retornar ao seu primeiro marido (veja Dt. 24.1-4).

Não apenas o adultério, mas até mesmo um casamento legítimo torna uma mulher inapropriada para ser tomada pelo seu primeiro marido. Como o Senhor disse por meio do profeta Jeremias: "Se um marido divorcia-se de sua mulher e esta, separada dele, se casa com outro, será que ele ainda volta para ela? Não seria isso profanar aquela terra [o corpo de sua esposa]?" (Jr, 3.1). Na lei rabínica, uma mulher que cometeu adultério é "impura" e não pode permanecer como esposa de seu marido, mas deve divorciar-se.

Além disso, qualquer contato íntimo da esposa com um homem, judeu ou gentio — potente ou impotente, natural ou não natural —, torna o divórcio compulsório.

Na lei judaica, um homem prometido a uma mulher era considerado legalmente casado com ela. A palavra para "prometido", em hebraico, é Kiddush, uma palavra que é derivada da palavra hebraica Kadash, que significa "sagrado", "consagrado", "separado". Por meio do esposamento (como em Mt. 1.18; Lc. 1.27) ou do casamento, uma mulher torna-se uma propriedade peculiar de seu esposo, proibida a outros. A Lei Oral do Kiddushin (Casamentos e Compromissos) declara: "O esposo proíbe sua esposa para o mundo inteiro, como um objeto que é dedicado para o Santuário.".

Sabemos, a partir do Evangelho de São Mateus (1.19), que José, o esposo de Maria, era um "homem justo", um devoto cumpridor da Lei Judaica. Tendo notado que Maria estava grávida e que ele, prometido a ela, tinha nada a ver com a gravidez, José tinha de ou condená-la publicamente e levá-la para que fosse morta por adultério (Dt. 22.22-29) ou a mandar embora privadamente. A sua decisão já estava tomada quando um anjo apareceu-lhe, em um sonho, dizendo-lhe: "José, filho de Davi, não tenhas receio de receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados" (Mt. 1.20-21). O anjo não usa expressões para a união marital, como "une-te a ela" (como em Gn. 30.3, 4, 16) ou como "convivam" (como em Mt. 1.18); em vez disso, ele usa uma palavra que, simplesmente, significa levá-la para casa como uma esposa (paralambano gunaika), mas não coabitar com ela. Quando o anjo revelou-lhe que Maria era, verdadeiramente, esposa do Espírito Santo, José poderia tomar Maria, prometida dele, para a sua casa como esposa, mas ele não poderia nunca ter relações sexuais com ela porque, de acordo com a Lei, ela estava proibida para ele para sempre.

Nós também temos de levar em consideração que, quando o arcanjo Gabriel disse a Maria "Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus" (Lc. 1.31), ele também acrescentou que isso ocorreria porque, como diz-nos Lucas, "O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus" (Lc. 1.35). Ao declarar-se nesses termos, o arcanjo declarou a Maria que Deus estabeleceria uma relação marital com ela, levando-a a conceber Seu Filho no seu ventre. "Cobrir uma mulher com poder [reshuth]" era um eufemismo para ter uma relação marital com ela. Da mesma forma, "cobrir com a sombra" (como em Lc. 1.35), com "asas" ou "manto" sobre uma mulher era outro eufemismo para ter-se relações maritais com ela.

Assim, os rabinos comentam que Rute era casta em suas palavras quando ela pediu a Boaz que tivesse relações maritais com ela dizendo-lhe: "Eu sou Rute, tua serva. Estende sobre a tua serva a barra do teu manto [literalmente, "asa": kanaph], tu és redentor!" (Rute 3.9)

Outra palavra aramaico-hebraica para "manto" é "tallith", derivada de tellal, que significa "sombra". Então, "espalhar o manto [tallith] sobre uma mulher" significa coabitar com ela. Não disse o Senhor para a Sua noiva Israel: "Eu sou o vosso esposo" (veja Jr. 3.14) e "teu marido é o teu criador" (Is. 54.5; veja também Jr. 31.31)? O que é mais íntimo do que aquilo que o Senhor disse à Sua noiva: "Eu te fiz crescer exuberante qual planta silvestre. Tu cresceste e te desenvolveste, entrando na puberdade. Teus seios se formaram e os cabelos cresceram, mas estavas inteiramente nua. Passando junto de ti, percebi que tinhas chegado à idade do amor. Estendi o manto sobre ti para cobrir a nudez. Eu te fiz um juramento, estabelecendo uma aliança contigo — oráculo do Senhor Deus — e passaste a ser minha" (Ez. 16.7,8).

Tendo sido esclarecido, por um anjo, em um sonho, sobre a gravidez de Maria e talvez ainda mais esclarecido por ela, quanto às palavras do arcanjo Gabriel, na Anunciação, José sabia que Deus tinha se conduzido como marido em relação a Maria. Ela agora era proibida para ele para sempre e, para o bem da criança e de Maria, ele apenas poderia viver com ela em um relacionamento totalmente casto.

Viver uma vida celibatária, no casamento, não era algo desconhecido na tradição judaica. Dizia-se que Moisés, que foi casado, permaneceu continente, pelo resto de sua vida, após a ordem para a abstenção de relações sexuais (veja Êx. 19.15), dada a preparação para a revelação no Monte Sinai. Havia também uma tradição de que os setenta anciãos abstiveram-se de suas esposas após o seu chamado e que assim o fizeram Eldad e Medad, quando o espírito de profecia sobreveio-lhes; de fato, é dito que os profetas tornaram-se celibatários depois que a Palavra de Deus foi-lhes comunicada.

Elias e Eliseu foram celibatários a vida toda. Quando, por causa da Torá (isto é, do intenso estudo dela), um rabino abstém-se de ter relações com sua esposa, isso era considerado permissível, pois ele estava, então, coabitando com a Shekinah (a "Presença Divina") na Torá.

É bastante conhecido que os rabinos falavam sobre a obrigação de todos os homens casarem-se e procriarem: "Aquele que se abstém de procriar-se é considerado como se tivesse derramado sangue". De acordo com um dito antigo, um homem é apenas metade de um homem sem uma esposa; ele cita Gênesis, onde está dito: "Criou-os [Deus] homem e mulher, e os abençoou. E, no dia em que os criou, Deus os chamou de 'ser humano' [ou Adão, do hebraico 'adham']" (Gn. 5.2). Entretanto, "se uma pessoa apega-se ao estudo da Torá (i.e., dedica-lhe todo o seu tempo), como Simeão Ben Azzi, sua recusa em casar-se pode ser perdoada' (Shukhan Arukh, BH 1:4).

O erudito rabínico Simeon ben Azzai (início do século II d.C.) foi extraordinário em seu aprendizado. É dito dele: "Com o falecimento de Ben Azzai, os estudiosos diligentes da Terra cessaram" (Sotah 9:15). Ele nunca se casou e foi celibatário por toda a sua vida a fim de não se distrair de seus estudos; porque ele considerava a Torá como sendo sua esposa, por quem ele sempre ansiava com toda a sua alma, ele justificou a sua solteirice. Ele foi um excelente estudioso e também reconhecido por sua santidade.

A tradição judaica também menciona os celibatários Zenu'im (literalmente, 'castos'), a quem o segredo do Nome de Deus foi confiado, pois ele estavam aptos a preservar o Santo Nome em "perfeita pureza". Aqueles na esperança de uma divina revelação, conseqüentemente, abstiveram-se das relações sexuais e eram rigorosos em matéria de pureza (veja Ap. 14.2-5). Fílon escreveu sobre o celibato dos judeus essênios centenas de anos antes da descoberta dos seus assentamentos em Qumran no Mar Morto.

Fílon de Alexandria (c. 20 d.C. — 50 d.C.), um filósofo judeu cuja obra inclui De vita contemplativa e De Abrahamo, escreveu sobre as mulheres judias que eram "virgens que mantiveram a sua castidade, não sob obrigação, como algumas sacerdotisas gregas, mas por sua livre escolha em seu ardente anseio por Sabedoria. Ávidas por terem a Sabedoria por sua companheira de vida, elas rejeitaram os prazeres dos rapazes e não desejavam nenhuma descendência mortal, mas aqueles filhos imortais que somente a alma que é querida a Deus pode trazer à luz" (Fílon, Cont. 68; veja também Abr. 100), pois os "castos são recompensados com o recebimento da iluminação da luz celestial oculta" (Zohar II.229b-230a). Porque "se o entendimento está seguro e intacto, livre da opressão das iniqüidades ou das paixões [...], ele olhará claramente para tudo o que é digno de contemplação" (Philo, Sob. I.5). Por outro lado, "o entendimento do homem amante do prazer é cego e incapaz de ver as coisas que valem a pena serem vistas [...], a visão daquilo que é maravilhoso contemplar e desejável" (Philo, Q. Gen. IV. 245).

Como destinatário da grande revelação de que a concepção no ventre de Maria, sua prometida, foi obra do Espírito Santo e de que a criança que nasceria dela estava destinada a salvar Seu povo dos seus pecados, certamente, José sabia que ele foi chamado para tomar conta de Maria e de sua criança, o Messias, pelo resto de sua vida, e é por isso que o anjo diz-lhe para tomar Maria como sua esposa. Podemos supor, razoavelmente, que a própria Maria agora compartilhou com ele tudo o que o arcanjo Gabriel disse-lhe. Ninguém menos do que "o Filho de Deus" (Lc. 1.35) estava confiado aos seus cuidados sob o abrigo da sua humilde casa, que se tornaria agora o "Santo dos Santos".

A tradição judaica menciona que, embora o povo tivesse de abster-se de relações sexuais com suas esposas por apenas três dias antes da revelação no Monte Sinai (veja Êx. 19.15), Moisés escolheu permanecer continente pelo resto da sua vida com a aprovação de Deus. Os rabinos explicam que isso ocorreu porque Moisés sabia que ele estava pessoalmente designado para comunicar-se com Deus, não apenas no Monte Sinai, mas, em geral, durante os quarenta anos de peregrinação no deserto. Por essa razão, Moisés manteve-se "apartado de mulher", permanecendo na condição de santidade de separação para estar sempre à disposição de Deus — os rabinos citam o mandamento de Deus a Moisés em Deuteronômio 5.28 como evidência.

Novamente, podemos ter certeza de que São José permaneceu celibatário por toda a sua vida porque, durante os seus anos de casado, ele estava em atendimento e comunicação diária com Jesus: a Palavra Encarnada de Deus.

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; Texto original: OPISSO, A. Mary's Virginity in Light of Jewish Law and Tradition. In: STRAVINSKAS, P. The Catholic Answer Book of Mary. Huntington: Our Sunday Visitor Publishing Division, 2000. p.44-46]

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