segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Afinal, a que vem o Criacionismo?

Não consigo entender qual é a proposta dos criacionistas e dos adeptos do chamado "Design Inteligente" em detrimento da proposta evolucionista. Quem tem conhecimento do desenvolvimento histórico da Ciência sabe que, no decorrer do tempo, teorias costumam ser suplantadas por outras que continuam explicando o que já era explicado, mas abarcam fenômenos que não tinham explicação. Niels Bohr chamou essa necessidade de manter os conhecimentos já desenvolvidos de "Princípio da Correspondência" que acabou tornando-se praxe no fazer ciência. Um exemplo é a Teoria da Relatividade Geral que abarcou a Teoria da Gravitação Universal newtoniana, fornecendo explicações e previsões que esta não conseguia dar.

Diante da indignação dos criacionistas, eu me pergunto: o que o "Criacionismo Científico" ou — não estou dizendo que as duas teorias são a mesma coisa — "Design Inteligente" fornece de explicação que a Teoria da Evolução não explica? Alguns apressados poderiam dizer que elas explicam que o mundo teve um criador. Bem, discordo absolutamente, já que dizer que houve um criador não é explicar nada; além do mais, a proposta evolucionista nada diz respeito da existência de uma entidade sobrenatural. Atenção: ela nada diz respeito significa que ela não confirma, nem nega.

Vi vídeos de uma conferência que tinha por pauta o debate entre as três linhas já mencionadas — http://www.apologia.com.br/?p=76 . Recomendo, inclusive, que vocês vejam a explanação do Dr. Aldo Mellender de Araújo: ele foi muito didático e aprendi coisas que não sabia. É gritante a diferença dele para os outros debatedores. No vídeo da mesa redonda, o Dr. Marcos Nogueira Eberlin, do qual já tinha ouvido falar, mostra o qual tacanha é sua mente. Ele diz que resolveu adotar sua atual postura com relação à Teoria da Evolução depois de ler uma reportagem da Veja, que, por sinal, parece abordar o Evolucionismo com a óptica dos chamados neo-ateístas. Pelo menos, ele tem currículo Lattes, contrariamente ao famigerado Adauto Lourenço, que, infelizmente, tem ganhado notoriedade no meio evangélico.

Analisando, contudo, o currículo do Eberlin, percebi que ele teve 23 artigos publicados em 2009. Alguns podem ficar impressionados, mas para mim, isso é picaretagem. Em primeiro lugar, nenhum artigo dele neste período tem menos de quatro pessoas envolvidas. Alguns pesquisadores, costumam associar-se a tudo que conseguem para ter o seu nome envolvido em projetos para colocarem no seu currículo. Sei que poderão defendê-lo dizendo que a Ciência hoje é feita em grupos, mas não ter nenhum artigo só de autoria dele em 23 é de estranhar-se. A área dele é experimental, o que também facilita a publicação de artigos — você não encontra esses números em currículos de pesquisadores teóricos. Ele ganhou um prêmio da Capes pelo número de artigos. Se existe algo que me frustrou nos dois anos em que trabalhei com pesquisas na UnB foi esse enfoque das instituições de pesquisas nos números.

Existem dois grandes problemas que tenho observado na persistência do embate entre Criacionismo e Evolução. O primeiro grande problema é que as pessoas confudem o materialismo filosófico — que busca um entendimento do mundo em seus diversos níveis, ontológico, metafísico e afins, a partir da exclusão de uma realidade sobrenatural — com a Teoria da Evolução. Creio que os, já mencionados por mim, neo-ateístas, talvez, sejam responsáveis por essa grande confusão. A Evolução é baseada em dois principais pontos: Seleção Natural, sobre a qual acredito que não haja discordâncias, e Ancestralidade comum. Este ponto, em particular, gera muita discórdia, mas mais por falta de entendimento do que qualquer coisa.

No link para a conferência que citei, o doutor Paul Nelson abarca a Abiogênese como constituinte do Evolucionismo, o que não é verdade; de qualquer forma, mesmo a crença de que o inanimado deu origem ao animado, não exclui a existência de uma entidade divina. Também é importante dizer que a Ancestralidade Comum não fala de apenas um ser vivo dando origem a vários seres, mas, como explica o doutor Aldo na sua palestra, a uma população de indivíduos.

Atenção: a Teoria da Evolução é uma teoria científica como qualquer outra, sujeita a futuras suplantações e aperfeiçoamentos. Li um questionamento do William Lane Craig¹ — um dos meus pensadores na atualidade favoritos — sobre a questão da inferência na constituição da ancestralidade comum. Concordo com os questionamentos dele em certa medida, mas não entendo por que outras teorias não recebem a mesma atenção por possuírem pontos de crítica. A Teoria da Relatividade Geral não consegue explicar o mundo quântico, mas os cristãos não saem vociferando contra ela por aí; da mesma maneira, a Mecânica Quântica é uma teoria probabilística tanto quanto a Evolução, mas nenhum crente fala que não acredita nela ou coisa parecida.

Outro grande problema que vejo é que quem ataca a Ciência o faz por não a entender e quem a coloca em pedestais, dando-a objetivações das quais ela não se propõe, também, tampouco, conhece-a. As pessoas não conhecem a força e a fraqueza da Ciência. Não sabem que nada em Ciência é feito totalmente livre de subjetividade, e as minhas pesquisas no Espaço de Hilbert da Mecânica Quântica confirmam isso para mim, mas também não sabem que a Ciência não tem relação nenhuma com o sobrenatural e nem tem intenção de dizer nada sobre isso.

Não consigo entender como as pessoas querem tornar a existência de um criador incompatível com o Evolucionismo. Quem criou a Seleção Natural? Deus não pode ter se servido dos mecanismos explicados pela Teoria da Evolução para atuar no mundo e criá-lo? Estou terminando de ler um livro do John F. Haught intitulado Cristianismo e Evolucionismo — em 101 perguntas e respostas. O livro está servindo-me muito mais para entender como funciona a mente de quem diz-se criacionista do que para qualquer coisa. Aliás, se existe uma coisa mal formulada no embate de que falo é a terminologia. Criacionista evolucionista deveria ser alguém que crê na Teoria da Evolução, mas acredita num Deus criador. Deveriam livrar-se do termo "Criacionismo" para designar esse conjunto de críticas ao Evolucionismo. Digo "conjunto de críticas" porque não passa disso, já que nunca os vi propondo nada que o Evolucionismo não explique, isso quando as críticas não passam de falácias ou de falta de entendimento.

Enfim, John F. Haught é um teólogo católico. É interessante ver como a Igreja Católica, principalmente a partir do papa João Paulo II, posicionou-se em favor do Evolucionismo. Até os budistas e hindus parecem ser mais sensatos que os protestantes². O engraçado é ver como teólogos importantes e cientistas renomados são cristãos e favoráveis ao Evolucionismo sem ver nenhum problema nisso; por exemplo, John Stott, Billy Granham, Alister McGrath, Kenneth R. Miller, C. S. Lewis, Theodosius Dobzhansky — um dos principais nomes no desenvolvimento da Teoria Sintética Moderna ou Neo-Darwinismo —, Francis Collins — geneticista responsável pelo Projeto Genoma Humano —, Ronald Fisher — um grande nome na Estatística — e muitos outros.

O livro do Haught que citei diz que o problema está no literalismo, tanto científico quanto bíblico. O primeiro refere-se ao que falei sobre pessoas colocando a Ciência num pedestal que não concerne a ela e o segundo refere-se a pessoas que se prendem à Bíblia em suas minúcias. A Bíblia não tem pretensão de fazer Ciência. Ela é fruto da mentalidade de quem escreve e esta é fruto da cultura de sua época, o que inclui o nível de conhecimento científico do momento em que se escrevia o texto. Ora, em Levítico 11.11-19, o morcego é tratado como ave em vez de morcego. Se a Bíblia tivesse a intenção de ser científica, ela não cometeria tal equívoco — mesmo não havendo uma classificação dos seres vivos na época em que foi escrita. Tiago, em Tiago 5.3, não diria que o ouro enferruja! São muitos os exemplos na Bíblia. Esta tem a objetivação de revelar a Deus e não como a natureza funciona. O embate entre Criacionismo e Evolucionismo deveria ser antecedido por um debate sobre Filosofia, Ciência, Hermenêutica Bíblica entre outros campos. Acredito que tal embate nem ao menos existiria se as pessoas conhecessem os referidos campos.

¹Scepticism about the Neo-Darwinian Paradigm:
http://www.reasonablefaith.org/site/News2?page=NewsArticle&id=6711
(Neo-Darwinismo é a junção do darwinismo com a genética proposta por Mendel, também chamada de Teoria Sintética Moderna.)

² Vejam o histograma da sessão "Acceptance
":
http://en.wikipedia.org/wiki/Theistic_evolution