quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Sobre a mudança de nome deste blogue

Há tempos eu me sinto incomodado com o nome deste blogue. Para quem não sabe, De omnibus dubitandum est é o mote latino que sintetiza o método da dúvida hiperbólica cartesiana, que nos ensina que devemos duvidar de tudo. 

Em 2001, com 15 anos de idade, eu li os meus primeiros livros de Filosofia. Naqueles tempos, freqüentava bastante as bancas de revistas. Em uma das minhas visitas à banca, aqui perto de casa, encontrei um exemplar da Martin Claret, contendo as obras Apologia de Sócrates e Banquete de Platão, em um só volume, e um exemplar da coleção Os Pensadores, com a capa verde à época, contendo as obras Discurso do Método, As Paixões da Alma e Meditações.

Aquelas leituras impactaram a minha vida de forma definitiva, e Sócrates e Descartes tornaram-se meus heróis desde então. Na adolescência, quando viajava à praia nas férias, fazia tatuagem de henna com a inscrição latina cartesiana supracitada – tentei encontrar os registros fotográficos que tenho desses momentos ridículos sem sucesso.

Foi o polimatismo de Descartes e as suas falas sobre a importância da unidade do conhecimento que me fizeram ter interesse pelas Ciências Exatas. Sem ele, dificilmente teria cursado Física e Matemática na universidade anos mais tarde. 

Fui um racionalista cartesiano de carteirinha, por anos a fio, chegando a ter o Regras para a Direção do Espírito como meu livro de cabeceira; contudo, em 2011, depois de 10 anos das minhas primeiras leituras filosóficas, tive contato com o pensamento do professor Olavo de Carvalho sobre Descartes, que se tornaria o maravilhoso livro Visões de Descartes em 2013, e com a sua definição de Filosofia e correspondente descrição do que vem a ser o método filosófico.

Quando me converti ao Catolicismo, em 2013, um tio meu pastor perguntou-me como eu, sendo um filósofo, poderia tornar-me católico: afinal, o Catolicismo contém dogmas inquestionáveis, enquanto um filósofo deveria pôr tudo em dúvida. O padre Scott Randall Paine, que foi meu professor na UnB, ao ouvir o meu relato sobre a conversa que tivera com meu tio, deu-me uma das melhores analogias que já ouvi sobre o que vêm a ser os dogmas da Igreja. Ele me disse que os dogmas são como os paralelepípedos de uma estrada: eles não servem para simplesmente delimitar o caminho a ser percorrido, mas principalmente para permitir que o motorista possa avançar com segurança.

O ponto é que meu tio reproduzia uma concepção bastante freqüente, mas equivocada, sobre o que vem a ser a Filosofia, com a qual, por sinal, concordei por anos; no entanto, a Filosofia não se inicia com a dúvida, mas com a anamnese, com o rastreamento da origem das nossas idéias e com a assunção da nossa responsabilidade por elas. A reminiscência platônica, no fim das contas, é precisamente isso! 

Não é função do filósofo colocar tudo em dúvida, mas tomar conhecimento daquilo que ele já conhece inequivocamente, daquilo que ele não tem como duvidar; ademais, o próprio método da dúvida hiperbólica é impossível – deixo-lhes a leitura do livro do professor Olavo por indicação a fim de que vocês vejam o seu argumento que demonstra isso.

Passados os anos de jovem intrépido, que cria ter o dever de sair questionando tudo do alto da sua razão, deveria buscar um novo emblema que fosse mais fiel àquilo que creio no momento. Creio ter encontrado: in pulverem reverteris. São as últimas palavras de Gênesis 3.19: "No suor do teu rosto comerás o pão, até voltares ao solo do qual foste tirado. Porque tu és pó, e ao pó hás de voltar".

O Padre Antônio Vieira, em um dos seus sermões, por ocasião da quarta-feira de cinzas, lembra-nos que o pó futuro, em que nos converteremos, está diante dos nossos olhos, mas que o pó presente, aquilo que realmente somos, não é tão evidente.

Se Deus se ausentasse de mim por um só segundo, deixando de sustentar-me no ser, eu desapareceria; se não fosse pela participação da minha inteligência na Sua Inteligência, não haveria a possibilidade de que eu conhecesse o que quer que seja; e tampouco haveria o que quer que seja para ser conhecido se Deus, igualmente, não sustentasse a Criação no Seu ser e não a preservasse por meio da sua Divina Providência.

Desde que me tornei católico, a minha vocação para a vida intelectual tomou outro sentido. Eu quero conhecer para poder amar mais e melhor a Deus e para ajudar o próximo: afinal, como nos lembra Santo Tomás, a função de um sábio não é apenas contemplar a Verdade, ordenar todas as coisas e julgar princípios, mas apontar e corrigir os erros.

É impossível enveredar-se pelo caminho da sabedoria e do conhecimento sem virtudes, e é impossível ser virtuoso sem autoexame, sem perscrutar o próprio coração a fim de que se notem as próprias misérias e cinzas.

Toda e qualquer empreitada de conhecimento só faz sentido diante da perspectiva da morte e do que realmente somos: pó!

Por isso, a partir de hoje, este blogue passa a chamar-se In Pulverem Reverteris.