sábado, 24 de novembro de 2012

Projeto Filosófico-Teológico: Os Livros que Concebi, mas não Imaginei

Há tempos, venho pensando sobre alguns projetos em Filosofia e Teologia nos quais pretendo trabalhar. Tenho pretensões de escrever livros sobre os assuntos que destrincharei na postagem de hoje. O subtítulo "Os Livros que Concebi, mas não Imaginei" faz referência à diferenciação entre imaginação e concepção, presente na Lógica da Imaginação desenvolvida pelo professor Alexandre Costa Leite, no texto "Logical Properties of Imagination", que me orientou numa iniciação científica e na minha monografia de conclusão de curso. O referido professor, no seu sistema, mostra que tudo o que se imagina é concebido, mas nem tudo que se concebe pode-se imaginar. Fazendo uso de um exemplo famoso cartesiano presente no texto do meu orientador, podemos imaginar um triângulo, na medida em que temos uma imagem mental dele, mas não conseguimos, por exemplo, imaginar um quiliógono — um polígono regular de mil lados —, pois não conseguiríamos ter a certeza de que o objeto que imaginamos tem, de fato, mil lados, mas conseguimos entender a idéia e trabalhar com ela. Fiz uma alusão a essa distinção no meu subtítulo, mas, obviamente, não falo em sentido literal: de fato, não há limitações, ao menos para pessoas sem algum tipo de limitação psicológica, para ter-se a imagem mental de um livro. O que quis dizer é que eu concebi os livros, na medida em que pensei sobre eles, mas que ainda não tenho sequer uma linha escrita, o que seria a parte imagética em questão, embora tenha muitos esboços. Na postagem de hoje, listarei alguns desses projetos, dando algumas explicações.

1. Os Cinco Pontos do Calvinismo e Suas Possibilidades Lógicas 
Parei para pensar, um dia, sobre quais seriam as possibilidades de posturas com relação ao Calvinismo. Na verdade, os remonstrantes propuseram os seus cinco artigos da remonstrância antes dos calvinistas apresentarem os seus cinco pontos, mas a história acabou dando maior visibilidade aos calvinistas; por isso, optei por citar os cinco pontos do Calvinismo no título — por uma questão de marketing — em vez de mencionar os artigos da Remonstrância, com os quais concordo. Na verdade, o próprio Calvino não seria um calvinista, a partir dos cinco pontos do Calvinismo, e nem Armínio seria arminiano, a partir dos cinco pontos da Remonstrância.

Num primeiro momento, pensei que haveria 32 possibilidades, admitindo-se que se possa negar ou afirmar cada um dos pontos; num segundo momento, lembrando-me de que Armínio não tinha uma posição definida no que se refere à perseverança dos santos, aumentei minha contagem para 243 sistemas, pois seria possível não apenas a afirmação ou negação de cada um dos pontos, mas uma posição de dúvida e ceticismo. Por último, lembrando-me das quatro possibilidades de oposição, já presentes no pensamento de Aristóteles — contrariedade, subcontrariedade, subalternação e contraditoriedade — aumentei a quantidade de sistemas possíveis para 7776. O meu objetivo com esse livro é abordar todas essas possibilidades. Pretendo rastrear no decorrer da história quais dessas possibilidades foram defendidas por correntes cristãs diversas e receberam, portanto, um nome. Faço, por exemplo, uma diferenciação entre Arminianismo e Remonstrantismo. Dentro dessa diferenciação, eu não seria um arminiano. Seria, na verdade, um trabalho hercúleo falar sobre todos os 7776 sistemas, mas já pensei em uma maneira sistemática de falar sobre todos eles sem os abordar nos seus pormenores. Não darei maiores explicações para deixá-los curiosos.

2. Ética Cristã Sistematizada
Tenho, ultimamente, refletido muito sobre a Ética e isso é resultado de discussões que tenho tido com o professor Julio Cabrera sobre a sua "Ética Negativa". Não é segredo que o meu sistema ético é o cristão. Contrariando o que muitos costumam pensar, o Cristianismo não é constituído por uma lista de normas que devem ser cumpridas ou descumpridas. O que a Bíblia, por exemplo, dá ao cristão são diretrizes gerais para que possamos, por meio do enchimento do Espírito Santo, ter discernimento quando tivermos de agir. Essas diretrizes, entretanto, estão espalhadas ao longo do texto das Escrituras. O meu objetivo, nesse texto, é tratar a Ética Cristã, a partir do texto bíblico, numa abordagem sistemática e lógica. No mesmo texto, incluirei um capítulo intitulado "O Fundamento Único e Necessário da Ética", no qual mostrarei que sistema éticos só podem ser fundamentos numa base religiosa, especificamente aquela que inclua um ser que tenha certas características ou certos atributos. Desde que comecei a refletir de maneira mais detida sobre a Ética, tenho percebido que ela é uma ótima maneira de argumentar apologeticamente, principalmente em uma sociedade tão politicamente correta como a nossa.

3. O Relativismo Lógico
No meu curso de "Lógica 1", vários foram os impactos que tive sobre o que pensava até então. Um desses impactos foi tomar conhecimento de que existia uma infinidade de sistemas lógicos e que a toda teoria havia um sistema lógico subjacente. Newton da Costa e Michael Dummett falam sobre o que da Costa chama de "Problema da Dedução". Esse problema não coincide com o que chamo de "Relativismo Lógico" porque trata apenas do problema de justificar-se por que se escolhe um determinado sistema numa teoria. O Relativismo Lógico, entretanto, trata do problema de que, aparentemente, qualquer discurso defendido pode ter a sua contraparte contraditória igualmente defendida em outros contextos, dada a aparente falta de privilégio de algum sistema em particular. Há, ainda, uma problemática no que se refere à noção de necessidade e possibilidade lógicas, pois o que pode ser possível ou necessário num dado sistema pode não o ser em outro. O Relativismo Lógico coloca todo o empreendimento do conhecimento numa situação desconfortável. Pretendo, ao longo do texto, mostrar como várias teses filosóficas no decorrer da história são completamente refutadas quando se tem em mente esse relativismo que surgiu por conta dos desenvolvimentos técnicos do século XX. Na minha monografia, intitulada "Investigações Epistemológicas:  Combinando Demonstrabilidade e Conhecimento", se não me engano, numa nota de rodapé, falo de uma possível saída ao Relativismo Lógico.

4. Teoria dos Pragma
A Lógica Formal preocupou-se, no decorrer do seu desenvolvimento, principalmente, com deduções, nos seus aspectos sintáticos e semânticos. A Filosofia Analítica chegou a conhecer duas vertentes que se dividiam entre formalistas e adeptos da linguagem natural. Essa divisão hoje não faz muito sentido e cada vez mais essas vertentes têm se aproximado. Um dos desenvolvimentos mais interessantes foi aquele referente aos aspectos pragmáticos da linguagem. A Lógica Formal, entretanto, ainda não os absorveu, de maneira que ainda se fala apenas em relações de conseqüência sintáticas e semânticas. As teorias matemáticas conhecidas como Teoria da Prova e Teoria dos Modelos dão conta dessas relações, de maneira que há, hoje, um nível impressionante de sofisticação. A minha proposta é construir uma teoria matemática a partir do que chamo de "relações de conseqüência pragmáticas". Ainda não sei direito como fazer isso e terei de estudar muita Teoria da Prova e, principalmente, muita Teoria dos Modelos. Existem teorias na Lingüística, como o que é conhecido por "Pragmática Formal", que, como diz o nome, buscam dar conta da Pragmática de maneira formal. Não tenho muito conhecimento dessas teorias. Esse livro será, muito provavelmente, aquele que me dará mais trabalho, se é que o projeto é possível.

5. Cartas Autobiográficas
A ordem dos livros que pretendo escrever está aleatória. Fui listando na medida em que me lembrava deles. Se fosse para respeitar uma ordem cronológica no que tange às suas concepções, as "Cartas" deveriam ocupar a primeira posição, uma vez que as concebi há muitos anos. Confesso que ainda não tenho uma postura definida quando se fala sobre a relação da vida pessoal dos filósofos com a sua obra. Há muita discussão sobre o assunto: alguns dizem que é essencial conhecer a vida de quem escreve, enquanto há quem defenda que os detalhes pessoais podem ser ignorados. A despeito desse debate, essas cartas serão desabafos. Sempre me senti íntimo da escrita e creio que me abrir por meio da escrita serve até como método para canalizar os sentimentos que tenho de inibir para viver em sociedade. A minha grande dúvida com relação ao que escreverei é se devo fazer uso das conhecidas peneiras de Sócrates, regulando a minha fala pelos critérios da verdade, da bondade e da necessidade. Confesso que os últimos dois critérios serão difíceis de serem seguidos por mim. A minha tendência é a de ignorá-los e terei de justificar-me ao tomar essa postura. Confesso que tenho pensado em vários modos de justificar esse empreendimento, mas, também, confesso que ele dar-se-á mais por necessidades existenciais do que intelectuais. Quando descobri que Julien Green escreveu, dos 26 anos aos 96, 17 volumes de um diário, empolguei-me para tentar fazer o mesmo, se é que terei muitos anos pela frente.

6. Nietzsche Cristianizado
Li o meu primeiro livro de Nietzsche com 18 anos no meu terceiro ano do Ensino Médio. Gostei muito na época e, aos 19, apropriei-me da Ética nietzschiana. Depois da minha conversão em 2009, com 23 anos de idade, vi que teria de livrar-me de todo aquele pensamento do qual havia me impregnado. Refletindo sobre o assunto, percebi que Nietzsche pode ser adaptado para o Cristianismo. O professor Olavo de Carvalho, num dos seus programas TrueOutspeak, mencionou que Eugen Fink tentou sistematizar Nietzsche e acabou encontrando muitos sistemas possíveis. Seria problemático, portanto, afirmar, nesse sentido, que Niettzsche poderia ser cristianizado, uma vez que não há somente um Nietzsche a ser cooptado. Na verdade, só pensei em escrever um livro sobre esse assunto após algumas discussões, mas confesso que, dentre os textos que listo aqui, esse é o projeto pelo qual menos me interesso.

7. Uma Defesa da Norma Culta
Não é segredo para ninguém que sou um ferrenho defensor da norma culta da nossa Língua e que tenho posições muito puristas. Embora, no meio acadêmico, o preconceito lingüístico (Vocês não sabem a raiva que sinto quando o corretor ortográfico indica que o uso que faço do trema está incorreto!) seja um lugar-comum, tenho me sentido mais tranqüilizado quando vejo, pelo menos nos meios que freqüento, que as pessoas parecem ainda dar certa importância ao seguimento da variação culta da nossa Língua, embora essa importância, na maior parte das vezes, não tenha reflexo nas suas falas. Há tempos, pensei em escrever uma "Gramática Lógica da Língua Portuguesa", que seria normativa e não descritiva, com auxílio da minha namorada Danielle, que cursa Letras e teria mais conhecimento técnico que eu, mas tenho pensado melhor sobre esse outro projeto. Enfim, o que mais percebo entre os detratores da norma culta é que eles entendem absolutamente nada de Lógica e esse conhecimento é crucial para entender a sua importância. Nesse texto, pretendo dar muitos argumentos para defender a Norma Culta, dialogando com os textos que procuram relativizá-la.

8. Trilogia Paulina
Não tenho lembrança precisa de quando tive a idéia de escrever essa trilogia, mas me lembro de que li em algum livro que o tripé que Paulo indica na sua carta aos Coríntios é de suma importância. Pensei, então, que a fé, a esperança e o amor podem nortear todo o pensamento cristão. Pretendo, portanto, em três volumes — um dedicado ao amor, outro à esperança e outro à fé — tratar desses temas. O primeiro volume que pretendo escrever é aquele dedicado ao amor. A minha intenção é ler a Bíblia três vezes, com cada vez tendo por chave de leitura um dos temas. Farei, ainda, um diálogo com a tradição filosófica e científica. Lidarei com algumas questões específicas, como o casamento. Tenho muitas discussões com o já mencionado professor Julio Cabrera sobre o assunto e, além do mais, tenho uma visão muito particular sobre o casamento cristão, que pretendo fundamentar na trilogia. Creio que a nossa vida prática está intrinsecamente relacionada com o arcabouço teórico que temos. Muitas atitudes que julgo inadequadas entre os cristãos, creio eu, são conseqüência de uma falha de compreensão desse tripé mencionado por Paulo, embora não compartilhe da ingenuidade socrático-platônica de que as pessoas agem de maneira errada por não terem conhecimento do que é correto.

9. Física Política 
No ano passado, fiz um curso de Tópicos em Filosofia da Religião no qual estudamos Teologia Política. No contexto do curso, o professor Hubert Jean-François Cormier apresentou-me o texto "A Física da Política — Hobbes contra Aristóteles", da professora na Unicamp Yara Frateschi. Como trabalho final da disciplina, escrevi um texto intitulado "A Física Política de Hobbes — A Influência dos Conceitos Físicos no Leviatã", no qual mostrei como a Física desenvolvida por Hobbes — para quem não sabe, Hobbes criou uma física própria — tem influência direta sobre a sua construção em Política. Percebi, então, que havia um novo filão de estudos e comecei a perceber como praticamente todos os filósofos da modernidade, de maneira explícita, tinham essa relação e, em pesquisa conjunta com o professor Jean, voltei-me para a Antigüidade para estudar como essa relação deu-se no decorrer da história. Infelizmente, as minhas pesquisas com o professor Jean tiveram um interregno porque estava sem tempo para as leituras e pesquisas. Percebi, no decorrer da pesquisa, que a Física Política constitui, ainda, um método hermenêutico. Escrevi um texto chamado "Três modos de Física Política: Relações Possíveis entre duas Esferas" no qual falo de "Esferas dependentes", "Esferas independentes" e "Esferas singulares", falando sobre como a Física e a Política podem relacionar-se. O meu projeto com o professor Jean era o de escrevermos livros abordando o assunto em ordem cronológica. Teríamos, portanto, volumes lidando com o assunto na Antigüidade, na Modernidade, no período Moderno, assim como na contemporaneidade. Folheando, ontem, o último exemplar da Scientific American, vi uma matéria sobre a relação entre a Física Quântica e sistemas políticos muito interessante. Confesso, entretanto, que para lidar com o assunto na contemporaneidade, teria de voltar a estudar Física por conta própria, uma vez que ignoro completamente muitas teorias desenvolvidas no século XX, como, por exemplo, a Cromodinâmica Quântica.

10. Os Atributos Divinos: Uma Análise Teo-Lógica
Depois que li um argumento do William Lane Craig que mostrava por que Deus tem de ser onisciente, comecei a pensar se é possível argumentar, sem apelo à revelação, sobre todos os atributos divinos previstos nas Escrituras ou até mesmo argumentar sobre outros que não estejam explicitados nelas. Na minha monografia, que já mencionei, dou uma explicação do meu projeto de construção de um sistema filosófico. Pretendo construir um sistema filosófico em termos restritos e gerais — tendo em vista a terminologia que se costuma utilizar para referir-se à Relatividade de Einstein. O meu sistema restrito não fará nunca uso do que os teólogos costumam chamar de "Revelação Especial", o que abrange, grosso modo, Cristo e as Escrituras, enquanto o meu sistema geral procurará abarcar a Revelação Especial e a Revelação Geral, que se refere, de maneira resumida, à criação divina. Talvez, no escopo desse livro, eu faça essa divisão ou escreva dois tomos para lidar com essa divisão que criei no meu projeto.

11. A Cerca da Minha Conversão
Desde que me converti, as pessoas ficaram muito interessadas sobre como se deu a minha conversão. Inicialmente, comecei a escrever um texto para postar neste blog com o título desse livro e, talvez, ainda o faça; entretanto, percebi que seria mais produtivo escrever algo mais longo. Agostinho e Rousseau escreveram as suas "Confissões". Esse livro seria na linha dessas confissões. Uma explicação resumida para o título é que vejo a minha conversão como uma espécie de cerca que ao mesmo tempo limita e liberta, mas a explicação pormenorizada da metáfora ficará para o livro.

12. Epistemologia Edênica
Nesse livro, pretendo discutir de maneira lógica como se dava o conhecimento no período edênico, aquele anterior ao advento do pecado original. Pretendo usar um sistema combinado de sistemas epistêmicos e aléticos para modelar várias teses, especialmente aquela agostiniana sobre quatro estágios epistemológicos no decorrer da história da humanidade. Interessa-me muito, também, compreender melhor o que significava não ter conhecimento do bem e do mal. Do ponto de vista semântico, satisfazer uma conjunção significa satisfazer os dois termos envolvidos por ela. Se Deus é a bondade, se a bondade é imanente a Deus, como é possível que Adão e Eva não tivessem conhecimento do bem e do mal?

13. Cristianismo Nadegalista
Por falta de um nome melhor, chamei de "nadegalista" a um conjunto de desvios do Cristianismo autêntico. Quanto mais eu estudo, mais eu modifico a minha definição de Cristianismo Nadegalista. Para citar um exemplo, tenho refletido muito sobre o pacifismo cristão e o meu entendimento sobre o assunto será crucial para escrever esse livro. Os cristãos de hoje tem se deixado influenciar pelo politicamente correto. O que será que estes pensariam de Cristo entrando num templo e derrubando as barracas de quem fazia comércio com um chicote nas mãos? Mostrarei os perigos que a cultura pós-moderna oferece a um cristianismo autêntico.

14. A Ética do Cotidiano: As imoralidades nossas de cada dia
Esse será um livro de ensaios sobre circunstâncias do cotidiano nas quais costumamos ignorar a ética. Abordarei diversas situações como aquelas que vivenciamos nos shoppings (Na minha época nacionalista e antiestadunidense, usava a expressão "Centro de Entretenimento e Lazer" para preterir estrangeirismos como esse), estacionando os nossos carros, enfrentando filas para comer ou escolhendo os lugares onde sentaremos. O estopim para eu ter a idéia desse livro foi quando, numa das apresentações do coro do qual participo, quando estávamos entregando as becas, havendo uma fila, um dos coristas pediu para outra pessoa entregar a sua beca. Pensei, então, sobre se essa atitude seria ou não imoral e o que deveria ser levado em conta. O livro discorrerá sobre situações como essa.

15. Uma Filosofia do Estar
Na minha monografia, eu mostro quais são as condições necessárias para conferir-se valores de verdade a expressão do indicativo na Língua Portuguesa. Creio que os filósofos, no decorrer da história, sempre supuseram que a Língua que eles utilizam para filosofar não é grande empecilho para a atividade filosófica. O  ceticismo com relação ao aparato mental do ser humano foi muito maior do que aquele com relação à linguagem, embora alguns filósofos e escolas filosóficas tenham desconfiado da linguagem, desconheço qualquer desenvolvimento semelhante àquele que promovi na minha monografia. Heidegger destacava o papel do Grego e do Alemão para a Filosofia; entretanto, nenhuma dessas Línguas faz a diferença fundamental entre ser e estar. O ser tem ganhado muito destaque nos empreendimentos filosóficos, enquanto o estar recebeu pouca atenção. Pretendo construir uma filosofia do estar, aproveitando a diferenciação explícita que é feita na Língua Portuguesa. Numa nota de rodapé da minha monografia, comento o seguinte: "A Língua Inglesa, que é a principal Língua utilizada no meio acadêmico, não faz, igualmente, tal distinção. A famosa frase shakesperiana — em seu texto "Hamlet" — To be, or not to be, that is the question teria quatro possibilidades interpretativas se fosse traduzida para o Português: 'ser ou não ser' — modo mais freqüente nas traduções —, 'estar ou não estar', 'ser ou não estar' ou ainda 'estar ou não ser'. O papel da disjunção na frase, assim como o entendimento do que se entende por 'ser' e por 'estar' poderia trazer luz ao texto de Shakespeare.". Farei uma abordagem filosófica dessas possibilidades em um dos capítulos do livro.


terça-feira, 13 de novembro de 2012

A Inevitabilidade da Mediocridade e a "Síndrome de Gabriela" (Reflexões Acerca dos meus 27 Anos)

Dizem que existem crises durante as diversas fases cronológicas da nossa existência: "crise dos trinta", "crise dos quarenta" e daí em diante. A sociedade ocidental criou certo fetiche por números redondos do qual não compartilho. Passo pela crise dos vinte e sete — um professor meu disse, certa feita, que existencialistas não  passam por essas crises específicas porque viver já é uma crise, sendo elas um privilégio de analíticos. Confesso que tenho crises desde a mais tenra infância; portanto, nesse sentido, sou um existencialista.

Sempre me senti atrasado com relação aos outros: primeiramente, nasci no segundo semestre do ano e aqueles que nasceram nesse período sabem do sentimento de atraso com relação àqueles colegas da escola que aniversariam no primeiro semestre. Sempre figurava entre os mais velhos da sala. A situação deteriorou-se depois que reprovei o meu primeiro ano do Ensino Médio — não foram raras as situações nas quais me sentia deslocado ao observar certos comportamentos infantis dos meus colegas. Tirei minha carteira de motorista aos 19 anos por conta de um castigo imposto pelos meus pais devido à referida reprovação; ingressei na universidade, ainda por conta da minha reprovação, tardiamente, embora tenha passado direto pelo PAS e nunca tenha feito cursinhos, e, se tudo der certo, concluirei a minha primeira graduação oficial, de maneira tardia novamente, aos 27 anos. 

Desde que tomei conhecimento, ainda na minha adolescência, do conhecido annus mirabilis — ano miraculoso — de Einstein, no qual ele publicou uma série de quatro artigos fundamentais na Física aos 26 anos, tomei essa idade como uma idade limite na minha vida. Pretendia fazer algo relevante até os 26 anos. Pesava o fato de sempre ter lido em livros e textos de divulgação que o período médio de fertilidade de físicos e matemáticos durava até os trinta anos. Se, portanto, não tivesse feito nada relevante até os 30, não seria depois que faria algo importante. Bem, tomei consciência do projeto intelectual que tinha pela frente aos 14 anos, em 2001, ano da minha reprovação. Nunca consegui aprender, paradoxalmente para alguns, tanto quanto naquele ano. Nos anos seguintes, durante o meu Ensino Médio, trabalhei arduamente em problemas matemáticos sem me dar ao trabalho de aprender primeiro a literatura disponível. Tive, por diversas vezes, a frustração de acreditar que tinha criado algo genial, mas, quando mostrava meu resultado para meu professor de Matemática, descobria que algum gênio do século XVII, como um Leibniz, tinha descoberto há muitos anos aquilo que eu acreditava ser relevante. Resolvi, depois de uma série de fracassos, aprender, primeiramente, tudo o que pudesse sobre o que já tinha sido desenvolvido. Outro momento de frustração foi quando, na faculdade, percebi duas coisas. A primeira é que não havia rigor na Física. O que eu aprendia nas disciplinas da Matemática era completamente negligenciado pelos meus professores e pelos livros. A segunda é que muitas das minhas perguntas aos professores ou não tinham resposta — eu recebia respostas do tipo: "Para responder isso, é preciso desenvolver uma teoria quântica da gravitação satisfatória" — ou demandavam conhecimentos de teorias que não aprenderia na graduação. Fiquei completamente desmotivado, pois teria de passar 4 anos naquela brincadeira sem poder estudar o que realmente me interessava. O que mais me motivou durante os meus anos na Física foi a minha iniciação científica. Estudei muito mais para ela, aprendendo Mecânica Quântica sozinho, sem ter terminado o meu curso de Cálculo, ouvindo do meu orientador a conclusão genial de que ele tinha percebido que eu estava tendo dificuldades com a teoria quântica, que eu só aprenderia oficialmente de maneira introdutória nos dois últimos semestres do curso.

Sempre fui um polímata e confirmei essa minha característica depois de conhecer Descartes. Enquanto meus colegas do colégio odiavam certos grupos de disciplinas, sentia-me interessado por tudo e isso dificultou muito a minha escolha de que área deveria abraçar profissionalmente. Escolhi a Física por três razões principais: poderia estudar Matemática e até obter o diploma da área de maneira simultânea, que era o que eu gostava mesmo, embora eu quisesse trabalhar com Física; havia um mercado de trabalho melhor do que as outras áreas que eu tinha mais afinidade, como, por exemplo, a Música, e, por último — a razão mais importante — era a área que mais me desafiava intelectualmente. Pensava, na época, que encontraria pessoas geniais no curso de Física. Sempre fugi da mediocridade, mas, para a minha infelicidade, sempre estive cercado dela — incluindo a própria mediocridade presente em mim mesmo. Outra decepção no curso foi perceber que havia pessoas abaixo do nível da mediocridade: geralmente, quem tinha ido pra Física era quem não tinha capacidade para passar nos cursos de Engenharia. O curso de Física, então, era visto como uma espécie de cursinho pragmático, que abarcava o status de dizer-se que se é um aluno da UnB — o que hoje está completamente banalizado. 

Quando li que Einstein passou os últimos trinta anos da sua vida trabalhando na unificação da Física, que esse problema ainda estava em aberto, e quando li, em alguns artigos, que, talvez, seria necessário desenvolver uma nova matemática para solucionar essa questão, decidi que iria tentar embrenhar-me nela. Ainda no meu Ensino Médio, eu trabalhei, sem o saber, no problema matemático da Hipótese de Riemann, usando ferramentas muito primitivas. Quando tomei conhecimento das proporções daquilo, o que inclui o fato de que aquele problema era um dos sete problemas do Milênio — hoje, são seis —, desisti de pensar nos Primos. Não sei a partir de quando, exatamente, comecei a desinteressar-me por essas questões  propriamente físicas e matemáticas e comecei a pensar no âmbito metadiscursivo, que considero que seja um critério para identificar-se pensamentos filosóficos. Na verdade, desde o meu Ensino Médio eu sabia que teria mais facilidade em enveredar-me pela Filosofia, no sentido de tentar dar alguma contribuição; contudo, a área nunca me ofereceu grandes desafios intelectuais ou ginásticas mentais.

Um dos problemas do polimatismo é que não vivemos mais na Antigüidade ou no período Moderno, quando se podia dominar, de certa maneira, facilmente, outros campos do conhecimento. Hoje, o conhecimento é tão amplo e tão especializado que é praticamente impossível versar-se em todas as áreas. Confesso que isso gera muita indecisão na minha vida. Explico-me. Não demorei muito para perceber que o campo da argumentação é dominado por poucos. Já na época da Física, quando estudei Números Hipercomplexos, percebi que quase ninguém na Física tinha ouvido falar de Quatérnios, Octônios ou Sedênios. Tirando o meu orientador, ninguém sabia do que eu estava falando. Aquilo me causou um impacto profundo. Eu poderia desenvolver resultados impressionantes, mas poderia ocorrer de ninguém, ou quase ninguém, entender do que eu estava falando. A Música pareceu-me ser uma área que poderia salvar-me. Construir harmonias e melodias — componho desde 2001 — seria uma maneira mais fácil, embora mais enigmática e obscura, de passar a mensagem que gostaria de passar. Crio, há tempos, sinfonias inteiras mentalmente, mas não tenho o treinamento técnico para pôr tudo no papel. Já pensei em capacitar-me; entretanto, percebi que o sentimento estético não é algo uniforme e que, principalmente entre os brasileiros, ele costuma ser extremamente deficitário. Constatações práticas fizeram-me perceber que as pessoas, em geral, não estão interessadas em aprender, em descobrir a verdade — na verdade, muitos crêem que não há algo que se possa chamar de "verdade" —, mas em afagar o seu próprio ego. 

Tive, e estou tendo, uma série de reflexões que tem me levado questionar-me sobre se devo comunicar-me com os outros — admito que tenho a tendência, como Nietzsche, de acreditar que nasci póstumo e que, talvez, meus leitores ainda não tenham nascido ou, provavelmente, nunca venham a nascer. Já pensei na possibilidade de escrever e disponibilizar apenas postumamente os possíveis resultados que venha a obter, além daqueles modestos que creio ter obtido até hoje. Essas reflexões têm gerado em mim um questionamento sobre a necessidade que temos de sermos reconhecidos. O filósofo Olavo de Carvalho disse, certa feita, que ele, numa conversa com Deus, pediu a Ele que pudesse conhecer a verdade e que se ele tivesse a oportunidade de transmitir aos outros o que ele descobrisse isso seria o de menos. Confesso que tenho dificuldades em ter essa mesma postura. Disse, anteriormente, que as pessoas precisam ter seus egos afagados, mas me questiono sobre se tenho, realmente, buscado a verdade ou se apenas quero ser aplaudido e reconhecido — o que acho que nunca terei por essas bandas, escrevendo na Língua de Camões. A minha aparente fuga da mediocridade, na verdade, acaba imergindo-me nela, igualando-me àqueles que precisam ser bajulados. O mesmo Olavo de Carvalho disse, em certa ocasião, que começou a publicar os seus livros tardiamente somente após poder ter se olhado no espelho e poder ter dito a si mesmo que não havia mais nada a esconder de si mesmo. A empreitada filosófica, no meu entender, iniciada de maneira mais enfática e contundente por Sócrates, teve por mote o autoconhecimento: como diria o filósofo, "Conhece-te a ti mesmo". Temo que os meus 26, agora 27, anos não tenham sido suficientes para que eu possa ter a mesma atitude diante de um espelho.

Diante dessa absorção inevitável da mediocridade, vejo-me diante do que um colega meu disse-me recentemente sobre a "Síndrome de Gabriela" — lembrem-se do saudoso Dorival Caymmi: "Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim: Gabriela, sempre Gabriela.". Nunca fui uma pessoa conformada. Meu pensamento nunca foi estanque. Minha mãe sempre se incomodou com essa característica minha. Já que estamos no âmbito musical, eu diria que "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Não vejo mérito nenhum em pensar-se exatamente da mesma maneira durante a vida inteira. Fui criticado por alguém, um dia desses, que dizia que, anos atrás, era um antirreligioso ferrenho, mas hoje sou um "fanático fundamentalista". Aqueles que são mais íntimos a mim sabem que nunca tive problemas em admitir meus erros, em desculpar-me por eles — acho desonesto guardar a admissão do erro para si mesmo sem o tornar público —, mudando de posicionamento quando convencido. Acho no mínimo curioso, para não dizer que seja um caso de demência, quando as pessoas, orgulhosamente, dizem que são como são porque assim sempre foram e que, por isso, assim sempre serão. 

Citando novamente Nietzsche, o que pode parecer estranho por eu ser cristão — concebi, há tempos, por incrível que pareça, numa conciliação entre o pensamento de Nietzsche e o Cristianismo, mas isso é assunto para um livro —, prefiro acreditar que "o meu hoje contradiz o meu ontem". Se eu não for uma pessoa amanhã diferente do que sou hoje, alguém melhor de preferência, não vejo, sinceramente, por que permanecer vivo. Sempre admirei a reverência que os orientais têm pelos mais velhos; contudo, creio que a reverência é acompanhada pela detecção de sabedoria. Na nossa cultura ocidental, entretanto, vejo cada vez mais que as pessoas parecem emburrecer com o passar dos anos, a despeito do emburrecimento generalizado da sociedade brasileira, em vez de adquirir sabedoria e aprimorarem-se intelectualmente. Recentemente, tenho visto tantos casos de pessoas que deveriam ser maduras por conta da sua idade cometendo erros inacreditáveis que confesso que tenho as minhas dúvidas sobre se o tempo pode ser uma variável que favoreça o crescimento das pessoas. Não duvido que seja um fator que, talvez, atrapalhe.

Em alguns anos anteriores, pedi a alguns familiares e amigos que enumerassem qualidades e defeitos em mim para que eu pudesse ter uma visão de mim mesmo que fosse mais compatível com aquilo que realmente sou, mas tenho me convencido — por conta de questões técnicas inclusive, como o conceito filosófico sobre atitudes proposicionais — de que a única pessoa capaz de ter uma visão mais realista de mim mesmo que não seja eu é Deus, uma vez que “Deus é aquele que em mim é mais eu do que eu mesmo, ou seja, é minha verdadeira consistência e a minha verdadeira natureza, a minha verdadeira origem, que subsiste dentro de mim, permanece dentro de mim como um mistério”, como diria Claudel. 

Há tempos, concebi escrever o que chamei de "Cartas Autobiográficas". Depois que descobri que Julien Green escreveu os seus diários, em 17 volumes, entre seus 26 e 96 anos — com relação ao Green, estaria, portanto, defasado em um ano — tomei a decisão de, realmente, implementar aquilo que já tinha concebido há tempos. Digo isso porque a postagem de hoje tem perfil autobiográfico, mas não pretendo ser, de maneira alguma ser exaustivo, até porque seria impossível sê-lo.

Termino, então, dizendo que a minha luta contra a mediocridade durante os meus vinte e sete anos de vida, por vezes, parece tragar-me mais ainda para ela. Fiz muito pouco durante esses anos. Tenho me preparado para tentar compensar os anos que perdi, gastando tempo com o que não vale a pena. Se morresse hoje, deixaria algumas dezenas de canções, que, sinceramente, embora algumas tenham um toque de vislumbre de genialidade musical ou poética, são bem simplórias; alguns poemas e contos de qualidade pior ainda e, finalmente, o meu texto de monografia, com muitas idéias originais e interessantes, que é o que considero que fiz de melhor até hoje, mas cujas idéias desenvolvi muito pouco. Sempre pensei nessa perspectiva de importância, mas tenho chegado à conclusão de que, mais do que deixar algum tipo de patrimônio precioso para os outros, devo buscar de modo verdadeiramente sincero aprimorar-me. Estou cada vez mais convencido de que nós mesmos já somos trabalho demais para nós mesmos e, enquanto cristão, concordo com o Evangelho de Mateus: "Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte" (Mateus 5:14). O meu erro nesses vinte e sete anos talvez tenha sido procurar ser mais parecido com Einstein do que com Cristo, até porque apenas me converti em 2009. O único tipo de reconhecimento com o qual deveria preocupar-me é o de ser reconhecido como luz, mas não uma luz que emana de mim mesmo, mas como um espelho que reflete a luz emitida pelo Espírito Santo que habita em mim. Olhar no espelho e ver que nada escondo de mim mesmo será ver através da minha alma a presença divina na qual vivo, movo-me e existo (Atos 17.28) .