domingo, 21 de dezembro de 2014

Lógica para estúpidos: o caso Jair Bolsonaro "versus" Maria do Rosário


   Há tempos que não escrevo neste blogue, mas o recente incidente entre o deputado Jair Bolsonaro, do PP, e a deputada Maria do Rosário, do PT, e a loucura onipresente na mídia, com raríssimas exceções, fizeram-me querer escrever por senso de justiça e por necessidade. Apesar de eu estar completamente voltado à escrita da minha dissertação de mestrado, arrumei um tempo na madrugada para escrever. 

   Antes de qualquer comentário, é importante ressaltar uma pequena diferença entre os referidos deputados. Bolsonaro foi eleito em primeiro lugar no Rio de Janeiro para deputado federal nas últimas eleições, com 464.572 votos ( http://www.eleicoes2014.com.br/jair-bolsonaro/ ), enquanto do Rosário foi eleita em décimo primeiro lugar no Rio Grande do Sul para o mesmo cargo com 127.919 ( http://www.eleicoes2014.com.br/maria-do-rosario/ ). A quantidade de votos do Bolsonaro é, aproximadamente, 3,6 vezes maior que aquela obtida por do Rosário. Trago os dados acima porque algo que não falta a Bolsonaro é representatividade; portanto, aos arautos da democracia, aceitem de uma vez que ele não está lá de graça, mas porque foi eleito, com muitos votos por sinal.

   Para quem não sabe do episódio, Bolsonaro, no último dia 9 ( https://www.youtube.com/watch?v=oFUsd1e-6zE ), relembrou no Congresso uma diatribe que teve com Maria do Rosário no Salão Verde ( https://www.youtube.com/watch?v=atKHN_irOsQ ). Ao ser chamado de estuprador, ele revidou, dizendo que jamais estupraria a deputada porque ela não merece. Com a ameaça de que levaria uma bofetada, ele respondeu que daria outra e chamou-a de "vagabunda". Como é próprio da mentalidade esquerdista, a referida deputada fez um chilique vitimando-se e indagando-se: "O que que isso? O que que isso?", como se chamar alguém de estuprador fosse nada.

   Após o ocorrido, começou o barulho dos enlouquecidos. Protestos pelas redes sociais, fotos com cartazes de protesto dizendo "eu não mereço ser estuprado" e, para a minha completa surpresa, até o Reinaldo Azevedo, que costuma ser bastante lúcido nas suas análises, escreveu textos exigindo desculpas do Bolsonauro em contraposição a um silêncio estarrecedor quanto ao crime de imputação de crime cometido por Maria do Rosário ( http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/conselho-de-etica-abre-processo-contra-bolsonaro-e-o-certo-se-ele-nao-se-desculpar-com-as-mulheres-que-seja-punido-ou-sera-mesmo-que-eu-quero-a-simpatia-das-esquerdas/

   Nesta semana, repercutiu nas redes sociais a intervenção do Renato Oliveira no Programa do Jô naquele quadro das "meninas do Jô" — Cristina Serra, Lilian Witte Fibe, Ana Maria Tahan e Lucia Hippolito (O programa completo pode ser visto aqui: http://tanoar.cf/programa-do-jo-16-12-2014-completo e parte dele aqui: https://www.youtube.com/watch?v=aZvyZUFfx1Y ). Ao gritar "viva Bolsonaro", Jô Soares perguntou: "quem é que gritou esse absurdo?". Corajosamente, o rapaz levantou a mão e disse que havia entendido o que Bolsonaro havia dito. Estupidamente, para usar um termo que o próprio Reinaldo Azevedo atribuiu à fala do deputado, as "meninas do Jô" afirmaram que havia um caso claro de apologia ao crime. 


   O Brasil é o país do politicamente correto. A famosa coleção for dummies foi traduzida, de maneira muito atenuadora, como "para leigos". O Longman Dictionary of Contemporary English não é tão pudendo e registra claramente que alguém dummy é, simplesmente, uma pessoa estúpida (stupid person). Pode pensar o leitor que se trata de uma exceção, mas vejam outra coleção famosa como a The Complete Idiot's Guide. Sabem como ela foi traduzida para a Língua Portuguesa? Acreditem se quiserem, mas a tradução foi "O guia completo para quem não é C.D.F."! 

   A tradução correta desta coleção introdutória levou-me ao título desta postagem: "Lógica para estúpidos". Por meio do uso de lógica rudimentar, baby logic, como diria um professor meu — o dicionário Longman também registra a acepção de for dummies como sendo for babies — procurarei mostrar como o Bolsonaro não disse nada de mais a partir de quatro linhas argumentativas.

1. O argumento da contrafactualidade

   Em seu último artigo publicado no Diário do Comércio, intitulado "Três notinhas da semana" ( http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/tres_notinhas_da_semana ), o professor Olavo de Carvalho mostrou por que é um dos poucos intelectuais vivos neste país. Ele explica, precisamente, o ponto que explicarei aqui com outras palavras.

   A fala do Bolsonaro parte de um CONTRAfactor, a saber, a suposição de SE ele FOSSE um estuprador. O que o deputado afirmou foi o seguinte: "SE eu FOSSE um estuprador, eu jamais a estupraria porque você não merece"; em outras palavras, ele disse que, na hipótese de ele ser um estuprador, a Maria do Rosário não seria um alvo dele por ela não oferecer atrativos. Simples assim. Uma pessoa não pode estuprar outra tendo completo repúdio por ela. Algum atrativo ela tem de ter. É neste sentido figurado que o Bolsonaro apelou à questão do "mérito". Diante da acusação criminosa que ele recebeu, a sua resposta foi educada até demais. 

   Afirmar que o Bolsonaro fez apologia ao crime, como bem explica Olavo de Carvalho, é partir da premissa contrafactual e não do fato de que ele, de fato, NÃO é um estuprador. A inversão, aqui, é completa.


2. O argumento da subalternação



   Se é para entender o "mérito" da fala do deputado de modo literal, vamos avaliá-la, então, do ponto de vista lógico. Qualquer estudante iniciante de lógica conhece o quadrado das oposições de Aristóteles. Nele, temos quatro relações de oposição. Na contraditoriedade, as proposições não podem ter, simultaneamente, o mesmo valor de verdade, ou seja, se uma for verdadeira, a outra tem de ser falsa e vice-versa; na contrariedade, elas podem ser falsas ao mesmo tempo, mas não podem ser simultaneamente verdadeiras; na subcontrariedade, temos o caso inverso do anterior, podendo ser as proposições simultaneamente verdadeiras, mas não falsas e, por último, temos a relação de subalternação, por meio da qual, dada a veracidade de uma proposição, a outra será verdadeira, no caso, a verdade de "A" implica a verdade de "I", mas não o inverso, e o mesmo caso ocorre com "E" e com "O". O quadrado acima é apenas uma possível decoração do quadrado das oposições. A proposição "Todo S é P", no canto "A", poderia ser qualquer outra coisa.

   Dito isto, vamos à fala do Bolsonaro. Ele afirmou que a Maria do Rosário NÃO merece ser estuprada. Vários daqueles que bradam contra ele alegam que nenhuma mulher merece ser estuprada. Para facilitar, vamos tratar a propriedade de não merecer ser estuprado como sendo a propriedade P. O sujeito S será "mulher". O que os detratores do Bolsonaro dizem, portanto, é que "Toda mulher possui a propriedade de não merecer ser estuprada", precisamente, "Todo S é P", em contrapartida à afirmação do deputado de que "Maria do Rosário tem a propriedade de não merecer ser estuprada" ("Algum S é P"). 

   Ora, qual a relação entre a fala do deputado e a vociferação dos seus detratores? A relação é de subalternação! Se é verdadeiro que Todas as mulheres não merecem ser estupradas, é verdadeiro, em particular, que a Maria do Rosário não merece ser estuprada. O simples fato de que alguém faça um cartaz de uma proposição do tipo "Todo S é P" frente a uma afirmação do tipo "Algum S é P", já mostra o quadro de completa estupidez. Qualquer pessoa que tenha estudado o mínimo de Teoria da Argumentação e de Lógica sabe que é completamente irrelevante argumentativamente afirmar isto. 

   A afirmação do Bolsonaro, portanto, não passa de um corolário daquilo que todos aqueles que o atacam afirmam.

3. O argumento do princípio hermenêutico da caridade

   Alguém poderia, talvez, alegar que, embora se possa, de fato, depreender que "Algum S é P" de "Todo S é P", o inverso não é válido. Isto é verdadeiro. Se eu afirmo, por exemplo, que um homem, em particular, tem dois olhos, não se pode inferir disto que todos os homens têm dois olhos. Da fala do deputado de que a Maria do Rosário não merece ser estuprada, nada poderíamos dizer, portanto, sobre o que ele pensa sobre todas as outras mulheres. Na Lógica, entretanto, existe algo chamado "entimema". Entimemas são premissas implícitas em uma argumentação. Sabendo-se do histórico do deputado, que ele tem lutado pela aprovação de projetos de lei contra estupradores, é óbvio supor que, no seu corpo de crenças, havia a suposição da premissa de que ninguém merece ser estuprado, ou seja, no nosso caso específico, de que todas as mulheres possuem a propriedade de não merecerem ser estupradas. 

   Alguém poderia, ainda, objetar perguntando por que razão dever-se-ia aceitar esta suposição de um entimema na sua fala. A razão é simples. Existe um princípio hermenêutico chamado princípio de caridade. Grosso modo, o princípio afirma que, havendo mais de uma inferência possível, aquela interpretação que melhor favoreça o seu interlocutor deve ser escolhida.

   São Josemaria Escrivá dizia que "Quando não há retidão naquele que lê, torna-se difícil que descubra a retidão daquele que escreve". De fato, quando não há retidão naqueles que interpretam, fica, realmente, impossível enxergar retidão em qualquer proferimento. 
   
4. O argumento da coerência


   Se é para processar o deputado Bolsonaro e apedrejá-lo, que tal começar por todos aqueles que dizem que eles mesmos não merecem ser estuprados, com cartazes ou frases de efeito pela internet? Explico-me. A forma do que o deputado disse à Maria do Rosário é "Algum S é P", ou seja, "A Maria do Rosário tem a propriedade de não merecer ser estuprada". Ora, quem tira uma foto com um cartaz escrito "Eu não mereço ser estuprado" está dizendo exatamente a mesma coisa que o Bolsonaro, mas mudando a referência. Se, na fala do Bolsonaro, o "S" era a Maria do Rosário, no caso daqueles que tiram fotos com a referida frase, o "S" é quem está na foto segurando o cartaz ou quem compartilhou uma hashtag com esses dizeres.

   Se, da fala do Bolsonaro, pode-se inferir que ele está dizendo que algumas pessoas merecem ser estupradas, mas outras não, atribua, por coerência, esta inferência a todos aqueles que dizem que eles, particularmente, não merecem ser estuprados. Por conseguinte, a condenação do Bolsonaro leva consigo a condenação de todos aqueles que disseram a mesma frase mudando o referente. 

   Por último, por falar em coerência, ativistas, no Rio de Janeiro, fizeram um boneco do Jair Bolsonaro e, com uma tesoura, simularam uma castração ( http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/12/dupla-de-topless-usa-boneco-de-bolsonaro-para-protestar-no-rio.html ). Alguém, por acaso, ouviu protestos de todos esses movimentos que alegam defender os "direitos humanos"? O que se vê neste episódio lamentável de perseguição ao deputado Jair Bolsonaro é que a Esquerda tem o direito de fazer o que bem entender, promover todo tido de ofensa sem nunca ser responsabilizada pelos seus atos. Se um conservador, entretanto, der um espirro em falso, logo surge uma horda fazendo protestos. 

   O fato de que as mesmas pessoas que se mostram tão ofendidas com a fala do Bolsonaro não tenham proferido nenhuma palavra de indignação contra a fala criminosa da Maria do Rosário — como explica Olavo de Carvalho, imputação de crime é crime! — apenas mostra que a norma geral dessa gente tem sido a de sempre fazer uso de "dois pesos e duas medidas".