sábado, 15 de janeiro de 2011

Mosquitos Otólatras


Para quem não tem afinidade com os processos de formação das palavras e com os radicais gregos, explicarei o título da postagem de hoje. Como não conheço uma palavra, na Língua Portuguesa, para designar quem tem veneração por ouvidos, criei o termo "otolatria". No meu Ensino Médio, aprendi que o termo correto para designar o local onde compramos óculos é "Óptica" e não "Ótica", embora alguns dicionários já tenham registro dos dois termos como sinônimos. O radical grego em "Ótica" é o mesmo da palavra "Otite", que usamos para referir-nos à inflamação nas cavidades da orelha. "Otos" é, portanto, orelha em Grego. "Latria" vem do Grego "latreia", que significa adorar. "Otólatra" é, por conseguinte, aquele que adora orelhas.

Quem acompanha meu blogue sabe que não tenho uma história muito feliz com insetos [1]. Sempre me perguntei por que os mosquitos fazem questão de voar sobre nossos ouvidos. Já fiz alguns experimentos. Como eu durmo coberto, pode ser que o mosquito tenha algum modo de rastrear a pele. Seria provável que ele sobrevoasse o meu rosto, já que seria a única parte descoberta, mas justamente os ouvidos? Experimentei ficar descoberto para ver se o mosquito ficaria mais interessado por outras partes da minha pele, mas, freqüentemente, meus ouvidos eram incomodados.

Resolvi, por curiosidade, procurar o motivo do fetiche dos mosquitos por ouvidos. Descobri [2] que não existe uma razão específica para o inseto atacar a região da nossa orelha, mas que ele é atraído pelo gás carbônico liberado pelo nosso nariz, o que aumentaria a probabilidade de ele sobrevoar nossas orelhas. Na minha pesquisa, encontrei algumas curiosidades. Entre elas, um livro de contos intitulado "Por que os mosquitos zunem no ouvido da gente" [3], um romance de 456 páginas intitulado "A costa do mosquito", um poema do Vinicius de Moraes intitulado "O Mosquito" [4] e um poema da Cecília Meireles intitulado "O mosquito escreve" [5].

Na madrugada do último domingo, dia 9, estava tentando dormir e, como de costume, fui perturbado por um mosquito. Costumo dar uma chance aos seres vivos de permanecerem vivos, mas parece que, como se já não bastasse a curta vida dos insetos, estes procuram a morte. Depois de ser importunado repetidas vezes, tomei a decisão de livrar-me do mosquito de maneira definitiva. O fim todos sabem: um inseto morto lançado num vaso sanitário.

Depois do episódio, percebi que o incidente seria um bom objeto de literatura, talvez um conto. Tenho me voltado, ultimamente, para o gênero: acredito que ele se ajusta melhor à minha escrita, uma vez que não tenho concisão suficiente para expressar em tão poucas palavras como num poema e nem paciência, tempo e recursos suficientes para escrever um romance. A leitura dos contos do Machado de Assis também tem me empolgado com o gênero. Na medida em que começava a escrever, contudo, acabei visualizando um poema. Pensei, inicialmente, num soneto, mas confesso que ainda não desenvolvi a minha paciência para trabalhar as frases. Quando componho canções, a mesma falta de paciência para escrever as letras e ver logo o projeto acabado acomete-me. O imediatismo do nosso tempo pós-moderno talvez seja o responsável por essa pressa. O mesmo ocorre com a questão da métrica. Tentei, de início, escrever de forma metrificada, mas, depois, acabei desistindo.

O título que dei ao poema, depois de pronto, foi "Mal dito mosquito". Descobri, no entanto, um poema na web, coincidentemente, intitulado "Maldito mosquito!" [6]. Enfim, aí está o poema que confeccionei:

Mal Dito Mosquito
(Fábio Salgado)

Rouba meu sono um mosquito maldito.
Com os olhos fechados, ouço um zumbido.
Com rasantes vôos, penetra-me o ouvido
Um inseto que deve achar-se inaudito.

Sugavas-me o sangue de qualquer lugar,
Mas logo os ouvidos foste-me perturbar?
Que tem a cera de tão peculiar
Para não te entreteres em outro lugar?

Projeto de mosca, tua hora é chegada!
Como uma criança malcriada, toma uma palmada!
Vem de encontro à minha mão,
Não fujas em vão!

De todos, inevitável fim é a morte.
Não tivésseis meus ouvidos alvejado,
Talvez, teríeis outra sorte.