quarta-feira, 24 de junho de 2015

Anedotas de um palhaço

Uma amiga do Facebook mandou-me este texto do Gregório Duvivier (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2015/06/1645957-querido-pastor.shtml) e pediu-me que o comentasse. Pensei em ignorá-lo, uma vez que escrever sobre o seu texto seria colocar mais holofotes sobre quem não merece ter sobre si a luz de um vaga-lume. 

Quanto ao título deste texto, nunca faço uso de adjetivos gratuitamente. O Dicionário Houaiss registra, entre vários significados, as seguintes acepções para o termo "palhaço": "feito de palha", "ator cômico" e "pessoa que provoca o riso ou que não pode ser levada a sério". O senhor Duvivier satisfaz estes três registros. Ele é feito de palha, por não ter substância alguma --- ele é praticamente imune às falácias do espantalho ---, é, pelo menos em teoria, um ator cômico --- certamente, ele produz mais risos com seus textos supostamente sérios do que com as peças que deveriam pertencer ao gênero em questão --- e, com toda a certeza, definitivamente, ele não pode ser levado a sério: afinal, alguém que se intitula "escritor" fazendo uso das vírgulas como quem tira a sorte no cara ou coroa, e sem saber a diferença entre a segunda e a terceira pessoa do singular, não pode mesmo ter qualquer seriedade.

Vamos ao texto propriamente dito. Transcrevo-o aqui e irei alterná-lo com meus comentários. O texto do bufão estará em vermelho --- cor bastante sugestiva no nosso cenário político atual. 

"Querido pastor,
Aqui quem fala é Jesus. Não costumo falar assim, diretamente -mas é que você não tem entendido minhas indiretas. Imagino que já tenha ouvido falar em mim -já que se intitula cristão. Durante um tempo achei que falasse de outro Jesus -talvez do DJ que namorava a Madonna- ou de outro Cristo -aquele que embrulha prédios pra presente- já que nunca recebi um centavo do dinheiro que você coleta em meu nome (nem quero receber, muito obrigado). Às vezes parece que você não me conhece.".

Essa idéia de "não costumo falar assim, diretamente" demonstra total desconhecimento do Cristianismo. Paulo, quando ainda era Saulo, ouviu a voz de Cristo dizendo a ele: "Saulo, Saulo, por que me persegue?". Cristo já tinha subido aos Céus. Paulo perseguia os cristãos, mas Cristo afirma que é ele mesmo que estava sendo perseguido (At. 9.1-5). Aqueles que têm o Espírito Santo dentro de si estão em comunhão a ponto de Cristo identificar-se com eles. O dinheiro que é coletado por um cristão para o sustento da Igreja de Cristo e para a ajuda do próximo é coletado pelo próprio Cristo. Em Mateus 25.34-40, Cristo explica que todas as vezes em que dermos alimento a quem tem fome, bebida a quem tem sede, e assim por diante (versículos 35-36), estaremos fazendo isto ao próprio Cristo.

Paulo, em 2 Coríntios 9.7, explica que cada um deve dar a sua oferta conforme o que estiver em seu coração. Que história é essa, portanto, de que Cristo não quer receber nada? Se temos de oferecer a Deus tudo aquilo que temos e somos, amando-o com todo o nosso ser, por que isto não incluiria o dinheiro que ganhamos? O próprio Jesus, em Mateus 23.23, reporta-se aos fariseus, dizendo que eles deveriam praticar a justiça, a misericórdia e a fidelidade sem o abandono do dízimo. Afirmar, portanto, que Cristo não quer receber dinheiro algum é analfabetismo teológico puro.


  


Minha avó completou 90 anos no último dia 19. Ela pediu que a presenteassem com produtos de higiene pessoal para que ela pudesse doá-los à Cristolândia (http://www.cristolandia.org/)
. Na sua igreja batista, ela e as senhoras que trabalham com ações sociais coletaram quase 400 cobertores e roupas de frio. Essas igrejas precisam manter-se: elas pagam funcionários, a conta de luz e a água que utilizam --- minha avó fez uso do espaço físico da sua igreja para fazer a festa e guardar as doações que recebeu. As igrejas cristãs espalhadas pelo mundo são responsáveis por inúmeros empreendimentos de caridade que transformam a vida de muita gente que se encontra na miséria, envolvida com drogas ou em circunstâncias diversas de extremo sofrimento. O dinheiro das igrejas é usado, também, para o sustento de missionários que estão no mundo inteiro pregando o evangelho e ajudando várias comunidades nas suas dificuldades de toda ordem. Gostaria que o Duvivier explicasse como todas as igrejas cristãs poderiam fazer tanto pelos necessitados sem a coleta de dinheiro.

"Caso queira me conhecer mais, saiu uma biografia bem bacana a meu respeito. Chama-se Bíblia. Já está à venda nas melhores casas do ramo. Sei que você não gosta muito de ler, então pode pular todo o Velho Testamento. Só apareço na segunda temporada.".

Em primeiro lugar, Cristo aparece no Antigo Testamento na forma de profecias; em segundo lugar, de acordo com o Evangelho de João, Cristo era o Logos divino antes da Criação do mundo (Jo. 1.1-18). Ele estava, portanto, presente na Criação. Em terceiro lugar, se cremos na Trindade, é óbvio que Cristo estava presente em todo o Antigo Testamento. Por último, São Paulo descreve Adão como um tipo que prefigurava Jesus Cristo (Rm. 5.14). Existe uma área da Teologia chamada Tipologia, que é responsável por estudar as prefigurações de Cristo no Antigo Testamento. Parece que é o senhor Duvivier que não gosta muito de ler.


"Se você ler direitinho vai perceber, pastor-deputado, que eu sou de esquerda. Tem uma hora do livro em que isso fica bastante claro (atenção: SPOILER), quando um jovem rico quer ser meu amigo. Digo que, para se juntar a mim, ele tem que doar tudo para os pobres. 'É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus'.
Analisando a sua conta bancária, percebo que o senhor talvez não esteja familiarizado com um camelo ou com o buraco de uma agulha. Vou esclarecer a metáfora. Um camelo é 3.000 vezes maior do que o buraco de uma agulha.". 

Quer dizer que ser de Esquerda é pedir a um rico que ele doe tudo o que tem para os pobres? Eu concordaria que Cristo é esquerdista se ele tivesse coagido ou obrigado o jovem rico a dar tudo o que ele tinha aos pobres. Aí sim. De qualquer modo, pelo raciocínio brilhante do senhor Duvivier, Jesus exige que aqueles que queiram segui-lo não possam sepultar o seu pai ou despedir-se da sua família antes (Lc. 9.59-62). Qualquer um que tenha estudado o mínimo de interpretação de texto saberá que o ponto de Cristo era que aquele jovem colocava os seus bens materiais em primeiro lugar; por isto, era necessário que ele desse tudo o que tinha. A mesma coisa ocorre no caso daquele homem que queria sepultar o seu pai e daquele que queria despedir-se da sua família. Se não fosse assim, por que Jesus tinha por discípulo o José de Arimatéia, que era rico (Mt. 27.57)? Por que Jesus nunca pediu para que ele desse todos os seus bens? Por que Cristo não exigiu de Zaqueu, o publicano, que ele, igualmente, desse tudo o que tinha?

Scott Hahn e Curtis Mitch dizem, no seu comentário bíblico ao Evangelho de Mateus, que "nós só vemos na Escritura aquilo que nossa fé nos faz ver. Se nosso modo de crer é o mesmo da Igreja, vemos na Escritura a revelação salvífica e inerrante de Deus, feita por Ele mesmo. Se cremos de modo distinto, vemos um livro totalmente distinto.". Isto significa que sempre será possível você pegar as Escrituras, fazer um salto triplo carpado hermenêutico, como dizia o ministro Ayres Britto (https://www.youtube.com/watch?v=8HW3d4XiFhQ), e dar a interpretação que você quiser. Fui muito caridoso com o Duvivier agora: essa loucura dele não chega sequer a ser uma interpretação possível, mas é pura ignorância mesmo.

"Sou mais socialista que Marx, Engels e Bakunin -esse bando de esquerda-caviar. Sou da esquerda-roots, esquerda-pé-no-chão, esquerda-mujica. Distribuo pão e multiplico peixe -só depois é que ensino a pescar.
Se não quiser ler o livro, não tem problema. Basta olhar as imagens. Passei a vida descalço, pastor. Nunca fiz a barba. Eu abraçava leproso. E na época não existia álcool gel.".

Essa idéia fantasiosa de que a Esquerda é pobre e que dá os seus bens aos outros é completamente fantasiosa. A realidade é outra. É só dar uma olhada no patrimônio de todos aqueles que conseguiram o poder. É engraçado como o esquerdista mais pobre que o Duvivier consegue citar é alguém que tem um patrimônio de 700 mil reais  e 
aumentou-o em 70% em dois anos (http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/cultura/o-pobretao-mujica-ja-e-quase-um-milionario/).

O Duvivier, que fala tanto de quem não gosta de ler, deveria dar uma lida no livro do Arthur C. Brooks, "Who Really Cares: The Surprising Truth About Compassionate Conservatism", que mostra como os conservadores nos Estados Unidos fazem muito mais caridade que os esquerdistas. Não vejo nenhuma razão para crer que a situação seja diferente no Brasil.


"Fui crucificado com ladrões e disse, com todas as letras (Mateus, Lucas, todos estão de prova), que eles também iriam para o paraíso. Você acha mesmo que eu seria a favor da redução da maioridade penal?".

Eu não acho que Cristo seria favorável à redução da maioridade penal, mas tenho a certeza de que ele seria mais radical e, simplesmente, eliminaria a existência de qualquer idade como limite e julgaria caso a caso. Sabem por quê? Jesus disse que daria a cada um o que mereceria de acordo com o seu procedimento (Mt. 16.27) e Paulo confirma isto em Romanos 2.6.

Quando os evangelistas disseram que os ladrões iriam para o Paraíso? Creio que aí está a prova definitiva de que o Duvivier nunca leu a Bíblia e, como bom esquerdista, cai na fórmula de Lênin, acusando os outros daquilo que ele mesmo faz e chamando-os daquilo que ele mesmo é.

São Dimas, o "bom ladrão", foi aquele que foi para o Paraíso. Ele repreendeu o outro ladrão (Lc. 23.39-43).


"Soube que vocês estão me esperando voltar à terra. Más notícias, pastor. Já voltei algumas vezes. Vocês é que não perceberam. Na Idade Média, voltei prostituta e cristãos me queimaram. Depois voltei negro e fui escravizado -os mesmos cristãos afirmavam que eu não tinha alma. Recentemente voltei transexual e morri espancado. Peço, por favor, que preste mais atenção à sua volta. Uma dica: olha para baixo. Agora mesmo, devo estar apanhando -de gente que segue o senhor.". 

Lá vêm os chavões de sempre. Quando a Igreja queimou prostitutas? Se o Duvivier mostra que não sabe absolutamente nada sobre a Bíblia, mas, mesmo assim, sai dando pitaco sobre o assunto, quantos livros vocês acham que ele leu sobre a Inquisição? (http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/750-livros-de-doutores-e-phd-s-em-historia-para-refutar-qualquer-acusacao-sobre-a-inquisicao) Será que ele sabe que o tribunal da Inquisição era tão monstruoso que os pagãos fingiam-se de cristãos para serem julgados por ele? (https://www.youtube.com/watch?v=KGHnfairmJg) Aliás, eu duvido muito que ele saiba que o tribunal julgava apenas cristãos.

Quanto à escravidão, no tocante aos negros, o que tem a ver uma coisa com a outra? Quem escravizou os negros foram os cristãos? Será que ele conhece os vários documentos da Igreja que, contrariamente àquilo que ele sugere, provam que os cristãos eram contra a escravidão?
(http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/magisterio/documentos-eclesiasticos/decretos-e-bulas/506-documentos-oficiais-da-igreja-contra-a-escravidao
Ele deveria estudar um pouquinho sobre a escravidão de negros por muçulmanos no continente africano, que a maior parte dos escravos era vendida no próprio mercado interno e que, muito antes de os negros serem escravos, eles já escravizavam brancos --- o professor Olavo de Carvalho fornece uma bibliografia sobre o assunto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=G0ovL2kyJ9w .

Quanto a negros não terem alma, o Duvivier poderia mostrar um só documento da Igreja que prove isto e ele poderia aproveitar a oportunidade para explicar como é possível que os cristãos quisessem evangelizar gente sem alma e que vários Santos sejam negros, como Santa Perpétua, do século III, Santa Efigênia, do século II, Santo Elesbão, São Frumêncio, São Moisés, o negro, no século IV, e muitos outros --- aqui, está uma lista: http://www.catholic.org/saints/black.php .


domingo, 21 de junho de 2015

Contrarrazões às 18 razões para não reduzirmos a maioridade penal

Publiquei uma nota no meu perfil do Facebook a partir de um texto que vi publicado no seguinte: https://18razoes.wordpress.com/quem-somos/ . Como o meu perfil é privado, compartilharei a nota por aqui por crer que ela pode ser útil àqueles que estão refletindo sobre o assunto. Faço comentários às 18 razões fornecidas para sermos contra a redução da maioridade penal no Brasil. 

1°. "Porque já responsabilizamos adolescentes em ato infracional"

Uma das estratégias da erística é você fornecer argumentos que falsifiquem o posicionamento do seu adversário. Eu nunca vi ninguém que defenda a redução da maioridade penal afirmar que não responsabilizamos os adolescentes --- não estou cometendo um "argumentum ad ignorantiam", dizendo que essas pessoas não existem por eu não as conhecer, mas estou argumentando que acompanho o debate, que não conheço ninguém que tenha o posicionamento e que, portanto, seria falacioso atribuir um ponto que seria uma exceção, se ela existisse, à maioria dos defensores da redução da maioridade penal. Enfim, a questão não diz respeito a se já responsabilizamos adolescentes em ato infracional. A pergunta que faço é a seguinte: por que alguém com 16 ou 17 anos pode decidir o futuro do seu país nas eleições, mas recebe um tratamento diferenciado se cometer um crime? Se fôssemos coerentes, ou reduziríamos a maioridade penal para os 16 anos ou conferiríamos um peso diferente para o voto de quem pode votar com menos de 18 anos ou não permitiríamos mais que quem tenha 16 ou 17 anos possa votar. "Quartum non datur".


2°. "Porque a lei já existe. Resta ser cumprida!"

Eu acho muito engraçado como a Esquerda é mestre em usar argumentos por conveniência. Por que lutam tanto pelo casamento gay, se temos a união civil, ou contra a homofobia, se já existem leis para criminalizá-la? Para quem vive querendo o inchaço do Estado, é, no mínimo, curioso que falem agora que a lei já existe. De qualquer modo, é falso que a lei já existe. O que queremos é que alguém acima de 16 anos seja responsabilizado como qualquer adulto pelos crimes que vier a cometer. Isto já está na lei desde quando?


3°. "Porque o índice de reincidência nas prisões é de 70%"

Se o problema é o índice de reincidência nas prisões, vamos acabar com todas elas então. O argumento não é relevante apenas para a discussão sobre a redução da maioridade penal, mas afeta todo o nosso sistema penal. Se você estiver plenamente consciente disto, tudo bem. De qualquer modo, o dado, supondo-se que seja, de fato, verdadeiro, apenas demonstra que deveríamos ter mudanças no nosso sistema penitenciário e não que não deveríamos diminuir a maioridade penal.


4°. "Porque o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas"

O mesmo argumento que usei para a terceira razão serve aqui. Não vamos mais prender ninguém a partir de hoje então. Sabe o que é engraçado? Quando você faz uma lei para tornar o ensino de Filosofia, por exemplo, obrigatório, obviamente, o Estado precisará contratar professores de Filosofia e criar mecanismos para que a lei seja cumprida. Isto ocorre com praticamente qualquer lei nova. Afirmar que o nosso sistema prisional não suporta mais pessoas apenas indica que precisaremos construir prisões novas ou ampliar aquelas que já temos.


5°. "Porque reduzir a maioridade penal não reduz a violência"

Mais uma vez, a mesma estratégia que mencionei na primeira razão é repetida aqui. Quem disse que o nosso ponto é a redução da violência? O mais importante é que aqueles que cometam crimes com 16 ou 17 anos sejam punidos e que a justiça seja feita às vítimas. Quem perde um familiar ou um ente querido não se interessa pelo fato de o criminoso ter 16 ou 50 anos. No texto do site, alega-se que "NÃO HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.". Isto cai na falácia da explicação trivial: que dado estatístico dessa natureza apresentará uma relação direta de causalidade?


6°. "Porque fixar a maioridade penal em 18 anos é tendência mundial"

Beleza. Se fosse a tendência mundial adotar a escravidão, nós deveríamos legalizá-la? Que "argumentum ad populum" mais grosseiro! Por que seria mais importante seguir uma tendência mundial a ouvir a população brasileira? ( 8 em 10 brasileiros desejam a redução: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/8-em-cada-10-brasileiros-quer-reducao-da-maioridade-penal )


7°. "Porque a fase de transição justifica o tratamento diferenciado"

"Fase de transição"? Qual a relação entre o completamento de dezoito revoluções da Terra em torno do Sol desde o nascimento de alguém e o seu estabelecimento como uma pessoa plenamente capaz de fazer julgamentos morais? Aliás, este argumento serve para qualquer idade penal. A mesma situação dar-se-ia no caso de termos a maioridade penal estabelecida aos 16 anos. Na Lógica, é bastante conhecido o "Paradoxo de Sorites", que diz respeito a conceitos vagos. Por exemplo, quantos grãos de areia são necessários para termos um monte? Quantos fios de cabelo são necessários para dizermos que alguém é ou não careca? O mesmo problema ocorre aqui: quantos anos alguém tem de ter para ser responsabilizado criminalmente? Creio que não deveria existir idade penal. Cada caso deveria ser avaliado a partir dos seus contextos e circunstâncias.


8°. "Porque as leis não podem se pautar na exceção"

Como assim? De onde saiu esse imperativo categórico? A avaliação de um caso criminal particular serve de precedente para os posteriores. O engraçado é que vivem falando de direitos e de leis para as minorias, mas, para variar, só se fala nelas quando é conveniente. Outra coisa: não sabia que toda a sociedade comete crimes; pelo contrário, a maior parte dela não os comete. As leis punitivas, portanto, valem-se das exceções mesmo.


9°. "Porque reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa!"

E daí? Se eu tenho enxaqueca, não interessa tratar a dor de cabeça que estou tendo agora? Se tenho algum problema em algum órgão interno que está causando manchas na minha pele, não posso usar maquiagem para disfarçá-las? Uma coisa não anula a outra.


10°. "Porque educar é melhor e mais eficiente do que punir"

Em primeiro lugar, educação e punição não são mutuamente excludentes, mas, por vezes, sinônimos. Em segundo lugar, isto serviria para qualquer crime ou idade criminal. Vamos acabar com as prisões e com as penas então. Em terceiro lugar, o engraçado é que é conveniente falar que não temos mais onde colocar prisioneiros, mas não é relevante mencionar que o nosso ensino é um lixo, que sempre ocupamos os últimos lugares nas avaliações internacionais e que nossas escolas são locais de pura doutrinação marxista. É essa educação que é mais eficiente que a punição? 


11°. "Porque reduzir a maioridade penal isenta o estado do compromisso com a juventude"

O que tem a ver uma coisa com a outra? Parece-me que é, precisamente, o oposto. Se o Estado está reduzindo a maioridade penal, é exatamente porque ele está comprometendo-se com a juventude, nem que seja apenas para puni-la de modo mais severo.



12°. "Porque os adolescentes são as maiores vitimas, e não os principais autores da violência"

Sério mesmo? Um levantamento do Ministério Público de São Paulo indica que "Sete em cada dez 'atos infracionais' (lê-se: crimes) cometidos por adolescentes na cidade de São Paulo tiveram como autor um menor entre 16 e 18 anos." ( http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2015/06/12/metade-dos-bandidos-sub-18-internados-volta-a-ser-pega-pela-policia-por-outro-delito-uau-que-socioeducacao/ ). Mesmo que fosse verdadeiro o dado, qual a relevância disto para não diminuirmos a maioridade penal. Suponhamos que os homens fossem os principais homicidas e que as mulheres fossem as maiores vítimas. Disto, deveríamos depreender que deveríamos isentar as mulheres da possibilidade de serem criminalizadas por um eventual homicídio?


13°. "Porque, na prática, a pec 33/2012 é inviável!!"

O mesmo argumento usado na razão 4 serve para aqui: o fato de que, supostamente, não tenhamos condições hoje de implementar uma lei não a inviabiliza, mas apenas mostra que teremos de tomar algumas medidas para fazê-la funciona. Isto, entretanto, é totalmente trivial e serve para praticamente toda lei nova.


14°. "Porque reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime"

Antes de qualquer coisa, acho bastante problemática esta afirmação: qualquer um pensa duas vezes antes de fazer algo que sabe que o criminalizará. A despeito disto, o texto alega que "O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores.". Se isto é verdadeiro, obviamente, serão necessárias várias medidas para afastar crianças e adolescentes do crime e não apenas reduzir a maioridade penal; contudo, isto não elimina o fato de que a redução poderia atuar em consonância com outras medidas.


15°. "Porque afronta leis brasileiras e acordos internacionais"

Mais uma vez, há completa conveniência aqui no uso dos argumentos. Quando você alega que o casamento gay afronta a nossa Constituição, ninguém liga para isto. O texto no site, por sua vez, menciona quatro violações de maneira absolutamente vaga:


15.1. "Vai contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes"

Não sabia que reduzir a maioridade penal implica não reconhecer prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. Pelo contrário, elas estão sendo protegidas dos eventuais crimes que pessoas de 16 e 17 anos poderiam cometer contra elas.


15.2. "Vai contra o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas.".

Tá certo, mas vai contra o quê?


15.3. "Vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.".

Mais uma vez, em que medida reduzir a maioridade penal viola que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos blá-blá-blá?


15.4. "Vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais.".

Novamente, extremamente vago.


15.5. "Vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil."

É muito fácil falar que é contra sem mencionar os pontos.


16°. "Porque poder votar não tem a ver com ser preso com adultos"

Olhar o argumento da razão 1.


Precisarei entrar no mérito do texto novamente: "O voto aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado.".

Em primeiro lugar, qual a relevância de que o voto é opcional e não obrigatório? Escolher cometer um crime também é opcional e não obrigatório. O voto não é para toda a vida? Digam isto à população brasileira que tem a Dilma por presidente. Mesmo que alguém que tenha votado no PT arrependa-se depois e não vote mais no partido, o dano já estará feito. É falso afirmar que há volta. Qual a relevância em afirmar que ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado? Que tem a ver uma coisa com outra?

17°. "Porque o brasil está dentro dos padrões internacionais"

O texto afirma que "Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.". Eu perguntaria, novamente, e o Kiko? Não sabia que a Nova Ordem Mundial já está estabelecida e que os países precisam unificar a maioridade penal de acordo com a ONU.


18°. "Porque importantes órgãos têm apontado que não é uma boa solução"

Sabem quais são os órgãos citados? OAB, CNBB... Sério mesmo? Faz-me rir. Mesmo que fosse o Vaticano, seria um puro argumento de autoridade. Restaria analisar quais são os argumentos fornecidos pelos órgãos.