sábado, 12 de junho de 2010

10 Questões Teológicas

Sempre gostei de listas. Acompanho alguns blogs na net que são estruturados à base de listas[1] — Zeca Camargo costuma lançar boas listas no seu blog[2] — e, além do mais, costumo comprar revistas que listam obras literárias, filmes etc. .[3] Já comentei sobre o assunto aqui no blog na minha segunda postagem[4], listando as 10 maiores palavras da nossa Língua. Numa postagem recente, listei os 10 livros que mudaram minha vida. Hoje, listarei 10 questões teológicas que têm tirado minhas noites de sono — um professor meu costumava dizer que se você precisa utilizar aspas para ser irônico, ou para fazer uso de alguma figura de linguagem, a sua escrita não é boa. Listarei as questões de forma aleatória; portanto, elas não estão em ordem de dificuldade ou em qualquer outra seqüência, crescente ou decrescente, qualitativa ou quantitativa. Enfim, aí está a lista:

1. Substancialidade do Homem

Esta é a única questão a que cheguei a uma resposta quase definitiva. Pretendia, inclusive, postar sobre o assunto aqui em três partes — a primeira, tratando do Monismo; a segunda, tratando, do Dicotomismo e a terceira, tratando do Tricotomismo. Tenho até um título preparado para a postagem. Para quem não está familiarizado com a terminologia no campo da Antropologia Cristã, a Bíblia costuma tratar o homem em termos de três conceituações: corpo, alma e espírito. O Monismo defende que o homem é constituído apenas de uma substância; o Dicotomismo, que somos constituídos de duas substâncias e, finalmente, o Tricotomismo, que somos constituídos de três substâncias. Mesmo chegando a uma conclusão sobre o assunto, resolvi pensar mais sobre ele porque encontrei muita bibliografia interessante e, também, porque quero fundamentar bem o meu raciocínio.

2. Trindade
Introduzirei a minha questão quanto à trindade com uma pergunta que enviei ao programa do Luiz Sayão na Transmundial[5]:

A cristandade tem assumido, historicamente, que Cristo, enquanto viveu na Terra, era totalmente homem e totalmente Deus. Hebreus 1.3 diz que Cristo é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata Dele; contudo, em Mateus 24.36, Cristo diz que ninguém sabe o dia e a hora de sua volta, a não ser o pai. Se Cristo era totalmente Deus, deveria ser, igualmente, onisciente e, portanto, deveria saber o dia de sua volta. Se a falta de informação sobre a data de sua volta era uma condição temporária de seu estado humano, Cristo, enquanto Deus, seria mutável. Como aliar a onisciência e imutabilidade divina nesse caso?

Desde Agostinho, tem-se certa compreensão sobre a trindade que se costuma ter como verdadeira, no que tange a Cristo, diz-se que ele era totalmente homem e totalmente Deus. O que foge à interpretação agostiniana costuma ser tido por herético. Não gosto deste termo — "herético" — por questões históricas. Não consigo entender, inclusive, como os protestantes emprestaram essa palavra para fazer acusações depois de sofrerem tanto nas mãos da Igreja Católica. Em suma, questões históricas à parte, ainda não tenho uma visão clara sobre o assunto, tanto bíblica quanto logicamente. Falo dessas duas áreas porque creio que é importante raciocinar não só em termos bíblicos — a partir da Revelação Especial —, mas em termos de Teologia Natural — a partir da Revelação Geral — também.

3. Criação do Homem
Por que Deus criou o homem? Para mim, essa é uma grande questão. Pode, num primeiro momento, parecer sem muito sentido questionar-se a respeito disso, mas tentarei explicar o que essa questão traz consigo. Em primeiro lugar, a partir de uma concepção que remonta aos pensadores gregos, particularmente aos epicuristas, a perfeição leva ao repouso, ou seja, algo só está em movimento se é imperfeito. Como situar o Deus cristão diante dessa concepção de perfeição? Como argumentar contra ela? Outra questão que surge quando pensamos no que Deus fazia antes de criar o Universo é referente ao tempo. Partindo-se do pressuposto de que Deus é atemporal, outra herança agostiniana, como pensar Deus em termos de momento de criação? Em outras palavras, por que Deus criou o Universo num dado momento, e não antes, mas como, ao mesmo tempo, podemos falar de momento, se não existia o tempo? Embora não seja adepto do que tem sido chamado de Teísmo Aberto, acho algumas idéias interessantes. Uma delas é a que fala de um Deus que evolui com o tempo; contudo, teríamos de criar uma idéia de mutabilidade divina que seria difícil de construir a partir do texto bíblico.

4. Escatologia
Talvez, essa seja a área na qual tenho menos definições. Por conta da famosa e excelente série de livros "Deixados para trás", do Tim LaHaye e do Jerry B. Jenkins, considerava-me pré-milenista num primeiro momento; contudo, não tinha estudado muito sobre o assunto e refletido sobre as outras linhas de interpretação. Desde criança, inclusive, a visão geral que me foi passada no que se refere aos últimos tempos foi a pré-milenista. Quando comecei a estudar mais, contudo, percebi que a base de interpretação bíblica que se usa reflete a sua interpretação dos textos escatológicos. Sou avesso à interpretação literalista e fiquei feliz quando estudei que os primeiros padres no Cristianismo tinham a mesma aversão, mesmo sabendo que o uso do argumento de autoridade é falacioso. O movimento fundamentalista, surgido em contraponto ao crescente liberalismo, foi o responsável por uma onda de equívocos na Hermenêutica Bíblica, se é que se pode chamar o literalismo de Hermenêutica, já que ele desconsidera boa parte da metodologia para ter-se uma boa interpretação de um texto.

A minha indefinição na área deve-se também ao fato de que, mesmo escolhendo uma das três opções escatológicas — Amilenismo, Pré-Milenismo ou Pós-Milenismo —, dentro do Pré-Milenismo ainda se tem três linhas — Dispensacional , Histórico ou Pré-Tribulacionista — e no Pós-Milenismo, duas linhas — Revivalista ou Reconstrucionista. Por enquanto só falei das interpretações quanto ao milênio, ainda se tem diferentes visões quanto ao julgamento — Idealismo, Futurismo, Historicismo e Preterismo — sendo que esta subdivide-se em total ou parcial. Vejam o quão intrincada é a área. É interessante ver as discussões de dois tios meus que são pastores, um amilenista e outro pré-milenista[6].

Gostaria de entender por que o Pós-Milenismo não é tão popular quanto na época de Agostinho e na época da Reforma Protestante e por que hoje a visão predominante na cristandade é a Pré-Milenista. Da mesma forma, gostaria de entender por que os batistas, historicamente, eram partidários do Amilenismo.

5. Culturalização Bíblica
Essa questão é bem hermenêutica, embora toda questão seja um problema hermenêutico no fim das contas. Gostaria de entender quais são os pressupostos para tornar uma descrição bíblica própria da cultura da época, enquanto outras são tidas por universais e atemporais. Por exemplo, por que não damos importância para o uso do véu por parte das mulheres ou para o silêncio delas nas igrejas, mas não tratamos as questões acerca da sexualidade da mesma maneira? Poderia enumerar muitas outras questões. Sei que não vivemos no legalismo, mas qual a nossa base de interpretação para considerar um ato cultural ou não? Creio que não existe uma sistematização para um crivo correto na área.

6. Teologia Apofática ou Teologia Catafática?
A Teologia Apofática, ou Teologia Negativa, é aquela que busca entender Deus a partir daquilo que ele não é ou não pode ser; em contrapartida, a Teologia Catafática, ou Positiva, busca a caracterização de Deus a partir de afirmações plenas — digo "afirmações plenas" porque uma negação acaba sendo uma afirmação também, por mais contraditório que pareça. Muitos erros que vejo serem perpetrados por teólogos hoje surgem do abandono da perspectiva apofática. Creio que ela evidencia e problematiza a linguagem.

Por que chamamos um gato de "gato" em vez de "cachorro"? Chamar um gato de "gato" diz nada a respeito do animal. As palavras são associações e rótulos que pregamos de modo aleatório nas coisas. Quando digo que "Deus é justo", estou dizendo absolutamente nada, pois Deus é algo muito além daquilo que posso denominar "justiça". Aliás, Hume faz uma crítica ao pensamento por analogias que cabe bem no âmbito da Teologia. Quando eu chamo a sustentação de uma mesa de perna, estou fazendo uma comparação com a perna humana, mas até que ponto as duas coisas são semelhantes, se é que se pode encontrar semelhança que permita fazer tal analogia.

Estou lendo um livro do John Piper intitulado "Em Busca de Deus" que, freqüentemente, incorre no erro de antropomorfizar Deus. Acredito que mesmo com as limitações da nossa linguagem e da forma como pensamos, podemos não cair no ceticismo absoluto. Como eu disse no início, a Teologia Negativa acaba flertando com a Positiva. A grande questão para mim é como conciliar de maneira adequada as duas perspectivas. O Pseudo-Dionísio, que era confundido com o Dionísio convertido por Paulo (At. 17.34) tem uma obra interessante sobre o assunto, especialmente a sua obra "Nomes Divinos"[7].

7. Atributos Divinos
Esta questão dialoga com a anterior e com a questão da trindade. Descobrir os atributos divinos por meio da Bíblia não é uma tarefa tão complicada, mas as deduzir, usando a Lógica apenas, é mais complicado. Por que Deus, necessariamente, tem de ser onisciente, onipotente, onipresente, infinito etc. ? William Lane Craig é um pensador que tem trabalhado nesse sentido[8]. Ele, por exemplo, já tratou a questão da necessidade de um Deus com consciência a partir do pressuposto do Big Bang.

Uma questão que tenho trabalhado em particular é a da imutabilidade divina, como já disse na questão da criação do homem. A Bíblia trata Deus, em diversas passagens, em termos de mutabilidade — por exemplo, quando se diz que Deus arrepende-se (Gn. 6.5-7; Êx. 32.12; ISm .15.10,11,35; IISm. 24,16; Jr. 18.7,8; Jl. 2.13; Jn. 3.10). Os teólogos costumam explicar tais passagens em termos de uso de linguagem humana para nossa maior compreensão do próprio Deus[9], mas e quando se fala do poder de Deus sendo aperfeiçoado (IICor. 12.9)? Trata-se da mesma simplificação de linguagem? Creio que temos de entender a questão da imanência de maneira mais adequada. O fato de Deus ser perfeito em si implica perfeição na manifestação de seus poderes e atributos? Para exemplificar, se um bebedouro é perfeitamente construído, necessariamente ele tem de fornecer água limpa? Digamos que o bebedouro seja daqueles que não têm filtro, mas apenas comportam um galão d'água. Se este não tiver água limpa, o bebedouro fornecerá água suja.

Pensar na manifestação dos atributos de Deus dessa maneira seria uma opção? Creio que não necessariamente, já que temos de pensar que os atributos de Deus confundem-se com a sua própria essência, vide o seu amor: Deus é amor em si mesmo, mas o manifesta também. Essa questão acaba sendo bem complicada, já que não envolve apenas listar os atributos de Deus, levando-se em conta a questão colocada antes por mim sobre a Teologia Apofática e a Catafática, mas também as entrelaçar de modo que formem um corpo coerente e funcional.

8. Angeologia
Das questões da lista, esta é a mais recente no meu pensamento. Foi por meio do livro "Hierarquia Celeste", do Pseudo-Dionísio, que passei a questionar o porquê da existência dos anjos, em suas diversas classes — serafins, querubins, arcanjos etc. . De fato, se eu questiono a existência do homem e do Universo, faz sentido questionar-me acerca dos anjos. Pseudo-Dionísio os situa como intermediadores necessários entre Deus e os homens, seguindo mais ou menos a epistemologia platônica; no entanto, a onipotência divina dispensaria a necessidade de intermediadores, então, não vejo muito sentido na existência dos anjos.

Acho, também, interessante pensar sobre os anjos a partir da perspectiva da vida dos santos no céu, principalmente a partir da dissidência de Satanás e seus comparsas. Explico-me. Se Satanás teve o desejo de ser maior que Deus, por que, nós, na eternidade, não teríamos desejo semelhante. Nessa área, não estou tão perdido quanto na Escatologia, mas li muito pouco a respeito. Um bom livro que me deu boas idéias sobre o assunto foi "Destino Final" do Daniel Brown.

9. Necessidade do sacrifício de Cristo
Assim como a onipotência divina, no campo da Angeologia, dispensaria os anjos como intermediadores necessários entre Deus e os homens, ela também dispensaria o ato sacrificial de Cristo, pois Deus poderia, num átimo de pensamento, declarar o perdão dos pecados do homem, justificando-o e tornando-o puro. Tenho a tendência para crer num pretendido vivenciamento da humanidade por parte de Deus, além de uma exemplificação concreta de pureza para nós utilizarmos como paradigma; contudo, creio que essas duas razões são demasiadamente rasas para sustentar a necessidade da vinda de Cristo, já que os israelitas, na Antiga Aliança, não tinham alguém concreto para mirar-se, mas eram igualmente, possivelmente até mais, cobrados do que nós.

Essa questão envolve outras em torno da onipotência divina. Por exemplo, por que Deus diria a Moisés que ele não poderia vê-lo, pois morreria (Êx. 33.20)? Deus não poderia utilizar sua onipotência e munir Moisés de alguma forma? Alguns poderiam dizer que não nos cabe questionar o modo como Deus age e que ele é soberano para fazer o que quiser. Acho esse tipo de raciocínio simplório. Deus, enquanto Logos, possui um procedimento padrão no seu agir. Fico imaginando se Deus age de modo determinístico ou estocástico. Para exemplificar, Deus, enquanto amor, pode agir maleficamente? Não! Onde fica a sua onipotência então? Questionamentos desse tipo são parecidos com raciocínios sobre se Deus poderia criar uma pedra que ninguém pode levantar. Tomás de Aquino, no primeiro livro de sua Suma Teológica, trata com inteligência essa questão. Temos de tratar Deus a partir de ações logicamente possíveis[10]. Pensar em Deus como Logos fornece alguns resultados. Podemos imaginar que poderia existir um outro Universo ou este é, simplesmente, como disse Leibniz, o melhor dentre os mundo, não podendo ser de outro modo? Esse determinismo poderia ser transferido para o ato sacrificial de Cristo?

10. Deus do Antigo Testamento x Deus do Novo Testamento

Essa é uma das grandes questões que tem incomodado os teólogos de todos os tempos. Como conciliar o Deus do Antigo Testamento com o do Novo? Por que Deus era tão severo em seu julgamento, mas parece ser tão displicente hoje? Como o mesmo Deus pôde mandar o extermínio completo de cidades, incluindo crianças, mulheres grávidas etc. , e mandar Pedro abaixar a espada contra um soldado? Como o mesmo Deus que parece valorizar tanto a vida no Novo Testamento, desdenha dos parentes e servos de , conservando apenas a vida deste? Um livro que me deu certas dicas sobre como raciocinar sobre tais discrepâncias foi "Deus Mandou Matar? — 4 Pontos de Vista Sobre o Genocídio Cananeu" — editado por Stanley Gundry —; contudo, tenho muitas dúvidas a respeito do assunto.

Discutindo, recentemente, sobre o assunto, percebi que ao mesmo tempo em que Deus deixou de atuar de modo evidente e explícito no mundo, fazendo cair o maná do céu, abrindo o mar etc. , Ele também deixou de ser severo, ou seja, sua atuação explícita é diretamente proporcional à sua severidade. Essa relação é factual quando se observa a atuação de Deus no decorrer do texto bíblico, mas existe alguma lógica para que Deus aja assim ou tenha agido de tal maneira no decorrer da História? A conciliação entre Antigo e Novo Testamento é uma tarefa árdua, mas creio que assim como Cristo é a chave hermenêutica para o entendimento de tudo, Ele também é a chave de compreensão para entender-se como Deus age.


[1] http://listasde10.blogspot.com/ e http://lista10.org/

[2] http://colunas.g1.com.br/zecacamargo

[3] A revista Bravo! lançou ótimas revistas com os 100 mais da Literatura brasileira, mundial etc. .

[4] http://fabiosalgado.blogspot.com/2009/01/sempre-gostei-de-listas.html

[5] http://www.transmundial.com.br/noticias/noticia_inteligente.php3?id=662

[6] Um dos meus tios, o que é amilenista, recomendou-me o livro do Millard Erickson "Opções Contemporâneas na Escatologia", que foi republicado com o título de "Escatologia" pela Editora Vida Nova — http://www.vidanova.com.br/produtos.asp?codigo=440 . O livro pode ser encontrado em PDF no seguinte link: http://www.ebenezer.org.br/Download/Onezio/Escatologia.pdf

[7] Neste link: http://www.ccel.org/ccel/dionysius/works.html encontra-se a obra completa do Pseudo-Dionísio. Esse site é muito bom para encontrar obras de teólogos da cristandade.

[8] Vejam este excelente artigo dele, por exemplo:
http://www.reasonablefaith.org/site/News2?page=NewsArticle&id=5182 (
Timelessness and Omnitemporality). O site dele tem ótimos artigos! Recomendo!

[9] http://www.monergismo.com/textos/presciencia/arrependimento_deus.htm

[10] Paradoxo da Onipotência: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_da_omnipot%C3%AAncia
Suma Teológica do Tomás de Aquino em PDF: http://www.ccel.org/ccel/aquinas/summa.pdf