sábado, 10 de outubro de 2009

20 passos para um relacionamento saudável

A postagem de hoje tem por inspiração os textos que o Artur da Távola — falecido em maio do ano passado — escrevia sobre o amor. Uma breve pesquisa no Google já fornece vários dos excelentes textos dele. Não gosto de textos de autoajuda e acredito que aqueles que privilegiam esse tipo de leitura são preguiçosos para construírem um saber filosófico consistente, já que todos os temas abordados por escritores de autoajuda podem ser encontrados em textos de filósofos geniais.

Dois textos que acredito que são fundamentais para o entendimento do amor são o belíssimo soneto de Camões "Amor é fogo que arde sem se ver" e o texto bíblico de Coríntios 13. A abordagem dos dois textos, contudo, refere-se a esferas distintas: enquanto Camões disserta sobre um amor sentimental, Paulo refere-se a um amor platônico, na medida em que ele trata de um amor no qual devemos espelhar-nos. Seria, mais ou menos, como a distinção que se costuma fazer, no campo da Ética, entre moral e ética, esta representando como a moral deve ser e aquela representando como se dão ou deram-se as relações morais no decorrer do tempo.

Pensei também em escrever um texto a partir da abordagem do mito de Eros e Psiquê, destrinchando algumas particularidades que enxergo, de uma genealogia bíblica, tratando os diversos contextos em que o amor aparece no texto bíblico, ou a partir de uma perspectiva filosófica, já que toda filosofia parte do amor ao conhecimento. Optei, no entanto, por fazer uma enumeração de conselhos ou observações que tenho feito ao longo dos meus relacionamentos e tendo-se por base os relacionamentos de pessoas próximas a mim. É claro que a lista não é fechada: provavelmente, acrescentarei muita coisa a ela no decorrer da minha vida, mas acho que vale a pena tentar fazer esse tipo de trabalho e disponibilizá-lo no meu blogue. Enfim, eis a lista:

1) Não inicie um relacionamento sem o vislumbramento de um futuro com o seu parceiro.

Se você está apenas a fim de um "peguete" fixo ou coisa do gênero, não inicie um namoro. As pessoas costumam discordar sobre qual é o significado de um namoro. Várias delas interpretam-no como uma espécie de "test-drive" no qual quanto mais carros você experimentar melhor. O meu conselho é: não façam isso! Pessoas não são carros! Além de você poder magoar profundamente alguém, você pode perder a oportunidade de construir uma vida ao lado de quem realmente deveria ser o seu parceiro. Sei que hoje existem pessoas que não são adeptas da monogamia e que acham que esse papo de alma gêmea e afins é um assunto ultrapassado, mas posso dizer que o que tenho visto nos relacionamentos felizes e sadios confirma o que tem sido chamado de conservadorismo. Para resumir, se você não se vê com aquela pessoa daqui a dez anos, nem comece um relacionamento.

2) Busque relacionar-se com pessoas que se assemelham a você.

Este item pode gerar controvérsias num primeiro momento, mas acho que, com a minha explicação, ele se tornará mais claro. O papo de que "opostos se atraem" só funciona na Física, e mesmo assim só por uma questão de convenção. Quanto menos divergências, mais fácil será o namoro. Não excluo o fato de que o amor verdadeiro pode tudo superar, e não só pode, mas supera; contudo, procurar pessoas que compartilhem das suas crenças e convicções evita muita dor de cabeça. Esse é um conselho que minha mãe sempre me deu e concordo inteiramente com ela. O próximo item irá mostrar que seguir este já facilita as coisas, já que as diferenças são inevitáveis.

3) Saiba que as diferenças são as regras, e não as exceções.

Homens e mulheres são diferentes por natureza em todos os âmbitos: psicológicos, fisiológicos, sociológicos etc. . As diferenças já começam no fato de vocês serem de sexos distintos — espero que nenhum homossexual surja aqui dizendo que os deixei de lado. Não é à toa que dizem que os homens são de Marte e as mulheres, de Vênus. Se quem foi criado com você, seus irmãos, já são completamente diferentes de você, imagine quem foi criado em condições totalmente diferentes! As diferenças certamente surgirão e não se espante com elas, mas saiba enfrentá-las e persista no amor que você sente.

4) Seja moldável sem se descaracterizar.

É importante saber ceder num relacionamento. Não existe isso de você querer que alguém ame você do jeito que você é e pronto. Se, na pior das hipóteses, você e o seu parceiro divergirem em tudo, resta a possibilidade de vocês cederem em certos pontos, não significando que vocês, simplesmente, não nasceram um pro outro. Há, no entanto, uma tênue linha que deve ser mantida e respeitada: ao mesmo tempo em que você deve aprender a ceder, você não deve descaracterizar-se completamente, esvaziar-se de si mesmo e deixar de ser quem você é, perdendo a sua identidade. Saber respeitar isso é extremamente complicado e só o tempo fornece a experiência necessária para saber fazer a distinção correta. Você estará no ponto certo quando você puder dizer: "eu sou outra pessoa com você: alguém mais parecido comigo mesmo".

5) Não deixe que o caráter passional do amor defina-o, mas torne-o uma decisão tomada no dia a dia.

Em outras palavras, existe uma diferença fundamental entre paixão e amor. As próprias definições nos dicionários confundem as palavras, mas até a Ciência já mostrou estatisticamente que a paixão dura, em média, pouco mais de um ano [1], embora também já tenha mostrado que é possível prolongá-la [2]. Ainda me questiono se os nossos sentimentos são apenas ação de substâncias bioquímicas ou algo mais. Acho que esse algo mais está na nossa capacidade de decisão. Nada contra a paixão; inclusive, se houver paixão no amor, melhor ainda, mas ela não deve definir o amor que se sente ou ser base dele. Trataria o amor como hiperônimo da paixão, pois o amor pode abrangê-la, mas a paixão pode existir sem o amor. Se você está tendo um relacionamento com alguém, decida amar essa pessoa a cada dia que você acordar: se o amor for uma decisão, ele será capaz de sustentar o seu relacionamento, independentemente de como esteja o nível da sua paixão.

6) Privilegie o papel do diálogo no seu relacionamento.

Busque essa interação na sua relação tendo em vista que você tem dois ouvidos e apenas uma boca. Estejam prontos para ouvir e sejam tardios para falar [3] e, quando forem falar, tenham em mente que a boca fala daquilo que o coração está cheio [4]; portanto, se o seu coração está cheio de amor, você irá sempre falar palavras de amor ao seu parceiro. Evite termos sinônimos de grosseria ou que sejam chulos. Tente sempre manter o nível do diálogo com palavras saudáveis. O diálogo abre espaço para discussão de idéias e dá oportunidade para que você conheça melhor o outro; da mesma maneira, é por meio do diálogo que você descobrirá, com antecedência, como vocês administrarão um lar, educarão os filhos e se existem grandes dissonâncias na maneira de vocês encararem a vida e os seus percalços.

7) Relacionamentos demandam tempo.

O belo texto de Eclesiastes 3 afirma que "há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu". Não há como manter um relacionamento se você não dispensar tempo de investimento nele. Acredito que este item serve de pressuposto para os outros itens porque não há como dialogar, conhecer, amar sem dedicar tempo para isso. Se você deseja ter um relacionamento saudável, é indispensável que você reserve o tempo necessário para tanto.

8) Tenha o amor por ideologia.

Respeite o amor como se fosse algo que não pertence só a você, como se fosse um nome de família que você leva e que, se você desonrá-lo, estará desonrando várias pessoas se não tomar os cuidados devidos. Seja engajado no que se refere ao amor, lute por ele, o preserve!

9) Tenha empatia pelo seu parceiro.

Ter empatia é a capacidade de colocar-se no lugar do outro. Uma pergunta fundamental que deve ser feita no seu modo de agir é: "Eu gostaria se ele/ela fizesse isso comigo?". Quando você age pensando dessa forma, as coisas ficam mais simples.

10) Não deixe o seu relacionamento cair no marasmo.

O item 5 evita, de certa forma, que o seu relacionamento não definhe por causa do marasmo, mas convenhamos que um namoro torna-se muito mais saudável quando ainda se tem romantismo, surpresa. Não fique preso às datas comemorativas e especiais, mas saiba surpreender o seu parceiro com presentes e com palavras de carinho em momentos inesperados. Títulos, alianças e afins não sustentam nada. Não é só em novela que relacionamentos de 30 anos acabam. Conheço relacionamentos de 50 anos que terminaram. Não sei as causas, mas a falta de romantismo é um fator que pode ser determinante. Sei que para nós, homens, é complicado ser detalhista, notar roupas novas, cabelos cortados, mas não custa nada fazer um esforço para elogiar sempre. Elogios em excesso nunca fazem mal.

11) Seja alguém responsável por aumentar a autoestima do seu parceiro. Seja amigo.

Na vida, não são poucas as pessoas que encontramos que estão sempre dispostas a derrubar-nos, deixar-nos para baixo. Não seja mais uma pessoa a fazer isso com o seu parceiro. Tenha sempre palavras de amor, superação, alegria. Levante o seu parceiro e seja o ombro amigo com o qual ele saiba que pode chorar, desabafar. No contexto da antiguidade grega, fazia-se distinção entre quatro tipos de amor: filéo, ágape, eros e stergo. O primeiro diz respeito a gostar de alguém, sentir afeição; o segundo, ao amor de Deus para com a sua Criação; o terceiro, ao amor erótico; e o último refere-se à afeição entre pais e filhos, entre um soberano e os seus súditos, ou mesmo entre um cão e o seu dono. Acredito que um relacionamento saudável deve ser a fusão dessas quatro instâncias, sendo que o descaso com relação a um desses tipos de amor pode ser determinante no insucesso de um relacionamento. Existe um poema do Jorge de Lima chamado "O acendedor de lampiões" que influenciou bastante o meu modo de enxergar o mundo. O poema fala sobre um acendedor de lampiões que é responsável por levar luz para as pessoas, mas que, na própria choupana, talvez não tenha luz. O poema termina dizendo que muita gente insinua nos outros crenças, religiões, amor, felicidade, sendo como o acendedor de lampiões que não tem luz na sua própria casa. Aprendi com o poema que, mesmo quando não estamos felizes, podemos fazer outras pessoas felizes. Mesmo quando você mesmo está para baixo, você pode ser responsável pela alegria de outra pessoa.

12) Seja fiel.

Não seja apenas fiel ao seu parceiro, mas seja fiel ao seu sentimento. Se for engajado com o amor, como disse num item 8, você será fiel ao próprio amor que você sente.

13) Tenha confiança.

Um relacionamento construído sobre desconfiança nunca poderá ser, de fato, saudável. É extremamente necessário que você confie em quem está com você. Se você não tem essa capacidade, é porque ainda não está suficientemente preparado para um relacionamento.

14) Materialize o que você sente.

Não adianta dizer todo dia que você ama o seu parceiro se você não demonstra isso nos seus pequenos gestos, na maneira como você trata-o, com o seu olhar. Tente expressar o que você sente das maneiras mais diversas possíveis. É uma necessidade humana apegar-se a coisas concretas para entender o abstrato; portanto, presenteie o seu parceiro, mas não ache que apenas objetos sofisticados e caros serão responsáveis por manifestar o seu sentimento. Tente ater-se a detalhes, momentos em que você pode mostrar que você, realmente, é alguém com quem se pode contar.

15) Seja cuidadoso ao lidar com o passado, o presente e o futuro.

Não seja o tipo de pessoa que fala insistentemente dos erros do seu parceiro ou que joga diariamente na cara dele fatos desagradáveis do passado. Importe-se com o seu presente. Valorize-o! Dê importância aos poucos momentos em que você pode estar ao lado de quem você ama, mas tenha sempre em vista o futuro — vide item 1.

16) Seja cúmplice.

Cumplicidade é um fator preponderante numa relação. Não tive a preocupação de organizar esta lista de maneira lógica e axiomática, para que ela contivesse o menor número de itens, e a prova disso é o fato de a cumplicidade dialogar com vários itens desta lista. Seja refém do seu amor, tanto do sentimento quanto do seu parceiro. Quando o seu parceiro estiver numa situação ruim, mesmo que ele esteja errado, não o exponha. Seja o primeiro a estender-lhe a mão. Mesmo que ele mereça ser repreendido, faça-o de maneira delicada e privada. Seja, da mesma maneira, o primeiro a defender quem você ama.

17) Relacionamentos têm altos e baixos.

Assim como tudo na vida, os relacionamentos têm momentos em que tudo parecerá estar bem e têm outros momentos em que parecerá que você está vivendo no próprio Inferno. Não se assuste com isso. As próprias alternâncias naturais de humor podem gerar esses altos e baixos. Seja responsável por não ser mantenedor dos momentos ruins, mas sempre procurar melhorar o seu relacionamento.

18) Prime pela verdade.

Não minta, nem omita, mas aprenda a dizer a verdade na hora certa e do jeito certo. Quanto a este quesito em particular, saiba que o fato de você ter razão não lhe dá o direito de fazer cobranças ou de colocar o outro em situação delicada. Comprometa-se com a verdade, mas com bom senso e sensatez. Um relacionamento construído na mentira não dura, gera desconfiança e traz outros inconvenientes.

19) Busque um bom relacionamento com os familiares e amigos do seu parceiro.

Se você pensa em ter um relacionamento duradouro, é imprescindível que você busque dar-se bem com a família e com os amigos do seu parceiro. Nunca diga ao seu parceiro para afastar-se de um amigo, até porque, quando os relacionamentos acabam, os amigos verdadeiros são aqueles que ficam. Dê tempo para o seu parceiro gastar com os seus amigos e familiares: da mesma maneira que ele precisa dispensar tempo para ter um bom relacionamento com você, ele precisa fazer o mesmo com outras pessoas com quem ele se relaciona. É complicado tentar fazer isso quando algumas figuras exóticas e nem um pouco edificadoras surgem, mas busque representar um papel de reconciliador, e não de criador de dissensões. Entenda também que, se o seu parceiro sentir a necessidade de sair sozinho ou fazer coisas sozinho, não quer dizer que ele não ama você ou não sente sua falta ou necessidade de estar ao seu lado, apenas ele tem preferências. Respeite isso.

20) "Um cordão de três dobras não se rompe com facilidade".

Mais uma vez citando Eclesiastes — um dos meus livros favoritos da Bíblia —, deixei este último item para quem crê em Deus, embora ele sirva também para reafirmar o item anterior, já que um relacionamento que tem apoio dos familiares e amigos tem mais consistência. Busque crescer com o seu parceiro em todos os âmbitos: cultural, social, intelectual e, principalmente, espiritual. Coloque o seu relacionamento na presença de Deus. Orem por vocês, busquem-nO! Compartilhem os seus desejos, sonhos e planos com Deus e tentem, juntos, criar um relacionamento de intimidade com Deus.


[1] http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2005/11/051128_amorcc.shtml

[2] http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2009/01/090105_amorpesquisaml.shtml
[3] Tg 1.9

[4] Lc. 6.45

5 comentários:

  1. Pq vc resolveu escrever sobre o amor? Acho que o número 14 foi para mim né? Gostei. Depois, lerei com mais atenção. Beijo! :*

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  2. O 15 e o 16 tbm! eaieoaa

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  3. Perfeito para mim... Obrigada.....

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  4. Muito bom!! Vou compartilhar com o meu amor.

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  5. Relendo hoje esse texto encontrei coisas que passaram despercebidas. Realmente o amor não é pra qualquer um. Amar exige renúncias. Mas ainda assim é doce o caminho. Obrigada pelo texto delicioso.

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