domingo, 6 de novembro de 2016

A repreensão de Pedro por Paulo prova que ele não era infalível? (Dave Armstrong)

Pedro e Paulo são retratados neste trabalho do século XVII de Guido Reni. A repreensão de Pedro por 
Paulo, em Gálatas 2, por hipocrisia no seu trato com os judeus mostra a diferença entre infalibilidade
— que os católicos atribuem ao Papa no ensino de matérias de fé e de moral — e impecabilidade,
ou a liberdade do cometimento de pecados pessoais. Foto da CNS.


São Paulo repreendeu São Pedro por hipocrisia. Os não católicos, às vezes, alegam que isso prova que Pedro não era infalível e que Paulo tem, no mínimo, a mesma autoridade que a de Pedro (então, o papado, em si mesmo, não constituía uma autoridade especial). Isso parece, entretanto, originar-se mais de um mal-entendido do que da própria doutrina.

Muitos parecem estar confusos sobre o ensinamento católico acerca do papado, erroneamente, pensando que, se os Papas estão protegidos pelo Espírito Santo do erro referente ao ensino, então, eles devem, portanto, ser seres humanos perfeitos também (e Pedro, manifestamente, não o era!). Isso se chama impecabilidade, e não infalibilidade. Para ilustrar essa objeção, não católicos, freqüentemente, citam a seguinte passagem:
Gálatas 2.9,11-14 (TEB): “e, reconhecendo a graça que me foi dada, Tiago, Cefas [Pedro] e João, considerados como colunas, deram-nos a mão, a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão [...]. Mas quando Cefas veio a Antioquia, eu me opus a ele abertamente, pois assumira uma atitude errada. Com efeito, antes de chegarem os emissários de Tiago, ele tomava as refeições com os pagãos; mas depois da chegada deles, começou a subtrair-se e se manteve afastado, por receio dos circuncisos; e os outros judeus entraram em seu jogo, de tal sorte que o próprio Barnabé foi arrastado pela duplicidade deles. Mas quando vi que eles não andavam direito segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas diante de todos: ‘Se tu, que és judeu, vives à maneira dos pagãos e não à judaica, como podes obrigar os pagãos a se comportarem como judeus?’.”.

A hipocrisia e outras falhas humanas não são nada de novo. Pedro já tinha negado a Jesus três vezes; o próprio Paulo tinha perseguido cristãos antes da sua conversão; o rei Davi cometeu adultério e assassinato; Moisés assassinou um homem no começo de sua vida e assim por diante. Deus apenas tem pecadores com quem trabalhar, e trabalhar com eles é o que Ele faz de fato.

A Bíblia não nos oferece qualquer tipo de suporte para a noção de que líderes autênticos não deveriam ser obedecidos se eles cometem pecados, mesmo que sejam pecados habituais. O rei Davi não deixou de ser rei depois do cometimento dos seus pecados hediondos. Deus não quebrou a aliança que tinha estabelecido com ele.

O próprio Davi reconheceu a sublime autoridade do rei Saul quando este o perseguia, chamando Saul de “ungido” de Deus (1 Sm. 24.1-10; 26.1-11). Moisés não perdeu a sua autoridade depois de desobedecer a Deus (Dt. 32.51).

Jesus disse aos seus discípulos que obedecessem aos fariseus, mesmo que eles fossem hipócritas (Mt. 23.2-3). Paulo reconheceu a autoridade do sumo sacerdote judeu (Atos 23.1-5). Mesmo o (então pagão) governo civil não era apenas para ser obedecido, mas, também, honrado (Mt. 22.17-21; Rm. 13.1-7), assim ensinaram Jesus e Paulo.

O fracasso humano não tem nada a ver com a infalibilidade papal, que se aplica apenas em matéria de ensino definitivo concernente à fé e à moral, constituindo uma proteção divina, e nem o incidente em Antioquia sugere que Paulo tinha mais autoridade que Pedro. A maior autoridade de Pedro é implicada na referência de Paulo à capacidade de Pedro de “obrigar os pagãos a se comportarem como judeus”.

Um contra-argumento é o de que, se Paulo, de fato, sabia que Pedro era o primeiro “Papa” e líder da Igreja, certamente, ele teria saído da linha ao repreender Pedro em público dessa maneira, acusando-o de negligência grosseira e de não “andar direito segundo a verdade do Evangelho”.

Isso parece envolver mais do que, meramente, uma repreensão por hipocrisia. Portanto, assim nos dizem, Paulo não sabia que Pedro era o “Papa” porque isso não era verdade antes de tudo.

Esse contra-argumento também falha. Primeiramente, “falar a verdade a uma autoridade” não é um tema bíblico desconhecido (por exemplo, o profeta Natan repreende o rei Davi em 2 Sm. 12.1-15) e tampouco uma repreensão a um Papa no pensamento e história católicos é inconcebível. Grandes Santos como São Francisco e como Santa Catarina de Sena fizeram isso.

Não é sequer certo que Paulo estivesse totalmente certo e Pedro completamente errado. O preeminente estudioso protestante James D. G. Dunn escreveu sobre essa questão (“Unity and diversity in the New Testament, London: SCM Press, 2nd edition, 1990, 253-254) e assinalou que, por termos apenas o relato de Paulo, não podemos, finalmente, decidir quem estava certo e quem estava errado.

Dunn acredita que a evidência interna que a passagem fornece-nos sugere-nos que mesmo o próprio Paulo não pensou que ele estava correto decisivamente contra Pedro:

“Se Paulo tivesse vencido, e se Pedro tinha reconhecido a força do seu argumento, Paulo teria, certamente, notado isso, assim como ele tinha fortalecido a sua posição anterior ao notar a aprovação da “coluna dos apóstolos” em 2.7-10”.

Dunn vai até mais longe ao afirmar: “é muito provável que Paulo foi derrotado em Antioquia, que a Igreja, como um todo, em Antioquia, aliou-se a Pedro em detrimento de Paulo” (os itálicos são dele). Se isso é verdade, então, obviamente, o incidente não nos forneceria contraprova alguma para o papado. Dunn nota que Paulo, também, pareceu “mudar o seu tom” posteriormente:

“Dificilmente, pode passar despercebido que o conselho de Paulo a tais comunidades em 1 Cor. 8.10-13 e em Rm. 14.1 a 15.6 (para não mencionar a sua própria prática de acordo com Atos 21.20-26) está mais em consonância com a política de Pedro e de Barnabé em Antioquia do que de acordo com o seu próprio princípio fortemente redigido em Gl. 1.11-14!”.

Como conclusão, o “The new Bible Dictionary”, um trabalho de referência protestante, afirma:

“Gl. 2.11 em diante dá-nos um vislumbre de Pedro em Antioquia, a primeira igreja com membros significativos vindos do paganismo, compartilhando a comunhão à mesa com conversos gentios e, então, encontrando uma barreira de oposição entre judeus e cristãos, diante da qual ele se retira. Essa deserção foi arduamente denunciada por Paulo; no entanto, não há nenhum sinal de qualquer diferença teológica entre eles e a queixa de Paulo está mais relacionada à incompatibilidade entre a prática de Pedro com a sua teoria. A teoria antiga [...] da persistente rivalidade entre Paulo e Pedro tem pouca base nos documentos (Organizing editor: J. D. Douglas, Grand Rapids, Michigan, Eerdmans Publishing Co. , 1962; article “Peter”, written by A. F. Walls, 973).


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