segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Uma base bíblica para a Virgindade Perpétua de Maria? (Brant Pitre)


Algo absolutamente fascinante que encontrei enquanto lia o livro de Números recentemente...

É bem conhecido que a Igreja Católica ensina que a Santíssima Virgem Maria não apenas concebeu Jesus em estado de virgindade, mas permaneceu virgem durante toda a sua vida conjugal. Essa doutrina é conhecida como a Virgindade Perpétua de Maria (ver CCC 499-501). Também é bem conhecido que a maioria de nossos irmãos e irmãs protestantes não aceita essa doutrina, geralmente porque os Evangelhos mencionam os "irmãos" de Jesus, como "Tiago e José", que são considerados irmãos de sangue de Jesus, nascidos de Maria (cf. Mt. 13.55).

Agora, não quero retomar os velhos argumentos sobre se esses irmãos são primos de Jesus — o próprio Mateus diz a vocês que eles são os filhos da "outra Maria", não a Virgem Maria, uma mulher que estava ao pé da cruz (Mt. 27.56-61), e que, em João, é identificada como a "irmã" (adelphes no grego) da Virgem Maria (João 19.25). Em vez disso, quero concentrar-me em uma objeção mais fundamental à Virgindade Perpétua de Maria: a plausibilidade de que uma mulher judia casada permanecesse virgem em primeiro lugar. Como um dos meus alunos observou, de forma bastante eloquente, na semana passada: "Você espera que eu acredite que eles eram casados, e não fizeram sexo??'. Bem, sim, é nisso que a Igreja espera que você acredite; é isso que os cristãos acreditaram por quase dois mil anos... No entanto, existe alguma base histórica para isso, além da prática posterior dos "casamentos espirituais" cristãos?

Pouco depois disso, na discussão em sala de aula, eu estava lendo o livro de Números e encontrei um capítulo inteiro que nunca havia notado antes, referente a votos feitos por mulheres. O que é fascinante, sobre a passagem, é que, de acordo com alguns comentaristas, ele parece preocupar-se, especificamente, com votos de abstinência sexual feitos por mulheres casadas. Embora esse texto seja universalmente negligenciado nas discussões sobre a virgindade de Maria, considere-o de perto. (Eu sei que é longo, mas leia-o atentamente: depois, vou dividi-lo.). A pergunta é: que tipo de votos está em vista? A resposta é dada no final:

Votos feitos por uma jovem mulher na casa de seu pai
"[4]Se uma donzela, que se encontre ainda na casa de seu pai, fizer um voto ao Senhor, ou se se impuser uma obrigação, [5] e seu pai, tendo conhecimento do voto que ela fez ou da obrigação que tomou, nada disse, todos os seus votos e suas obrigações serão válidos. [6] Porém, se seu pai se opuser no dia em que ele tiver conhecimento disso, todos os seus votos e obrigações serão inválidos, e o Senhor o perdoará, porque seu pai se opôs." (Números 30.4-6).

Votos feitos por uma mulher casada
"[7] Se na ocasião de seu casamento ela estiver ligada por algum voto ou algum compromisso inconsiderado, [8] e seu marido, sabendo-o, não disser nada naquele dia, seus votos serão válidos, assim como os compromissos tomados. [9] Mas se o marido, no dia em que disso tiver conhecimento, desaprová-lo, serão nulos o seu voto e o compromisso tomados inconsideradamente, e o Senhor o perdoará." (Números 30. 7-9)

Votos feitos por uma viúva ou mulher divorciada
"[10] O voto de uma viúva, ou de uma mulher repudiada, e toda obrigação que ela se impuser a si mesma, será válida para ela. [11] A mulher que está em casa de seu marido, se se obrigar com voto, ou se se impuser uma obrigação, ou juramento, [12] desde que o marido, ao sabê-lo, nada diga, nem se oponha, todos os seus votos serão válidos, bem como todo compromisso que ela tiver tomado. [13] Porém, se seu marido se opuser ao ser informado de seus votos, todos eles serão nulos e, igualmente, todos os compromissos que tiver tomado; serão sem valor, porque foram anulados por seu marido, e o Senhor o perdoará.".

Contexto: votos para 'mortificar-se'
'[14] Seu marido pode ratificar ou anular todo voto ou todo juramento que ela tiver feito para se mortificar. [15] Se seu marido guardar silêncio até o dia seguinte, com isso ratifica todos os seus votos e todos os seus compromissos; e os ratifica porque nada disse no dia em que deles teve conhecimento. [16] Se os anular depois do dia em que o soube, levará a responsabilidade da falta de sua mulher".

Tudo bem: então, o que tudo isso significa? A chave está na seção final: o capítulo que se preocupa com os votos de uma mulher para "mortificar-se", o que, como observa o grande estudioso da Torá Jacob Milgrom, foi interpretado pelos antigos judeus como referindo-se ao jejum e à abstenção de relações sexuais. Terminologia semelhante é usada nas descrições do Dia das Expiações, quando se esperava que os judeus jejuassem e evitassem relações sexuaus (ver Milgrom, Harper Collins Study Bible n. Lev 16:29; citando Targum Pseudo-Jonthan; cf. também Êxodo 19.15). Uma vez que essa terminologia esteja clara, todo o capítulo faz sentido. Trata-se de uma discussão sobre três tipos de votos:

1. votos de abstinência sexual feitos por uma mulher jovem e solteira;
2. votos de abstinência sexual feitos por uma mulher casada;
3. votos de abstinência sexual feitos por uma viúva ou uma mulher divorciada.

Nos três casos, a natureza vinculante do voto depende de se a parte masculina (pai ou marido), ao ouvir o voto, nada disser e consentir com ele. Em cada caso, se ele ouviu o voto e aceitou-o, o voto é perpetuamente vinculativo.

Agora, o que isso significa é que, se uma mulher judia jovem — digamos, Maria, neste caso — fez um voto de abstinência sexual e se seu marido legal — no nosso caso, José — escutou o voto e não disse nada, então, o voto permanece e ela é obrigada a mantê-lo. Isso fornece uma sólida base histórica para José e Maria terem um casamento perpetuamente virgem: na verdade, Números é bastante explícito no versículo final ao dizer que, se o marido muda de idéia, e "os anular depois do dia em que o soube", o pecado recairá sobre ele: "levará a responsabilidade da falta de sua mulher" (Nm. 30.15). Podemos facilmente imaginar uma situação em que alguns maridos pensariam melhor em aceitar um voto desses! Contudo, como o Evangelho de Mateus diz-nos: José era um "homem justo" (Mateus 1.19) e obediente à Torá. Se Maria fez um voto de abstinência sexual — e suas palavras "Como se fará isso, pois não conheço homem?", em Lucas, são evidências de que ela o fez (Lucas 1.34) — e se José aceitasse esse voto, no momento do seu casamento, então, ele teria sido obrigado, pela Lei Mosaica, a honrar seu voto de abstinência sob pena de pecar.

Por mais implausível que possa parecer, a uma cultura ocidental saturada de sexo, que um homem faria tal coisa, o fato é que o Antigo Testamento parece assumir isso como uma possibilidade real. Aliás, o fato de que um capítulo inteiro da Bíblia seja dedicado a isso parece sugerir que os votos de abstinência sexual, feito por mulheres, devem ter sido uma parte suficientemente visível da cultura para que fosse necessária uma lei que lidasse com a situação! (Isso não deve surpreender os estudantes da Antiguidade: as virgens consagradas faziam parte da paisagem religiosa do mundo antigo). Se houver alguma dúvida sobre isso, eu sugeriria, de passagem, que o leitor lembre a controvérsia que as igrejas paulinas enfrentaram sobre as jovens viúvas renegando o seu voto de abstinência sexual (1 Timóteo 4) e a outra passagem difícil e confusa em 1 Coríntios sobre o que um homem deveria fazer ao casar-se com sua "virgem" (1 Cor. 7.36-38). Se ambos os textos aplicam-se à situação prevista em Números 30, então, a situação de Maria é tudo menos única na cultura.

De qualquer modo, adoraria ouvir suas opiniões sobre isso. É apenas a minha opinião neste momento. Preciso fazer mais pesquisas, mas pensei em oferecer uma pequena rosa a Nossa Senhora.

Totus Tuus, Maria.

Resposta à objeção
Nota: gostaria de responder a uma possível objeção a este argumento: "Não poderia um voto de abstinência ser um voto temporário? Não creio que esses versos mencionem qualquer coisa sobre um voto perpétuo de abstinência". (minha gratidão ao Billy por essa ótima pergunta!).

Em resposta, eu certamente não negaria que o texto poderia ser aplicado a votos temporários, mas há duas coisas que me fazem pensar que o contexto primário seja de votos permanentes. (1) Primeiramente, que significado teria um voto temporário de abstinência sexual para uma virgem solteira na casa de seu pai?!! Essa é a primeira categoria e, até onde posso ver, deve referir-se, principalmente, a um voto permanente de abstinência, o qual o pai aprova. Pensar de outra forma significaria que Números prevê que a mulher solteira tenha relações sexuais fora do casamento. Isso não faz sentido. (2) Segundamente, que significado teria um voto temporário de abstinência para uma viúva? Se ela estivesse fazendo um voto de abstinência temporária de relações sexuais com o marido, ela, obviamente, estaria liberada do voto por sua morte!

Se um voto permanente de abstinência sexual está em vista, em ambos os casos, faz sentido para mim sugerir que o significado da terceira categoria é o mesmo: um voto permanente de abstinência sexual. No caso de Maria, é apenas um voto permanente que explica sua resposta a Gabriel enquanto ela está prometida a José: "Como se fará isso, pois não conheço homem?" (Lucas 1.34; tempo presente).

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; texto original: 


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